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A propósito das propostas de privatização de empresas como a REN e a Águas de Portugal

Importamos praticamente tudo aquilo que consumimos: do supérfulo ao básico, que é como quem diz os mínimos indispensáveis para nos alimentarmos. Destruímos tudo, do pequeno comércio às indústrias tradicionais, dos campos às pescas, e tornámo-nos tão dependentes que já não temos como, entre fronteiras, subsistir sozinhos  no que há de mais elementar. Devemos tanto que trazemos empenhado o futuro das próximas gerações por um tempo a perder de vista. Tratamos tão mal e injustamente quem pensa e trabalha que estamos a braços com uma fuga de cérebros e um êxodo de jovens  impossiveis de estancar. Extremámos tanto o elogio à impreparação e premiámos tanto a incompetência que todos os outros desertaram ou não estão disponíveis, por não quererem confundir-se ao marasmo medíocre e acéfalo que nos governa, do Parlamento às empresas, da cultura às escolas e às redações dos jornais. Os melhores deixaram de estar disponíveis e ficámos como se vê: entregues ao refugo. Não temos lideranças inteligentes e muito menos eficazes que nos possam ajudar a fazer agulha diante do precipício. Por razões várias, preferimos confiar-nos aos piores e os resultados estão à vista. Não temos dinheiro, não temos políticas, comprometemos a autonomia e empenhámos a nossa própria liberdade para escolher caminhos e tomar decisões. Para tapar os buracos e ir adiando a queda fomos vendendo tudo o que de pouco já restava, da dignidade das pessoas ao ouro em cofre e ao património.

Agora, espremidos entre a cobiça de terceiros, que vêem na nossa miséria uma oportunidade de saldo a não desperdiçar, e a demagógica vaidade dos candidatos a salvadores da pátria, que vêem na nossa desgraça o mal maior que lhes pode garantir uma nota de rodapé na História, preparamo-nos para as derradeiras insanidades. Preparamo-nos para nos desembaraçar da terra, da água dos rios e das fontes de energia, como se de um peso na bagagem se tratassem. É assustador que se olhem os recursos naturais que ainda nos garantem algum chão com tamanho desprezo, sacudidos à pressa como um fardo que  impede a caminhada. Um qualquer índio da Amazônia, desses que nunca andaram pelos anfiteatros de Harvard nem transportam sobre os ombros nus uma colecção de MBAs, ficaria horrorizado diante de tal ideia. E não seria preciso colocar-lhes diante dos olhos um programa de governo que formalmente atestasse a proposta para a declinarem à cabeça. Qualquer deles saberia - geneticamente, o saberia! - que a solução nunca poderia encontrar-se por essa via: pela simples razão que sem rios, sem terra, sem ventos ou marés, nenhuma vida se faz possível.

Sabe-se hoje, no muito que se continua a escrever e reflectir a esse respeito, que a chave de sucesso das novas potências emergentes reside no facto de possuírem ainda, e quase intactos, recursos naturais abundantes e uma população florescente que garante mão-de-obra, ou seja, vitalidade de força de trabalho e fartura de intelecto. Sabendo-se disto, Portugal opta justamente pelo contrário: exterminar o seu povo e alienar as dádivas da Natureza. É certo que já pouco conservamos dessa generosidade inicial que nos assistia. Esgotámos as minas, secámos os campos, encurtámos os oceanos, abandonámos as florestas e tratámos de emagrecer o gado. Mas os rios ainda teimam em correr para um mar que nos cerca por todos os lados e os ventos ainda resistem e sopram nas planícies, falésias e montanhas.
Resta-nos pouco e arriscamos a que nos reste cada vez menos ou quase nada. Deveria isto ser o bastante para olharmos com outro respeito os recursos naturais de que ainda dispomos, lutando por preservá-los de forma canina com políticas correctas de gestão sustentável. A simples equação contrária e a defesa da tese de que nos devemos desfazermos deles o quanto antes deveria bastar para decretar a interdição pública dos seus mentores.

Posted by por AMC on 02:54. Filed under , , , . You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Feel free to leave a response

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