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Revista 'Persona Mulher' com especial dedicado a Pedro Alvares Cabral e às mulheres das caravelas


No dia 8 de Julho, às 18h30, no Instituto Camões, é apresentado o mais recente número da revista brasileira Persona Mulher, dedicada a Pedro Álvares Cabral. A edição de Junho da publicação contempla um caderno temático sobre o navegador português, a partir do ponto de vista da presença feminina na expansão marítima.
Tenta-se aqui revelar a história que não foi contada, as causas que levaram o navegador português ao esquecimento face à figura histórica de Vasco da Gama, bem como as mulheres que viajaram nas caravelas escondidas e as que primeiro chegaram a inóspita Ilha de Vera Cruz. Este é, portanto, um trabalho que pretende aproximar dois países, Portugal e Brasil.
O evento conta com o apoio do Ministério da Cultura, do Instituto Camões e o apoio cultural da Embaixada do Brasil.


Especial Cabral - Editora Persona Edição Nº106

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A Mulher Nas Conquistas Marítimas

“Figuras de penumbra, sombras por trás de um biombo (...). Sentimos-lhe por vezes a personalidade, mas nunca lhe vemos o rosto. Apenas sabemos que estiveram lá” * 




Sua presença nem sempre é retratada com fidelidade na história das expansões portuguesas, mas elas se fizeram muito mais do que sombra, marcaram os fatos superando mitos das navegações portuguesas. Foram mulheres que ultrapassaram fronteiras inserindo-se nas caravelas, nas terras e na história portuguesa. A mulher como força, a mulher como união, a mulher como integração. Os fatores que a levaram para dentro das naus, dos planos, das descobertas, ao lado de homens lutadores, desafiadores, e descobridores foram inúmeros e as transportaram para muito além dos mares.
Rainhas, governadoras e outras sem ascendência nobre somaram para o desenvolvimento da economia, da sociedade e das famílias da terra brasileira e fizeram da colônia portuguesa uma próspera terra a exemplo de Brites de Albuquerque e de Ana Pimentel. Protagonistas da história das Capitanias Hereditárias, governaram terras que se tornaram as únicas com real sucesso somando-se às muitas que ajudaram a escrever a história da expansão portuguesa.
Em palavras do pesquisador Charles Boxer, "As mulheres não são apenas parte essencial de qualquer estudo equilibrado de história social, mas ainda, pela sua presença ou ausência (...), são uma bitola indispensável da qualidade e ritmo do progresso social geral, bem como da categoria, prosperidade e ascendência de qualquer homem." Na expansão portuguesa, tornaram-se forte elo entre os homens e o progresso do país.  

Sombras de um desenvolvimento  

"As descobertas portuguesas não foram obra de um punhado de homens – foram obra de um povo. E que isso, daqui para frente, se escreva, se diga, se divulgue, se ensine... e, enfim, se cante!". O desabafo que consta no livro "O Rosto Feminino na Expansão Portuguesa" faz parte do obscurecimento do rosto feminino que as deixa de fora da história, exaltando o papel masculino na época do desenvolvimento.  
Parecem se esquecer de nomes como Princesa Isabel, que libertou os filhos de escravos e aboliu a escravidão mesmo que isso a tenha levado a perder o apoio dos proprietários de escravos e, ainda, de Imperatriz Leopoldina que proclamou a Independência do Brasil assumindo o poder quando necessário. E, claro, das já devidamente citadas e lembradas Ana Pimentel, que veio para o Brasil com o apoio de jesuítas, colonos e nobres, e passou a governar a partir de 1.534, ao ano de 1.544, e Brites de Albuquerque, governadora da Capitania de Pernambuco, que durante quase 50 anos acompanhou a vida da Capitania que viu nascer, colocando Pernambuco como responsável por mais da metade das exportações brasileiras de açúcar.  



Dinamizando em terra  

Após 30 anos sem povoamento, Brasil receberia as Órfãs do Rei. Na época dos descobrimentos morreram muitos pais de família. Suas filhas, órfãs, ficaram numa situação preocupante. Considerando que não havia mulheres brancas para povoar as terras descobertas, D. João III uniu a necessidade de formar famílias no Brasil com a de ajudar essas moças a encontrar um marido. Enviou assim 13 órfãs, seguidas por algumas degredadas, que pelo Santo Ofício foram condenadas. Mulheres essas que após o sumiços dos maridos e com a constatação de suas mortes, tornavam a se casar. Com o retorno desses, eram condenadas pelo crime do segundo casamento e enviadas, como castigo, ao Brasil. 
Assim, as chamadas Órfãs do Rei tinham sua ida para a Índia custeada com o objetivo de incentivar o matrimônio delas que ganhariam um dote, enquanto quem as desposasse teria um emprego garantido no funcionalismo. Em grupos de dez, de Lisboa e Porto, vieram engaioladas nos navios para trazer à terra tupiniquim a ascendência e povoamento com sangue português.  
Em terra e em mar superaram desafios, obstáculos, preconceitos e se fizeram presentes na expansão pelos mares e terras lusitanas, formada não apenas por bravos homens, mas por reais e fortes mulheres.    

A Mãe do Brasil

Paraguaçu era uma índia tupinambá, filha do cacique Itaparica, que apaixonou-se e casou-se com Diogo Álvares Correia, um português que chegou ao povoado em 1510 após um naufrágio e que recebeu, em meio à convivência com os índios, o nome de Caramuru. A paixão imediata entre ambos gerou quatro meninas que foram consideradas as primeiras descendentes de índios com brancos, chamados mamelucos. Em outras palavras, os primeiros brasileiros.
 
As Mulheres da Torre    

Garcia d' Ávila chegou ao Brasil em 1.549 na expedição de Tomé de Souza, primeiro governador geral do Brasil. A construção do Castelo da Torre, única edificação de característica medieval das Américas, foi concluída por Francisco Garcia D'Ávila, herdeiro e neto de D'Ávila, em 1.624.    
As mulheres que ali viveram ficaram conhecidas como "As mulheres da Torre". A primeira delas foi a cabocla Francisca Rodrigues, mulher de Garcia d'Ávila, de cuja união nasceu Isabel de Ávila. Por morte de Francisca, uniu-se a Mércia Rodrigues, cristã nova, que não lhe deu filhos. Morrendo esta, voltou-se para a filha Isabel d'Ávila, casando-se, aos 19 anos, com Gil Vicente de Vasconcelos, logo depois morto pelos índios. A história mais recente é de Efigênia d'Ávila, que após um breve romance com D. Pedro II, apaixonada, entrou para um convento, onde veio a falecer, anos mais tarde, no Recôncavo Baiano.      

A Mulher que Fica    

"Tão ladrão é quem vai à horta, como quem fica à porta",  diz o dito popular, lembrando a importância de ambos os sexos na expansão. Se fora das naus elas enfrentavam e superavam bravamente desafios de sustentarem seus lares e estarem sozinhas com os filhos e sem amparo, dentro das embarcações a situação não era muito diferente. Enfrentavam, além dos problemas comuns aos homens, o assédio da tripulação quase toda masculina.    
Segundo indica o pesquisado Boxer, "para termos uma ideia da proporção entre homens e mulheres a bordo, 'um navio da Índia que levava 800 ou mais homens, transportaria 10 ou 15 mulheres; por vezes não levaria nenhuma'". Na prática, a realidade conferia um cenário aterrador de uma proporção de pouco mais de 50 homens para cada mulher a bordo. Perigo a bordo, perigo fora dele e a superação a cada dia sendo o cotidiano dessas bravas e destemidas mulheres portuguesas.      

Nas naus de Vasco da Gama    

Vasco da Gama não gostava da presença delas dentro de suas naus, pois achava que seria um inconveniente em consequência da proximidade com os homens. Elas, que eram muitas vezes chamadas de bruxas, faziam tremer de medo alguns homens, supersticiosos ou ignorantes. Ao descobrir três delas em sua embarcação, as deixou numa ilha, abandoadas e à mercê da própria sorte. Com peso na consciência após o ocorrido, lembrou-se delas em seu testamento. Isso não diminuiu, no entanto, o fato de terem sido relegadas ao próprio destino enquanto abandonadas.    
"...Entendendo quão abominável causa é embarcarem os homens consigo mulheres nas naus (...) mandou apregoar que toda a mulher que fosse achada, em qualquer nau da barra para fora, seria na Índia açoitada publicamente, a índa que fosse casada", relata o cronista Francisco de Andrade.

       Primeiras governadoras    

Quando começa a epopeia brasileira, chega ao Brasil Martim Afonso de Sousa, em 1.531. Mas em 1.533, o capitão-mor do Brasil voltou a Portugal, para depois seguir à Índia. Deixou a sua capitania de São Vicente, que deu origem ao Estado de São Paulo e Rio de Janeiro, que – segundo o historiador Jaime Cortesão –, devia ser administrada por um grupo de homens. Mas esqueceu-se de acrescentar que foi Ana Pimentel, mulher de Martim Afonso, quem dirigia o grupo. Tornou-se governadora da capitania e primeira mulher no Brasil a exercer o poder executivo.    
Brites de Albuquerque ou Dona Brites, como era conhecida, educou seus filhos na honradez e com símbolo do cumprimento do dever. Esposa dedicada de Duarte Coelho, donatário de Pernambuco e Alagoas em 1.554, e com a ausência dos filhos que estudavam em Portugal, assumiu o governo da Capitania. Antes da morte de Duarte, o ajudou a fundar a Nova Lusitânia, trabalho que lhe rendeu experiência para assumir o governo. O seu filho, Duarte Coelho de Albuquerque, obteve mercê da Sucessão na Capitania nos fins de 1.560, mas governou somente até 1.572, quando voltou a Portugal, deixando a governança à sua mãe.

    Outras Governadoras  

Isabel de Lima administrava a capitania de Santo Amaro. Essa, por morte  do donatário Pêro Lopes de Sousa, passou a governança a dois de seus filhos e, por falecimento desses, a uma irmã deles. Essa, viúva de António de Lima deixou a capitania à sua filha, Isabel de Lima, que veio a ser a 5ª donatária, como informa F.A. de Varnhagem na sua História Geral do Brasil, vol. II, p. 17 (ed. De 1.975).    
Várias mulheres receberam sesmarias para administrar. Em 1583, Brites de Carvalho, viúva de Duarte Dias de Carvalho, falecido na África, recebeu uma sesmaria nas margens do rio Real (Bahia). Leonor Soares herdou do seu marido, Simão de Gama de Andrade, uma sesmaria que este recebeu de D. João III em 1.552, nas terras no esteiro de Pirajú (S. Paulo); na sesmaria havia um rico engenho de açúcar e muita criação de gado. Administrava esta sesmaria nos anos de 1.587 a 1.591.    
As mulheres possuíam engenhos, tal como Luzia de Andrade em Pernambuco (1.597), Tibiri de Cima e Tibiri de Baixo, ajudavam na defesa do Brasil, como por exemplo Inês de Sousa, mulher de Salvador Correia de Sá, que em 1.583, na ausência do marido, organizou uma companhia de mulheres, que junto com outra companhia de jovens e velhos, que se encontravam no Rio de Janeiro, afugentaram três navios franceses, que surgiram no porto da recém-fundada cidade.    
As mulheres prestavam diferentes serviços na colônia americana: a viúva Maria Rosa de Leitão, mulher que foi de Pedro Leitão, fundou em Olinda o Recolhimento de Conceição em 1.595, para ajudar as órfãs e as mulheres necessitadas. Mulher culta, serviu de intérprete aos Padres Manuel da Nóbrega e António Pires, quando estiveram em Pernambuco.    

*in "O Rosto Feminino da Expansão Portuguesa", parte do Caderno Condição Feminina nº43, publicado pela Comissão para a Igualdade e para os Direitos das Mulheres.

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