Faz hoje 14 anos que morreu Darcy Ribeiro
Darcy Ribeiro: um brasileiro no exílio. E um exilado no Brasil.
por Luiz SujimotoDarcy Ribeiro, um dos intelectuais mais carismáticos que o Brasil conheceu, é bastante citado na literatura como referência para o estudo de temas específicos como o indigenismo brasileiro da década de 1950, a política nos 60, a situação dos exilados políticos e o período da abertura. Mas, mesmo que várias pessoas tenham escrito sobre o antropólogo e seu trabalho – inclusive ele próprio, em textos autobiográficos –, ninguém havia ainda se preocupado em investigar com profundidade a sua trajetória, articulando discurso, prática e obra.
“Há pouquíssima informação, por exemplo, sobre o período que Darcy Ribeiro passou fora do país, quando muito do seu pensamento e mesmo da sua personalidade é fruto de seu exílio político”, afirma André Luís Lopes Borges de Mattos, autor de “Darcy Ribeiro: uma trajetória (1944-1982)”, tese de doutorado orientada pelo professor Guilhermo Raul Ruben e apresentada no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp.
O resultado do trabalho acabou superando as próprias expectativas do autor em relação ao personagem. “Procurando por um Darcy, encontrei outro, ou vários outros. Não só o político, o intelectual iracundo, o defensor incansável da causa indígena, o crítico tenaz, mas também o jovem estudante de etnologia, inseguro diante das portas que se abriam e de suas próprias capacidades”, escreve na conclusão da tese.
Na opinião de André Mattos, Darcy desenvolveu uma enorme propensão a falar de si próprio, particularmente após o exílio vivido entre as décadas de 60 e 70. “Talvez para ser melhor compreendido”, supõe. Confissões (1997), sua obra autobiográfica de maior importância, é um bom exemplo de como Darcy consolidou sua trajetória em palavras, construindo o personagem que se tornou conhecido pelo grande público.
“Procurei não comprar este peixe. Como em toda narrativa, nós contamos algumas coisas, esquecemos outras, encadeamos os fatos como queremos e como lembramos. Por isso, busquei construir minha própria narrativa, que não necessariamente coincide com a de Darcy Ribeiro”, diz Mattos.
Para tanto, o autor recorreu principalmente aos dados do acervo pessoal do antropólogo – documentos, correspondências, anotações – que se encontra na Fundação Darcy Ribeiro (Fundar), no Rio de Janeiro. “A partir destes documentos, surgiu o ‘meu’ personagem, que pode não ser o verdadeiro, embora eu tenha buscado chegar o mais próximo possível do indivíduo que ele foi”.
O jovem inseguro – Em 1944, André Mattos encontrou um jovem e inseguro Darcy Ribeiro, ainda sem perspectivas concretas na vida profissional. Natural de Montes Claros, ele chegava a São Paulo para estudar na Escola Livre de Sociologia e Política, após desistir do curso de medicina em Belo Horizonte. “Tendo recebido uma bolsa do sociólogo norte-americano Donald Pierson, Darcy foi ver no que dava o curso e acabou cumprindo os três anos para o bacharelado em ciências políticas e sociais”.
Em 1947, Darcy Ribeiro é contratado pelo Serviço de Proteção aos Índios (SPI), órgão indigenista criado no início do século por Cândido Rondon. O marechal seria uma das principais figuras a inspirar Darcy no trabalho de assistência às populações indígenas. Ele realizou no SPI suas primeiras pesquisas etnológicas, a maior parte delas em períodos prolongados junto aos índios.
Nos dez anos visitando os povos do Pantanal, do Brasil Central e da Amazônia, o antropólogo escreveu pelo menos um trabalho importante, Religião e Mitologia Kadiwéu (1950), livro com o qual ganhou o importante prêmio Fábio Prado e, com ele, certa notoriedade. “Mas é preciso destacar a parceria fundamental da esposa, a antropóloga Berta Gleiser Ribeiro, que o acompanhava em viagens e pesquisas de campo, além de aparecer como co-autora em várias obras”.
André Mattos ressalta ainda o forte engajamento do intelectual na luta em defesa das causas indígenas, participando de projetos importantíssimos como da criação do Museu do Índio e do Parque Indígena do Xingu. “Ele gostava de dizer que não via os índios como simples objetos de pesquisa, mas como seres humanos que passavam por dificuldades, sobretudo em decorrência do contato com a ‘sociedade nacional’, que levava doenças e a desarticulação da vida social daqueles grupos”.
O Museu do Índio, por exemplo, surgiu como uma proposta de tornar as sociedades indígenas respeitadas em suas diferenças. Outra proposta era a formação de etnólogos. “Dentro do Museu, Darcy criou um curso de aperfeiçoamento em antropologia cultural, que contribuiu decisivamente para o avanço do ensino das ciências sociais”.
Mudança de rota – Em 1957, Darcy Ribeiro desligou-se do SPI para dar início a uma nova fase da sua trajetória, aliando-se ao educador Anísio Teixeira no Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE). “É atuando intensamente nas questões da educação que Darcy se projeta nacionalmente. Principalmente nos debates públicos em torno da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, então em discussão, em que Darcy se posicionava contrário às propostas do deputado Carlos Lacerda”.
A criação da Universidade de Brasília, em 1961, que mobilizou cientistas e intelectuais importantes, também ocorreu sob a liderança de Darcy Ribeiro. Foi ele seu primeiro reitor. Mattos lembra que a seguir, na ditadura, a UnB seria “avassalada” – no termo do antropólogo – com a intervenção militar e o desligamento de quase 200 professores. “Por isto, Darcy passou a incluí-la entre seus projetos ‘fracassados’”.
De qualquer forma, a atuação na área de projetos educacionais acabou contribuindo para levar Darcy Ribeiro ao primeiro escalão do governo, inicialmente como ministro da Educação de João Goulart. “Mas logo ele iniciaria sua fase política no sentido mais estrito, ao assumir a Casa Civil, tornando-se um dos grandes ideólogos do governo de Jango. Até que veio o golpe militar, que o obrigou a se exilar”.
Ativista – Por cinco anos, Darcy Ribeiro atuou como professor e pesquisador contratado da Universidade da República do Uruguai. “De certa forma, ele retomou as atividades anteriores, mas não deixou de atuar politicamente”. Em 1969, faria seu primeiro retorno ao Brasil, graças a um hábeas corpus permitindo que respondesse em liberdade às acusações que sofria.
No entanto, com o AI-5, teve seus direitos suspensos e acabou conduzido à prisão por nove meses. Absolvido pelo Tribunal Militar, deixou novamente o país, agora se exilando na Venezuela. “Depois, no Chile e no Peru, entre outras atividades, Darcy assessorou diretamente o presidente Salvador Allende – de quem se tornou grande admirador – e o nacionalista Juan Velasco Alvarado”.
Esta fase no exílio, segundo o autor da tese, é a menos conhecida da trajetória de Darcy Ribeiro, embora tenha contribuído significativamente para moldar o seu pensamento. “Há poucos estudos, sendo o da professora Haydée Ribeiro Coelho (Universidade Federal de Minas Gerais) um dos mais importantes, ainda assim na perspectiva da teoria literária, já que foi no exílio que Darcy escreveu a maior parte dos seus romances”.
O paradoxo, na visão de André Mattos, é que neste período o antropólogo escreveu cinco dos seis livros da sua obra de maior repercussão: Estudos de Antropologia da Civilização, traduzida em diversas línguas. “Escrever me parece uma experiência comum aos exilados. Darcy nunca abandonou a sua utopia. Como não podia se manifestar publicamente, escreveu. São livros altamente politizados, explícitos na tentativa de levar as pessoas a mudar a forma de pensar e a transformar o mundo”.
Retorno conflituoso – Ainda no Peru, Darcy Ribeiro teve diagnosticado um câncer e voltou ao Brasil para retirada de um dos pulmões. Curado, conseguiu um visto de entrada periódica para avaliações médicas. Viria definitivamente em 1976, ainda sem gozar plenamente de seus direitos políticos, que recuperaria somente três anos depois com a anistia. “No retorno, já podemos ver um Darcy muito mais conflituoso, principalmente com os colegas antropólogos e cientistas sociais”, lembra André Mattos.
Buscando analisar sociologicamente este comportamento, o autor da tese enxerga um confronto entre dois mundos de idéias: “Enquanto Darcy viveu a experiência intensa do exílio, aqui a intelectualidade passou por outro processo de crescimento: nem pior, nem melhor, apenas diferente. Mas ele não aceitava o fato de que, justamente no período de maior perseguição política, a antropologia tivesse dado um grande salto qualitativo, com a criação dos cursos de pós-graduação e sua conseqüente especialização acadêmica”.
A crítica de Darcy Ribeiro era de que a antropologia tinha rompido seu compromisso com os povos que estudava, em especial com os indígenas. Endurecia o verbo, acusando os antropólogos, por exemplo, de terem se tornado “cavalos de santo” – aqueles que nos cultos afros são tomados por entidades que vêm falar por meio deles. “No caso, os antropólogos eram tomados por entidades do ‘primeiro mundo’, limitando-se a repetir em suas teses o que falavam os grandes intelectuais lá de fora”.
Para André Mattos, resultou deste embate a imagem mais conhecida de Darcy Ribeiro: aquele que se voltou contra a academia e, em contrapartida, passou a ser rejeitado por ela. “Ele encarnou um personagem típico dos anos 60: o intelectual revolucionário. Morreu [em fevereiro de 1997] acreditando que o Brasil podia mesmo dar certo, desde que se voltasse para um projeto autônomo de crescimento. Levou para o exílio um Brasil e voltou acreditando que encontraria o mesmo país. No mínimo, é uma experiência sobre a qual devemos refletir”.
Mattos especula se a decepção com a academia não influiu para que Darcy Ribeiro fosse perseguir seus ideais definitivamente na esfera da política, que de fato nunca abandonou. “Eu faço um corte na pesquisa em 1982, quando ele é eleito vice-governador do Rio de Janeiro, com Leonel Brizola. É uma outra fase da sua trajetória, que até pela complexidade decidi não abordar”.
* publicado no Jornal da UniCamp
Edição nº354 - 9 a 15 de Abril de 2007
Darcy entre os índios Bororó. Foto: Sylvia Caiuby Novaes, 1977
Há 14 anos faleceu em Brasília, vítima de um câncer, o antropólogo Darcy Ribeiro. Ele revolucionou a educação no Rio de Janeiro quando foi vice-governador. Darcy planejou, criou e dirigiu a implantação dos Centros Integrados de Ensino Público (CIEP).
O CIEP era um projeto visionário que elevou a educação para uma qualidade ímpar ao governo de Leonel Brizola. Nos CIEP´s a criança tinha educação em tempo integral, com muitas atividades recreativas e culturais.
Anos antes de morrer, o antropólogo Darcy Ribeiro escreveu O Povo Brasileiro, um clássico da antropologia brasileira, o qual faz uma reconstituição minuciosamente da formação do Brasil e do povo brasileiro, desde a chegada dos portugueses, africanos.
Fundador da Universidade de Brasília, Darcy Ribeiro também foi ministro da Educação do presidente João Goulart, vice-governador do Rio de Janeiro – 1983 a 1987 – e exerceu o mandato de senador pelo Rio de Janeiro, de 1991 até 1997, quando faleceu.
"Creio haver provado que só há uma solução para os problemas brasileiros da educação. Uma única. Exclusivamente uma: levar a educação a sério. É enfrentar a tarefa de criar, aqui e agora, para todas as crianças, a escola primária, universal e gratuita que o mundo criou."
– Darcy Ribeiro
Darcy Ribeiro, o fotógrafo
Caixa Cultural do Rio de Janeiro expõe fotografias inéditas do antropólogo
"Em suas imagens, a impressão que temos é que Darcy se deu ao luxo de agir como um flâneur, como se fora um turista acidental a cultivar relações e recolher lembranças". Assim o fotógrafo e antropólogo Milton Guran define O Olhar Precioso de Darcy Ribeiro, exposição que será inaugurada nesta segunda-feira (22), às 19 horas, na Caixa Cultural do Rio de Janeiro.
Guran é curador da mostra que revela uma faceta desconhecida de Darcy Ribeiro. São 50 fotografias inéditas produzidas por Ribeiro em diversos trabalhos de campo, como os índios Kadiwéu, Urubu-K'apor e Ofayé-Xavante. Um olhar interessante de um homem múltiplo, antropólogo, educador, romancista, ensaísta, político e, por que não, fotógrafo.
O acervo faz parte do arquivo do Serviço de Proteção aos Índios, que, em 2008, passou a fazer parte do Registro Nacional do Programa Memória do Mundo da UNESCO. As imagens, todas em preto e branco e com diferentes formatos, foram impressas em processo digital a partir dos negativos e selecionadas em grupo. São fotografias do cotidiano das aldeias, de tatuagens faciais, de rituais, entre outras cenas dos índios.
Para Milton Guran, é natural que Darcy Ribeiro tenha imprimido um olhar de antropólogo nas fotografias. "Entretanto, não se limitou ao registro fiel e objetivo daquilo que ele via, buscou também a possibilidade do reconhecimento visual da sua vivência entre aqueles povos, impregnando suas imagens com a emoção dos primeiros contatos", diz o curador da exposição.
Além das fotos, o clássico filme Um dia de uma tribo na floresta tropical, de Hans Foerthmann, que foi recentemente restaurado e digitalizado, completa a exposição. O longa-metragem conta a história dos índios Urubu-Ka´apor, estudados por Darcy Ribeiro. O Olhar Precioso de Darcy Ribeiro é resultado de uma parceria entre o Ministério da Cultura e a Sociedade de Amigos do Museu do Índio (SAMI). A instituição celebra 100 anos do Serviço de Proteção aos Índios, onde trabalhou Darcy Ribeiro.
O OLHAR PRECIOSO DE DARCY RIBEIRO
Quando: de 22 novembro a 30 de dezembro
Terça-feira a sábado, das 10h às 22h.
Domingos, das 10h às 21h.
Onde: Caixa Cultural / Rio de Janeiro
Avenida Almirante Barroso, 25 - sobreloja - Centro (Metrô: Estação Carioca)
Site: www.caixacultural.com.br
Uma colectânea de materiais sobre Darcy Ribeiro
Debate na Rádio do Jornal do Brasil - Na foto Darcy Ribeiro e Moreira Franco. 1986. (CPDOC)
A TRAJETÓRIA DE DARCY RIBEIRO por Alexandre Figueiredo As gerações recentes não conhecem os grandes homens que fizeram alguma coisa pelo país. A memória curta, motivo de anedota durante a ditadura militar, no entanto é moeda de aposta da grande mídia, que, aparentemente em nome do "novo", menospreza as lições do passado. Desde a década de 90, marcada pelo entretenimento obsessivo, pelo pragmatismo do presente e pelo desprezo aos grandes ideais de transformação, tidos erroneamente como falidos, o culto à "memória curta", que tem a vantagem, para as elites, de resgatar personalidades duvidosas através da ocultação de seus erros, chega a ser defendido por setores reacionários da juventude. Exemplos de personalidades desprezadas pelo grande público são muitos. Apenas poucos iluminados conseguem admirá-los e seguir ou mesmo discutir e questionar seus legados, no saudável debate pelo aperfeiçoamento das idéias. Um deles é o antropólogo, etnólogo, educador e senador Darcy Ribeiro, que as gerações mais recentes se lembram mais na função de colaborador do então governador fluminense Leonel Brizola (1922-2004), nos anos 80, através da elaboração dos Centros Integrados de Educação Popular, os CIEPs. Darcy, no entanto, foi uma das grandes personalidades de nosso país, e já se foram dez anos de sua morte, ocorrida em 17 de fevereiro de 1997, numa época próxima aos falecimentos do cantor Chico Science e do jornalista e escritor Paulo Francis (que era conservador, mas era dotado de inegável inteligência e talento de escrever). Três personalidades diferentes - sendo Science o mais jovem deles - , mas cada um com sua grandeza, virtude inexistente em épocas de entretenimento compulsivo, onde qualquer Paris Hilton se torna "inteligente" por coisa nenhuma e vira mito "inquestionável" para muita gente. Darcy Ribeiro era mineiro de Montes Claros, e nasceu em 26 de outubro de 1922. Na juventude, já vivendo em São Paulo, foi diplomado cientista social pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em 1946. Sua especialização foi em Antropologia. Logo a seguir, em 1947, realizou suas primeiras pesquisas etnólogas. Trabalhando para o Serviço de Proteção aos Índios, entidade criada em 1910 pelo Governo Federal e substituída em 1967 pela atual Fundação Nacional do Índio (FUNAI), Darcy realizou pesquisas sobre os povos indígenas no Centro-Oeste, no Amazonas e nos Estados de Paraná e Santa Catarina. Essa fase se concluiu em 1956. Em 1953, Darcy Ribeiro criou o Museu do Índio, no Rio de Janeiro. Além disso, escreveu vários livros resultantes das pesquisas etnográficas sobre os povos indígenas, e também elaborou um trabalho para a UNESCO sobre o impacto provocado pela civilização aos grupos indígenas brasileiros no século XX. Colaborou também para a Organização Internacional do Trabalho, participando da elaboração de um manual sobre os povos aborígenes de todo o mundo. Em 1961, quando desempenhava também o cargo de Ministro da Educação do governo Jânio Quadros, Darcy Ribeiro participou da criação do Parque Indígena do Xingu, com 27 mil km² e localizado no norte de Mato Grosso, entre o Planalto Central e a Amazônia. Atualmente, o Parque conta com cerca de 5.500 índios de catorze etnias ligadas às grandes famílias lingüísticas indígenas do país: Carib, Aruak, Tupi e Jê. Darcy Ribeiro foi, ao lado de outro educador, Anísio Teixeira, um dos maiores idealizadores da Universidade de Brasília, concebida por uma equipe de professores e intelectuais. Projeto idealizado em 1959, quase não foi levado adiante devido à ameaça de setores conservadores da Igreja Católica de implantarem primeiro uma Universidade Católica. Enfrentando forte oposição, a Universidade de Brasília foi fundada em 21 de abril de 1962, exatamente dois anos após a cidade que a abriga, implantando um programa e uma estrutura de ensino inovadores, que buscavam romper com a tradição viciada do academicismo, mais voltada a uma imitação em tons narcisistas e "façanhudos" dos clichês acadêmicos europeus do passado. Tornou-se o primeiro reitor da instituição. Uma amostra do caráter transformador da UnB é a preocupação em adaptar a vocação potencial do aluno, que deixaria de escolher previamente uma faculdade para um curso predeterminado. Ao invés disso, faria um curso básico nos Institutos Centrais, durante dois anos, experimentando suas aptidões nos Centros de Prática correspondentes à profissão escolhida. Depois dos estudos introdutórios e básicos, o aluno optaria por vários caminhos, entre eles o de orientar-se para a Faculdade referente à sua profissão, ou permanecer no Instituto Central para aperfeiçoar o aprendizado e conquistar o Bacharelado, ou o próprio aluno encaminhar um plano pessoal de estudos que lhe proporcionasse uma formação curricular de novo tipo, com um novo aprendizado interdisciplinar. No governo João Goulart, Darcy Ribeiro desempenhou a função de chefe da Casa Civil. Através do cargo, Darcy Ribeiro contribuía com suas idéias para o projeto de reformas estruturais prometido pelo presidente. As reformas de base, numa interpretação exagerada da direita política brasileira, sobretudo através do jornalista e, na época, governador da Guanabara, Carlos Lacerda, foram vistas como uma sinalização para a implantação do comunismo no Brasil, nos moldes adotados por Cuba, que se declarou adepta do regime de Moscou em abril de 1961. Essa exploração negativa das reformas de base de Jango - que, na verdade, se equiparavam, no contexto da época, ao programa de governo de Luís Inácio Lula da Silva 40 anos depois - resultou no golpe militar de 1964. O golpe, que instaurou uma ditadura de duas décadas, comprometeu seriamente o programa da Universidade de Brasília, tanto pela repressão do regime quanto pela demissão de seus profissionais e idealizadores, forçados a viverem no exterior. Darcy estava incluído entre eles. Estava com os direitos políticos cassados pelo primeiro Ato Institucional lançado pelos generais. Vivendo em vários países latino-americanos, Darcy Ribeiro colabora na elaboração de projetos de reforma universitária, com base nas idéias defendidas em seu livro A Universidade Necessária e na experiência da Universidade de Brasília. Torna-se professor de Antropologia na Universidade Oriental, no Uruguai. Também atua como assessor dos presidentes Salvador Allende, no Chile, e Velasco Alvarado, no Peru. No exílio, produziu uma série de livros intitulada Antropologia da Civilização, cujos volumes se chamavam O processo civilizatório, As Américas e a civilização, O dilema da América Latina, Os brasileiros - 1. Teoria do Brasil e Os índios e a civilização. Em 1976, voltando ao Brasil, publica seu primeiro romance, Maíra. Em sua vida, o antropólogo publicou mais outros três romances. Anistiado em 1980, Darcy dá seqüência ao seu trabalho como educador e pesquisador no Brasil. Filia-se ao Partido Democrático Trabalhista, fundado no ano anterior por Leonel Brizola depois de perder o comando do Partido Trabalhista Brasileiro para a filha de Getúlio Vargas, Ivete. Compõe com Brizola a chapa para o governo do Rio de Janeiro, em 1982, vencendo as eleições. Ao cargo de vice-governador, Darcy acumula as funções de Secretário da Cultura e coordenador do Programa Especial de Educação. Idealiza os Centros Integrados de Educação Popular, CIEP's, planejando um novo tipo de edifício escolar e um programa de educação fundamental para crianças carentes. Infelizmente, a burocracia e as pressões políticas da oposição - estávamos no fim da ditadura militar, mas a direita política queria de alguma forma encampar o poder na redemocratização - impediram o êxito completo dos CIEP's. Num acordo político entre Brizola e o então presidente Fernando Collor, foram introduzidos os Centros Integrados de Apoio à Criança (CIAC), de concepção semelhante ao CIEP. Em 1990, foi eleito senador pelo Rio de Janeiro, defendendo, como parlamentar, vários projetos de lei, entre eles uma lei de trânsito protegendo os pedestres, uma lei sobre transplantes permitindo o uso de órgãos de pessoas falecidas e uma lei para prevenir as crianças de consumirem a cola de sapateiro, droga considerada de alto risco contra a vida. Nos anos 90, Darcy ainda realizou outros projetos. Implantou e consolidou a Universidade Estadual do Norte Fluminense, visando preparar o ensino superior brasileiro para o Terceiro Milênio. Ainda contribuiu na revitalização da Floresta da Pedra Branca, no Rio de Janeiro, uma área ambiental de 12.000 hectares. Também atuou pelo tombamento de 98 km de praias e encostas no país, além de mil casas em áreas de patrimônio histórico do Rio de Janeiro. Em 08 de outubro de 1992, Darcy Ribeiro foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira n° 11 da instituição, cujo patrono foi o poeta fluminense Fagundes Varela e cujo ocupante anterior foi Deolindo Couto. Recebeu vários títulos de Doutor Honoris Causa da Sorbonne, da Universidade de Copenhague, da Universidade do Uruguai, da Universidade da Venezuela e da Universidade de Brasília (1995). Não é coisa recente: em 1950, recebeu o Prêmio Fábio Prado, de São Paulo, pelo seu trabalho como antropólogo. Em 1996, no final da vida, o antropólogo recebeu, da Organização dos Estados Americanos, o Prêmio Interamericano de Educação Andrés Bello, pelo conjunto de sua obra. Nos últimos anos de vida, recebe homenagens, faz palestras para estudantes e publica suas últimas obras. Entre elas, O povo brasileiro, obra que conclui sua série sobre Antropologia da Civilização. No ano de 1996, entrega à editora Companhia das Letras as páginas originais do livro Diários Íntimos, compostas de anotações sobre sua experiência ao lado dos índios Urubu-Kaapor, na Amazônia. Uma de suas últimas atividades foi a defesa, no Senado, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), aprovada em 1996. Vítima de câncer, Darcy Ribeiro morre em 17 de fevereiro de 1997, com cerca de cinqüenta anos de atividade intelectual e política. FONTES: ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS (Consultada em 19.02.2007). RAMALHO, Priscila. "Darcy Ribeiro". In: NOVA ESCOLA ON-LINE, n. 161. São Paulo, Abril, 2003. (Consultada na Internet em 19.02.2007). RIBEIRO, Darcy. "UnB: Invenção e Descaminho". Rio de Janeiro: Avenir, 1978. WIKIPEDIA, A Enciclopédia Livre, 2007. (Consultada em 23.02.2007). | |||||||
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ABA - ENTREVISTA
ANTROPOLOGIA DA CIVILIZAÇÃO
Entrevista de DARCY RIBEIRO a Luís Donisete B. Grupioni (USP) e Denise Fajardo Grupioni (USPO senhor é um homem com muitas facetas: foi antropólogo, educador, romancista, político. Que tal comerçarmos esta conversa falando sobre esses vários papéis que o sr. vem desempenhando em sua vida e tendo como ponto de partida a criação do Museu do Índio, que sediou o primeiro curso de especialização em antropologia no Brasil?
Olha, uma das decisões importantes, sábias, da minha vida, foi a de me dedicar à etnologia indígena. E eu devo isto ao ambiente da academia de São Paulo, da Escola de Sociologia e Política, dos anos da guerra até 1946. Estavam em São Paulo gente como Radcliffe-Brown, Emílio Willems e Herbert Baldus, sobretudo, que formou a mim e a Florestan. Havia, assim, em São Paulo, um ambiente que conseguiu fazer esta coisa incrível: levar um rapazinho que veio de Minas Gerais, filho de gente que criava gado, que o normal para eles seria colocar um chapéu de couro e criar gado, a aceitar, como ideal científico da vida dele, ir estudar a natureza humana lendo a natureza humana nas populações indígenas. É quase inverossímel. Mas eu podia ser muita coisa. Diziam sempre que eu era brightman, que eu podia ser qualquer coisa. A opção pelos índios parecia uma opção incrível, entretanto foi não só vitalmente das mais belas, me deu os anos mais belos da minha vida, como foi também intelectualmente, cientificamente, muito importante.
Essas possibilidades me foram dadas por Rondon. Eu fui contratado, nem havia nome para o meu contrato, porque etnólogo não havia, nem sociológo, nem nada disso, nem antropólogo. Me contrataram como naturalista, que era uma expressão genérica que se usava para sábios alemães que caçavam borboletas ou orquídeas. Começei a trabalhar na seção de estudos do Conselho de Proteção aos Índios e do Serviço de Proteção aos Índios. Aí, depois de anos de pesquisa de campo, já na década de 50, eu me propus a converter o que era uma seção de estudos, que fazia documentação cinematográfica, em um Museu do Índio. Esse museu teve uma grande repercussão internacional, porque pela primeira vez se fazia um museu especificamente voltado contra o preconceito: ele era feito para mudar a idéia que as pessoas tinham dos índios. Havia uma escadaria muito ampla, que se subia, e se era obrigado, ao subir as escadas, a olhar uma parede que havia dentro. E eu enchi a parede de fotografias grandes, belas, de índios sorrindo, índios beijando crianças. Então, o visitante tinha um primeiro susto ao entrar: que o índio era bonito, que o índio era terno, que o índio era afetuoso, que era o contrário da idéia que ele tinha de índio. Depois passava por vitrines mostrando arte plumária. Havia, também, um arranjo muito bonito em que eu mostrava que nós não domesticamos nenhuma planta e que os índios domesticaram mais de quarenta plantas que eles usam em sua roças; e mostrava a dificuldade para fazer uma roça com machado de pedra, que não corta, que esmaga. Então, aquilo impressionava muito as pessoas. Havia muito mais coisas no Museu. O bom é que terminava com um filme de 40 minutos que eu tinha feito sobre um dia de vida de uma tribo da floresta tropical: era sobre os índios Kaapor, com quem eu trabalhei muito tempo. E isso tinha um efeito muito grande. Eu podia ver este efeito porque uma das coisas que nós fazíamos era tomar crianças de 11 anos na escola e pedir que escrevessem um exercício:"o índio, o que é o índio?". E depois de visitar o Museu, repetia o exercício: "o que é o índio?". Então, nessa segunda etapa, mudava completamente a visão, e eu podia ver como as crianças estavam percebendo aquele Museu.
O Museu tinha, entretanto, mais ambições. Em certo momento eu organizei ali o primeiro curso de formação de antropólogos, o primeiro curso de pós-graduação em antropologia. E formei ali muita gente. Ou seja, era um programa de um ano de estudos no Museu e o principal professor era eu, mas outras pessoas foram chamadas também para dar cursos ali: Eduardo Galvão e outros como Oracy Nogueira. E o aluno, depois de um ano conosco no Museu, fazia um ano de pesquisa de campo. Era uma coisa bem organizada e esse curso foi apoiado pelo Ministério de Educação e pode se manter durante algum tempo. Mas é essa a época em que eu entro em conflito com o Serviço de Proteção aos Índios, porque foi a época em que a minha mentalidade mudou. De repente, para mim, não era mais importante o que eu fazia até então: colecionamentos indígenas como se fossem fósseis do espírito ou estudar arte indígena, sem atenção para a vida do índio, pelo o destino do índio. Então, passei a me interessar cada vez mais pelo destino da população indígena, e a tomar como uma temática da antropologia, o destino do índio e o problema do índio. E isso me levou a um conflito cada vez maior com o Serviço de Proteção aos Índios. E eu acabei saindo de lá, porque o conflito era aberto. Eu queria que o Serviço não tivesse a atitude burocrática que tinha e tivesse uma compreensão mais profunda. Mas era uma guerra também contra os antropólogos que queriam ler no índio a natureza humana como eu queria, como eu fiz também. Foi uma crise que eu tive no meu espírito e também tive com o mundo quando eu mudei de atitude.
Resulta aí, que me aproximo do Anísio Teixeira que era um grande educador, um homem que orientava o Ministério da Educação, como educador. Nós tínhamos muita antipatia um pelo outro e tínhamos muitos amigos comuns também. Anísio sempre dizia que eu era uma pessoa meio louca, que sendo muito competente como é que eu me dedicava a 0,002% da população brasileira, no lugar de me dedicar a toda a população brasileira. Era uma espécia de brincadeira que ele fazia, mas o certo é que eu passei a trabalhar com ele e rapidamente passei a ser o vice-diretor de um grande instituto de estudos educacionais, e levei o curso para lá, para o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, que passei a dirigir no plano científico. Eu levei aquele curso de aperfeiçoamento em antropologia e em ciências sociais e funcionou muitos anos ali. Esse curso é que depois passou para o Museu Nacional, com Roberto Cardoso, e que continuou funcionando e funciona até hoje. Mas eu me lembro de que naquele período, de transição, houve uma transição também nos meus interesses. Aproximando-me da educação, com Anísio, eu passei a me interessar por edução primária, a fazer um programa de pesquisas, o maior que o Brasil teve, um programa de trinta e tantas pesquisas antropológicas e sociológicas em que eu tentava entender culturalmente e socialmente o Brasil, para termos um discurso melhor sobre a educação no Brasil, para saber como educar, como fazer o Brasil entrar na civilização letrada. Foi um programa de pesquisa muito ambicioso em que eu chamei os principais cientistas sociais brasileiros para cooperar neste programa, estudando temas diferentes. Eram estudos tanto do Brasil provinciano, quanto do Brasil urbano. Eu, inclusive, fiz 14 pesquisas em cidades representativas de áreas brasileiras em que estudava a cidade e o seu contexto rural. Essas pesquisas tiveram muito êxito e foram publicados 14 livros. Logo veio a ditadura. Nessa época eu já estava com a vida alterada, porque tinha sido chamado a ser Ministro da Educação. Depois fui ser chefe da casa civil, que é o segundo cargo do governo no Brasil: é como ser primeiro ministro. Eu dirigia a campanha pelas reformas de base, principalmente a reforma agrária, a reforma urbana, a reforma contra o capital estrangeiro, e foi uma luta muito grande em função da qual fui parar no exílio.
Agora vou a outro capítulo. Quando a gente fica velho tem que falar um pouco de si mesmo, para os jovens saberem. E assim de improviso, você se lembra de algumas coisas e se esquece de outras. É bom, porque é uma seleção. Bom, derrubado o governo, eu me vi no exílio. Nos primeiros meses no exílio eu estava num desespero tal que o que eu fiz com o Brizola e com o grupo dele foi imaginar alguma forma de retomar o poder, mas isso me ocupava pouco tempo: enquanto ocupavam as 24 horas do dia pensando em fazer alguma guerra, eu lia ciência e ficção. Eu li tudo o que pude pegar sobre ciência e ficção, li uma centena de livros, que era um modo de fugir da realidade que estava ali. Então aquilo é que alimentava o meu espírito.
Mas depois de alguns meses, uns três meses, eu caí em mim. Na primeira semana eu já fui contratado pela universidade como professor de antropologia e depois comecei a fazer um programa de reforma universitária. Aí eu voltei a manter uma vida intelectual mais intensa porque eu me propus um velho problema da minha vida: Por que o Brasil ainda não deu certo? Por que outra vez a direita nos derruba? Por que não fomos capazes de defender as reformas que estavam quase alcançadas? Por exemplo, a reforma principal, que era dar um pedacinho de terra a dez milhões de famílias brasileiras? Era uma coisa factível nesse país imenso com essa quantidade enorme de terras. E quem dirigia isso era o Presidente, que era, ele mesmo, um latifundiário, mas compreedendo que, se milhões de famílias tivessem terra para plantar o que comem, para se manter ali, seria uma forma de fixá-las no campo e de que seus filhos tivessem educação. Eu me pergunto: Por que fracassamos? E escrevi então um livro sobre o Brasil. Um livro de quatrocentas páginas. Em um ano eu escrevi esse livro que seria a síntese daquelas pesquisas que eu tinha feito, das quais havia 14 livros escritos e muitos manuscritos também. Mas depois, ainda que fosse síntese de estudos originais, ao fim do livro, quando terminei, verifiquei que o livro não dizia nada de novo. Dizia o que estava em outros livros também, porque não havia uma teoria sobre o Brasil. O Brasil, de fato, era inexplicável, porque as teorias existentes não explicavam o Brasil. E eu vi que era necessário fazer uma teoria. Então eu joguei de lado aquele meu livro, para fazer uma teoria explicativa sobre o Brasil, que me permitisse escrever um livro mais compreensivo.
Nessa época há uma crise no pensamento filosófico mundial, e particularmente no marxismo. São publicados os borradores do Marx, que é o Marx maduro, texto de 1845, e é incrível que a teoria implícita sobre a formação da sociedade ou da capitalismo era muito melhor que a do Engels, que tinha se inspirado no livro de Lewis Morgan: "A Origem da Família da Propriedade Privada e do Estado", que é uma má etnografia, mas era um esforço de compreensão das sociedades como coisas explicáveis e como capazes de evolução. Engels se encantou com o livro do Morgan, e o Marx preferiu calar as teorias dele. Mas, quase um século depois, as teorias do Marx são publicadas e, de repente, o marxismo tinha duas teorias sobre a origem das sociedades, e quem tem duas não tem nenhuma. E a discussão estava reaberta. Isso teve um grande efeito sobre mim que procurava uma teoria explicativa. Um antropólogo norte-americano pode ficar contente com a explicação do passado dele na Europa. Ele esteve na Europa romana e foi romanizado ou quase romanizado. Um francês também pode entender as coisas assim, porque o seu passado é um passado primitivo, depois escravista, depois feudal. Aquele era o passado dele, mas não era o nosso passado! Não era uma teoria aceitável, e as teorias do Marx sobre a sucessão das sociedades eram muito mais inteligentes e muito melhores do que a que havia. E eu fiquei encantado com as novas teorias do Marx porque é como se eu tivesse levantado a pedra tumular e dito outra coisa do que se dizia dele, por exemplo, sua compreensão de que houve uma formação anterior ao escravismo e à sociedade arcaica que era a formação de grandes estados como o Egito, a Mesopotâmia, o México, o o Estado incaico. Era a compreensão de um tipo de sociedade não escravista, mas capaz de se organizar em bases diferentes, em geral, sociedades hidráulicas, sociedades que faziam utilização de águas e de irrigação e que permitiam grande produção agrícola e portanto um excedente para fazer grandes obras. Isso não aparece nem em Engels nem em Morgan. Para Marx, havia outra sociedade anterior a escravista: os judeus nunca foram escravos do Egito, senão nunca teriam saído de lá. Eles saíram porque eram vassalos, estavam lá ligados a tarefas e depois de cumprirem essas tarefas foram despedidos. Isso é totalmente diferente da escravidão pessoal, que há na Grécia, depois em Roma, em que se escraviza a pessoa individualmente, a destribaliza, a desagarra de seu povo, e faz dela um objeto que tende a ser totalmente transformado. E que dá um tipo de sociedade diferente, em que a forma da família muda porque a propriedade é individual, é familiar. Então isso tudo era muito mais claro nos textos de Marx.
E eu, como o mundo inteiro, ficamos encantados com isso. Tentei, então, fazer alguma coisa que nos tornasse explicáveis. É evidente que mesmo as teorias do Marx eram inexplicáveis para a Península Ibérica, como eram inexplicáveis também para a situação árabe, porque estas não eram sociedades feudais, não eram capitalistas, não eram socialistas. Haviam mais formações do que se considerava, e no caso específico da Península Ibérica, Marx nunca entendeu como é que Portugal e Espanha são capazes de, num certo momento, se expandir e criar um mundo só, fazendo do universo inteiro um só mercado, fazer essa expansão extraordinária.
Essa expansão podia ser obra do feudalismo? Jamais. O feudalismo é uma sociedade talhada pela autoridadezinha local que só se interessa pelo castelo, pelas imediações do castelo. O capitalismo só surgiria quase um século depois, na Inglaterra e na Holanda. Então, havia uma formação ali que não era capitulável nas coisas que existiam e que eu queria compreender, que seria algo parecido com a civilização árabe. Então, eu escrevi o meu livro, "O Processo Civilizatório" que é uma tentativa de compreender dez mil anos da história humana, genericamente, de forma tal que não só a Península Ibérica, não só o mundo árabe, mas nós mesmos também pudéssemos ser compreensíveis.
Era mais legítimo que um brasileiro fizesse isso, ou um latinoamericano, que qualquer outro, porque nós tínhamos conhecido sociedades tribais arcaicas, sociedades coloniais, nós tínhamos vivido tipos de sociedade diferentes. Nós tínhamos uma massa de informação maior do que qualquer teórico europeu ou qualquer filósofo de outro lugar. E então, realmente, eu aceitei a ousadia de escrever uma teoria da história, baseado na idéia de que, com base no desenvolvimento da tecnologia, se podia fazer uma seriação da sociedade, melhor do que as seriações que existiam. Fui muito ajudado nisso pelos arqueólogos, graças à Betty Meggers, que é uma arqueóloga muito amiga minha a vida inteira. Eles me ajudaram a estabelecer pautas das tecnologias e a correlacionar as tecnologias diferentes e a mudança das tecnologias com a mudança das civilizações.
Como foi a repercussão da publicação deste livro?
Teve muita repercussão. Eu me lembro bem que quando mandei o livro para ser publicado aqui no Brasil, um intelectual conhecido meu dizia: "O Darcy é maníaco, quem é ele para escrever uma teoria da história?" Quer dizer, é esse complexo de inferioridade do brasileiro que o leva a pensar que ele é incapaz de fazer uma teoria da história. Então, ele escreveu uma carta sobre isso e o editor me mandou. Aí eu mandei para ele a edição norte-americana, para mostrar que a editora mais importante do mundo em antropologia que é a Smithsonian, de Washington, publicou meu livro. Eu disse para meu editor: "Não seja besta! Você não publica porque é imbecil! E eu proponho que você publique o meu livro e a carta desse idiota lá também. Porque você pode publicar o meu livro como tradução da edição norte-americana". Depois dessa edição saiu uma outra na Alemanha, onde o livro foi muito discutido.
É um livro latinoamericano, brasileiro, escrito no Uruguai, com muita ajuda de antropólogos e arqueólogos de fora, que teve um grau de discussão internacional muito grande. Há uma revista antropológica muito importante, que é Current Anthropology, que uma das coisas que faz é entregar a uns dez antropólogos um livro ou um artigo importante para que eles leiam e façam apreciações, e o meu livro foi objeto de apreciação internacional.
Esse livro "O Proceso Civilizatório", afinal saiu em uma edição brasileira também e tem uma dezena de edições nas línguas principais. Mas o tipo de explicação que eu alcançava no Processo Civilatório era muito genérico porque eu tinha que explicar dez mil anos em poucas palavras. Todas as teorias francesas da história são muito genéricas, e eu sentia necessidade de alguma coisa mais concreta.
O que o senhor fez então?
Eu parti para escrever uma outra coisa, que era um livro que, em vez de alto alcance histórico, tinha médio alcance. Eu o chamei de "As Américas e a Civilização". Neste livro, eu examinei quinhentos anos da história americana para explicar as causas de seu desenvolvimento desigual: por que o Brasil, que era e fora muito mais rico, muito mais ilustrado do que os Estados Unidos, ficou para trás? Os Estados Unidos eram o próprio atraso. Nunca tiveram cidades como Salvador, Recife, Rio ou muito menos como Ouro Preto, nunca tiveram nada de civilização. E nós tínhamos muito mais e tínhamos muito mais riqueza também. O Haiti também, que era a pérola da França, que tinha uma gente paupérrima. A França vivia do Haiti e a América do Norte vivia de vender comida e artefatos para o Haiti, mas aquela gente paupérrima progrediu formidavelmente e se organizou como civilização. E nós, que éramos muito mais ricos, e no caso do Brasil, muito mais ilustres, caímos no atraso, por que, quais as causas do desenvolvimento desigual? Neste livro eaço uma tipologia dos povos americanos, em que mostro que os povos americanos podiam ser classificados numa categoria de "povos testemunho", que eram povos que viviam o drama de ser dois. Este é o caso dos povos do altiplano andino, México e Guatemala, em que a civilização moderna e européia, chega lá e se implanta, mas a gente de lá continua carregando no peito uma outra alta civilização e outros altos valores. Eles são o que eu chamo de "povos testemunho", porque guardam em si a memória viva das altas civilizações que eles foram.
Outra coisa são os "povos transplantados". Povo tansplantado é gente européia que vai para o espaço do além mar, tira os índios, limpa o terreno e ali faz uma sub-Europa. É o caso do progresso da Austrália em relação ao Brasil. Ora, não tem novidade nenhuma fazer uma Austrália: é uma bobagem! Você pega um pocadinho de irlandeses, escoceses, italianos e joga lá e eles fazem uma Inglaterra de segunda e aquilo ali funciona muito bem. É totalmente diferente do que pegar massas de índios, de negros, de europeus e construir um gênero humano novo, construir uma civilização. Então, nesse livro eu apresento as categorias de "povo testemunho", de "povo transplantado", e de "povo novo", que é povo que surge como gênero humano novo. É o caso específico do Brasil, da Venezuela e da maior parte dos países da América Latina, em que a população foi desindianizada. Desafricanizaram o negro, que aqui posto foi refeito, e deseropeizaram o europeu. Então esse "povo novo" não está pregado em passado nenhum, nem está reproduzindo civilização estranha nenhuma: ele é um gênero novo, é uma coisa nova, uma gente que se vê de repente, que é o chamado mameluco, que não é índio, porque não se identifica com a mãe que o pariu, e cuja cultura ele comeu, não é aceito pelo pai como igual também, é um mulato, não é africano, evidentemente, e também não é indígena, e não é europeu. Essa gente que não é ninguém e que se constrói, a si mesma, como uma outra entidade é um gênero humano novo, alguma coisa nova no mundo.
E esse livro, calcado num escopo de tempo menor e voltado a entender a gênese de um continente, o satisfez?
Não. Eu ainda não estava satisfeito porque, no fundo, não havia teorias explicativas aceitáveis para coisas tão importantes como uma tipologia das classes sociais, não havia tipologia das formas de ação política também, não havia um estudo adequado das forças insurgentes, das esquerdas, ou das forças capazes de uma revolução. E não havia uma teoria adequada também da cultura, da nossa cultura, feita de retalhos, tomada de tantas matrizes diferentes, mas fundida e que chegou a ser uma coisa original e própria . Então eu escrevi um livro de verdade sobre a América Latina, em que eu proponho uma tipologia das classes sociais, que não foi essa bobagem de estar repetindo a conversa marxista de proletariado, aristocracia e burguesia que eu não vi aqui. Esse livro é "O Dilema da América Latina".
Tendo escrito esses livros, escrevi mais um que é "Os Índios e a Civilização", que eu vinha fazendo há anos, por encomenda da Unesco. Este livro me ensinou muito porque me fez desenvolver um conceito de "transfiguração étnica", que é o processo pelo qual os povos se fazem e se transformam ou se desfazem. Nenhum índio vira civilizado, o que há é que um povo indígena, mantendo sua indianidade, vai morrendo e, ao lado dele, surge um núcleo humano que cresce à custa dele e que cresce contra ele, que é o núcleo civilizado. Então, assim como não há conversão, não há assimilação. O que há é uma integração inevitável. Se o índio é cada vez mais cercado de um contexto civilizado ou comercializado, se ele próprio se converte em mão de obra, se ele próprio tem que produzir mercadoria, é claro que ele tem uma integração cada vez maior com a sociedade nacional. Mas esta integração não quebra nele a identidade, que é como a do judeu, como a do cigano. Ele mantém a sua identidade como indígena. Apesar de transformados os costumes, apesar de mudar o modo de se vestir. Apesar de todas essas mudanças, ele permanece indígena. Então, eu chamei a isto, teoricamente, processo de transfiguração étnica. A transfiguração étnica se faz através de instâncias, que não precisam ser uma depois da outra. São instâncias nas quais um povo se transforma e se transforma tanto mais, necessariamente, porque é transformando-se que ele sobrevive. E ele se transforma mantendo sua própria cara, mas mudando para tornar viável sua vida num contexto que lhe é hostil.
Num primeiro momento, ocorre um tipo de interação biótica, quando chegam os brancos trazendo suas pestes. O mundo antigo, Europa, Ásia, África, estava integrado e as suas pestes passavam entre eles. Um povo que não sofreu as pestes, como os povos americanos, morria pela metade quando chegava o europeu com suas doenças. Quando, então, chegava a segunda doença, ela matava a outra metade. Ainda hoje, as tribos que estão entrando em contato com a civilização sofrem também o mesmo processo. É um processo de interação biótica em que duas populações, bioticamente diferentes, se encontram e a coesistência entre elas provoca este desastre. No caso do Peru, por exemplo, a população caiu incrivelmente, muito menos em decorrência da guerra e da escravidão que também matam muito, mas em função deste tipo de interação biótica. A relação é de 1 por 25: onde existiam 25 pessoas, depois de um século, você tem uma pessoa.
Assim, a transfiguração étnica se dá, primeiro, por uma interação que é biótica e depois por uma interação ecológica. Se você coloca vacas, cabras e porcos, onde os índios estavam, onde eles faziam suas roças, esses animais tomam o lugar deles e provocam enorme mortalidade. É claro que se considera uma vantagem que os europeus tenham trazido animais domésticos, mas esses animais representam uma invasão no ambiente e impõem uma nova condição ecológica, fazendo com que as populações diminuam enormemente. É importante entender isto porque o mundo moderno, vamos chamar o terceiro mundo ou o quarto mundo, cheio de miséria, de pobreza, é obra do homem europeu. O bandido europeu, onde ele chegou, encontrou povos tribais que eram ecologicamente equilibrados, produziam o que comer, tinham uma grande alegria de viver. Esses povos foram ecologicamente dizimados, na medida em que chegaram os europeus e passaram a usá-los como mão-de-obra e modificaram totalmente o ambiente deles.
Depois da interação biótica e ecológica, você tem a interação econômica, em que o índio é tomado ele mesmo e escravizado ou ele tem que entrar num circuito econômico, produzindo mercadoria. E depois tem ainda toda a esfera terrível da interação social, cultural, psicológica. Aí chega mais gente com convicção de que o único deus é o seu, de que o deus é branco, e mete isto na cabeça daquela população que tinha outras concepções. Todo o desprezo que o europeu tem pelos índios, se introjeta, sobretudo nas crianças e nos jovens, que passam a ver a si mesmos como um povo de segunda classe. O efeito deste processo de transfiguração étnica é, nessas várias instâncias, dizimador. Um povo vai desaparecer em qualquer destas instâncias, ou na primeira ou na segunda, ou pelo conjunto delas, ou pode sobreviver a elas.
Sobreviver a elas é se reinventar. Com essa compreensão que eu tinha alcançado, eu começei a escrever este livro, "Os Índios e a Civilização". É um livro que apresentava uma teoria nova, importante. Esse livro me custou muito trabalho para fazê-lo e eu custei muito a aceitá-lo. Eu publiquei quase todo o livro em artigos, que tiveram muita repercussão, por que foram publicados em muitas línguas. Mas só no exílio é que eu terminei-o como parte desse conjunto: O Processo Civilizatório, As Américas e a Civilização, Os dilemas da América Latina e Os Índios e a Civilização, em que eu examino em detalhes do que aconteceu com as populações indígenas, com mais atenção sobre o século XX, onde mostro que 80 povos desapareceram. Isso tudo me ajudava a fazer uma teoria do humano e uma teoria explicativa da sociedade brasileira.
E como o senhor definiria seu novo livro "O Povo Brasileiro"? Seria ele uma continuidade deste conjunto?
Olha, esse conjunto, que me levou mais de dez anos para ser escrito, hoje tem 170 edições nas principais línguas É o conjunto de uma obra teórica, de um brasileiro, latino-americano, mais traduzido e mais discutido, porque está quase todo ele em todas as línguas principais. Mas esse conjunto ainda não me era satisfatório. Depois do exílio, quando eu vim para cá, por volta de 1980, eu tornei a escrever uma terceira versão completa de um outro livro, mas não estava satisfeito. O tempo foi passando e eu acabei sendo hospitalizado, numa UTI. A UTI me horrorizava, a UTI é uma câmara da morte. Eu passei 21 dias na UTI. É verdade que a UTI me salvou: eu estava com dor, pneumonia, liquidado em função de um tratamento de quimioteria para o meu segundo câncer. Mas a minha angústia era enorme, parece até inverossímel, pois eu queria viver e eu sabia que se eu ficasse na UTI eu iria morrer. Eu queria viver e eu queria terminar esse livro. Você calcula, eu tinha 170 edições de 5 livros. Tinha que completar esse conjunto com mais um livro. Então, para mim, era de uma importância enorme. Eu fiz uma guerra tremenda e acabei obrigando a fazerem uma UTIzinha, num apartamento, porque eu não aguentava ver aquela gente morrendo ao lado. Mas eu queria fugir e eu ameaçava o médico de que se ele não me deixasse sair, eu ia suicidar-me. O médico ficava apavorado. Eu ficava dopado, quando eu saia da dopagem eu xingava o médico, a mãe dele. Eu fazia o diabo porque eu estava loucão para sair daquela casa da morte.Um dia, eu estava ameaçando me suicidar se o médico não me deixasse passar o ano novo em casa, em Copacabana. Ele deixou e, quando eu me vi no carro, estava o meu sobrinho que é um homem sério, que garantiu ao médico que ia me trazer no dia seguinte. Quando chegou numa esquina, em que o carro ia virar para Copacabana, eu disse: "Não vou para Copacabana, eu vou para Maricá". Ai meu sobrinho disse não, e comecei a discutir com ele, coloquei-o para fora do carro. Aí chamei o Jairo, que é o marido da minha chefe de gabinete. Disse: "senta aí Jairo e vamos para Maricá". E eles que estão acostumados a receber as minhas ordens, a trabalhar comigo, entraram no carro e tocaram para cá, para Maricá. Eu consegui fugir do hospital. Então vim aqui para Maricá e fiz uma completa loucura: no caminho, no último posto de gasolina, tem um lugar que vende caldo de cana e eu gostava de caldo de cana espremido com limão, que dá um tipo de bebida que eu gosto. Eu estava a 21 dias sem comer, vivendo de soro, e eu disse: "Traz um copaço de caldo de cana para mim". E ele foi lá e trouxe. Eu bati aquele copaço, uma maravilha. A minha barriga que não via nada a dias reclamou. Quando eu cheguei aqui tive uma caganeira que foi um horror. Eu expelia bosta por tudo que era lado (risos). Mas eu creio que isto me curou. Mandei trazer para cá o computador e chamei outra secretária, a Gisele, que é a minha assessora principal, peguei as versões antigas do livro e fui ditando a versão final do "O Povo Brasileiro". Eu o fiz aqui em um mês e tanto. É claro que o livro estava todo na minha cabeça, só que de uma forma insatisfatória e eu o refiz de uma forma que me deixou satisfeito. Ficou bom, ficou o que eu queria. Esse livro foi editado e em um mês saiu uma edição e oito re-impressões e em dois meses vendeu 80 mil exemplares: é o primeiro livro meu que tem um sucesso grande assim, mas o sucesso não é tanto pelo livro, é porque o cara para escrevê-lo, estava com câncer, câncer dá muito prestígio, fugiu do UTI ... (risos). Então tudo isto teve um efeito bom porque afinal eu consegui coroar a minha obra.
Desde 64 que eu estou trabalhando nessa série que eu chamo "Estudos de Antropologia da Civilização" e "O Povo Brasileiro" veio integrar-se a ela. Para mim seria uma frustração tremenda se eu morresse sem escrevê-lo. Agora, até que eu estou livre para morrer.
Nem tanto: os jornais noticiam que o sr. está escrevendo um novo livro.
É verdade. Enquanto isso não acontece, estou fazendo uma coisa que está me dando muito prazer. Eu fiz uma pesquisa de dois anos nos anos 50 entre os índios Urubu-Kaapor, que ficam no rio Gurupi, que é fronteira entre o Maranhão e o Pará. É a segunda tribo à qual me dediquei totalmente, porque eram os índios mais próximos dos Tupinambá que viviam na costa em 1500. Mas, em 500 anos, a língua deles mudou, os hábitos deles mudaram e eles são outros, mas são outros muito próximos, os mais próximos. Então se pode estudar os Tupinambá, como o Florestan Fernandes estudou, por exemplo, com base na documentação dos cronistas, de 1500 a 1600, que descreveram os Tupinambá. Florestan fez uma obra extraordinária, seu livro "Organização Social dos Tupinambá" foi feito como uma tese funcionalista com base na documentação dos cronistas.
Eu me treinei para outra coisa: para ir ler na realidade. Então fui procurar uma tribo, a mais próxima dos Tupinambá para estudar o que eram as populações indígenas brasileiras. Então fiz duas grandes expedições entre esses índios. E em todas as minhas expedições, eu sempre fazia diários. Tenho diários que estão em umas 800 páginas datilografadas que são os diários das duas grandes expedições que eu fiz em 49 e 50/51, entre os índios Urubu Kaapor. Eu sempre pensei que ia ter tempo, em algum momento, de me dedicar intelectualmente a esse material, mas quando acabou isso começou a minha vida de ministro, de ser político, de fazer a revolução brasileira, de ir para o exílio, de fazer uma teoria do Brasil, uma teoria do mundo. Mas a minha idéia, até há algum tempo atrás, era a de que eu ia subsumir daquelas 800 páginas de diário, a sua religião, a sua mitologia, a sua economia, a sua arte, para publicar mais uma monografia. Mas de repente, caí em mim, de que isso é uma loucura, uma bobagem, porque não é verdade, não há uma ideologia sem uma religião, sem uma economia, sem uma arte: está tudo misturado. Por isso tudo, é muito mais verdadeiro o meu diário, então eu tomei a decisão de refazer o diário, e estou terminando agora.
Esse diário é uma espécie de convite: venha leitor, venha andar comigo mil quilômetros, aldeia por aldeia, vamos visitar cem aldeias, conhecer as pessoas que estão lá, o que elas estão fazendo, se tem um batizado, como é que batizam, se tem um casamento, como é que casam. Venha comigo ver! Então na realidade, eu creio que vou dar um livro ao leitor, mais legível, porque é um livro em que, dia-a-dia, eu descrevo a minha vivência com os índios. O leitor tem a possibilidade de me acompanhar e de ter uma aventura espiritual. É claro que uma das coisas bonitas e estranhas é que a metodologia é toda contraditória, uma hora eles me contam uma coisa, outra vez me contam outra, e mais outra versão; e se eu fosse fazer um livro na forma de uma monografia, eu ia subsumir daquilo o que decidisse que era a verdade; e, para os índios nada daquilo é verdade, porque tudo é verdade. Então é muito mais verdadeira essa exposição larga, ampla, do que eu vi em cada aldeia.
Quando eu escrevi o meu romance Maíra, que eu escrevi no Peru, naquelas mil horas, ou naqueles mil dias em que eu estive escrevendo Maíra, eu não estava exilado, porque Maíra me devolvia a minha vida entre os índios. E agora muito mais com esse diário eu me recupero. Tem aqueles retratos todos, daquela época. São cem fotografias selecionadas que eu fico olhando para elas, de duas mil, que eu tenho. Então, eu me vejo com trinta anos, cheio de calor humano, convivendo com aquela gente. E me dá um sentimento de estar revivendo aqueles dias. Nunca escrevi uma coisa tão gratificante como esses diários. Eu vou chamar o livro provavelmente de "Diários Índios". E isso é o que eu estou fazendo agora.
Leia mais sobre Darcy Ribeiro
BibliografiaA Educação e a Política
Cultura
O Brasil como Problema
O Fantástico Testamento
O Povo Brasileiro
Segunda carta de Pero Vaz de Caminha
(...)
Glauber o Filme, Labirinto do Brasil
Data de Lançamento: 5/3/2004 16:35:00
Cliente: Caliban Produções Cinematográficas
Documentário sobre a vida e a morte do cineasta Glauber Rocha
(...)
Documentário "O Povo Brasileiro", Darcy Ribeiro
"Darcy é um dos MAIORES intelectuais que o Brasil já teve.
Não apenas pela alta qualidade de seu trabalho e da sua produção de antropólogo, de educador e de escritor,
mas também pela incrível capacidade de viver muitas vidas numa só, enquanto a maioria de nós mal consegue viver uma"
(Antônio Cândido)
Eu assisti a uns dias atrás o FANTÁSTICO documentário "O Povo Brasileiro", baseado no grande livro do Darcy Ribeiro que explica primorosamente a formação do nosso povo!
A diretora Isa Grinspum arrebentou! Além do próprio Darcy, tem participações de gente feríssima como Chico Buarque, Tom Zé, Antônio Cândido, entre tantos outros, e foi co-produzido pela TV Cultura, GNT e Fundar (Fundação Darcy Ribeiro).
Tem imagens belíssimas, depoimentos bacanas... e além da qualidade, a quantidade também não decepciona: são 10 programas + extras, DVD duplo, 280min!
Eu já tinha ouvido de falar Darcy Ribeiro, Sérgio Buarque, Gilberto Freyre, Celso Furtado.. mas suas obras e biografias tavam na lista "Um dia eu leio" hahhaa
Depois do documentário, não teve jeito, no dia seguinte peguei o livro do Darcy na biblioteca... e achei FANTÁSTICO!
Mais do que um mega - e recompensado - esforço em explicar o Brasil, o livro é uma declaração de amor por este país! =)
Tudo isso só deixou mais curioso, fui atrás de saber mais da vida dele... vi as entrevistas no Roda-viva... e adivinha? achei FANTÁSTICO! :-P
O cara como antropólogo criou obras e estudos que estão entre os mais importantes da área. Como educador, suas teses e projetos melhoraram a educação de milhões de pessoas. Como senador e ministro, criou diversas leis...
Criou a Universidade de Brasília que ele sonhava que fosse um motor para a transformação do país, e ajudou a desenvolver várias universidades e museus.. criou 500 CIEPs no Rio, que são escolas modelo planejadas para que as crianças ficassem período integral.
O Parque Nacional do Xingu, o incrível Memorial da América Latina, a Fundação Darcy Ribeiro, o Sambódromo do Rio com 200 salas de aula para educação primária.... mais uma infinidade de coisas... tudo ele. Era um intelectual de "fazimentos" como ele dizia.
Apesar de ter tido fases difíceis: infância pobre, na ditadura foi exilado, lutou até o fim contra um câncer de pulmão.... ele curtiu demais a vida, viveu entre índios, entre intelectuais.... fugiu da UTI pra terminar seu livro e curtir mais um pouquinho da vida.
Um cara de mente e ações formidáveis.. muito sincero, espontâneo... loucamente apaixonado pelas mulheres, pelo Brasil e pela vida.
"Termino essa minha vida exausto de viver, mas querendo ainda mais vida, mais amor, mais travessuras.
A você que fica aí inútil, vivendo essa vida insossa, só digo: Coragem! mais vale errar se arrebentando do preparar-se para nada.
O único clamor da vida é por mais vida bem vivida. Essa é, aqui e agora."
(Darcy Ribeiro)
Documentário "O Povo Brasileiro" - Veja no youtube
Conteúdo:
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Entrevistas no Rodaviva
- Em 1995: transcrição - vídeos no youtube
- Em 1991: transcrição
Veja abaixo
Melhores Trechos, Frases, Pensamentos
do Documentário, do Livro e das entrevistas:
Melhores Trechos, Frases, Pensamentos
do Documentário, do Livro e das entrevistas:
- Sobre os "Fazimentos"
"... Sou um homem de causas. Vivi sempre pregando, lutando, como um cruzado, pelas causas que comovem. Elas são muitas, demais: a salvação dos índios, a escolarização das crianças, a reforma agrária, o socialismo em liberdade, a universidade necessária. Na verdade, somei mais fracassos que vitórias em minhas lutas, mas isso não importa. Horrível seria ter ficado ao lado dos que venceram nessas batalhas"
"Fracassei em tudo o que tentei na vida.
Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui.
Tentei salvar os índios, não consegui.
Tentei fazer uma universidade séria e fracassei.
Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei.
Mas os fracassos são minhas vitórias.
Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu"
"A Sorbonne outorga o título de doutor honoris causa a Darcy Ribeiro. Ele aceita, diz ele, pelo mérito de seus fracassos.
Darcy fracassou como antropólogo, porque os índios do Brasil continuam condenados à aniquilação. Fracassou como reitor de uma universidade que ele queria que fosse transformadora da realidade. Fracassou como ministro da Educação, num país que multiplica analfabetos. Fracassou como membro de um governo que tentou fazer a reforma agrária e controlar o canibalesco capital estrangeiro. Fracassou como escritor que sonhou em proibir que a história se repita.
Estes são seus 'fracassos'. Estas são suas dignidades"
- Sobre o Brasil
"Os índios eram uma gente que agradecia a Deus pelo mundo ser tão bonito. Que vivia para viver a vida, para gozar a vida. A finalidade da vida era viver.
Um indio desde que nasce, ele aprende a se relacionar com tudo de forma bonita.
Tudo tem rituais. O índio festeja o plantio, o índio festeja a colheita, festeja o nascimento e não festejam mas cultuam a morte. O índio se enfeita muito, canta muito, dança muito, brinca muito e ri muito.
Acho que é muito difícil para nossa cultura suportar tanta beleza"
"Foi essa gente nossa, feita da carne de índios, alma de índios, de negros, de mulatos, que fundou esse país. Esse 'paisão' formidável. Invejável. A maior faixa de terra fértil do mundo, bombardeada pelo sol, pela energia do sol. É uma área imensa, preparada para lavouras imensas, produtoras de tudo, principalmente de energia."
"Por essas vias se plasmaram historicamente diversos modos de ser brasileiros, que permitem distinguí-los, hoje, como sertanejos do Nordeste, caboclos da Amazônia, crioulos do litoral, caipiras do Sudeste e centro do país, gaúchos das campanhas sulinas, além de ítalo-brasileiro, teuto-brasileiros, nipo-brasileiros, etc
Todos eles muito mais marcados pelo que têm de comum como brasileiros, do que pelas diferenças devidas a adaptações regionais ou funcionais, oude miscigenação e aculturação que emprestam fisionomia própria a uma ou outra parcela da população"
"a convicção a que eu chego é de que uma das coisas mais belas do mundo foi a aventura do Brasil se fazendo a si mesmo. Um povo que constitui um novo gênero humano. Não tem novidade nenhuma em fazer a Austrália: pega um bocado de ingleses e escoceses e joga no terreno vazio e eles matam os índios e ficam lá e fazem uma Inglaterra de segunda [risos]. Isto daqui é bobagem. Mas fazer um gênero humano novo, fundir herança genética e cultural, índia, negra e européia num gênero humano novo, numa coisa nova, que nunca houve. É isso a aventura brasileira e que eu resumo dizendo que o que nós somos, mesmo, é uma nova Roma"
"Por que o Brasil não dá certo, mesmo com tanta riqueza, com tanta arte? Porque nunca existiu para seu povo, sempre existiu para o comércio internacional"
"Ultimamente a coisa se tornou mais complexa porque as instituições tradicionais estão perdendo todo o seu poder de controle e de doutrina. A escola não ensina, a igreja não catequiza, os partidos não politizam. O que opera é um monstruoso sistema de comunicação de massa, impondo padrões de consumo inatingíveis e desejos inalcançáveis, aprofundando mais a marginalidade dessas populações"
"é a minha convicção que ou nós comemos e dominamos o saber moderno ou nós vamos ser recolonizados"
"O desencontro é total. Nossa vanguarda lúcida, fiel a seu povo, não existe. O povo brasileiro está órfão. É um corpo sem cabeça. Nós, intelectuais, sem um povo com que nos identifiquemos, com horror do povo de verdade que aí está, somos uma cabeça decepada"
"a modernidade aqui não é a bobagem de se estar abrindo mais multinacionais. É preciso acabar com essa mania de modernidade falsa, boboca, de gente com a cabeça feita para multinacionais [...]
Então, primeiro lugar, o pleno emprego. Em segundo lugar, a comida. Em terceiro lugar, a educação. Educação em tempo integral [...] A partir daí, isso é que é modernidade. Na medida em que se faça isso, que se força a economia a isso, a partir daí é que este país pode florescer como a civilização que nós podemos ser"
"No mundo inteiro, no mundo desenvolvido, a criança fica 8 horas e come uma refeição, porque fica 8 horas e tem que comer uma refeição na escola. A escola é o lugar onde ele estuda, onde ele come, onde ele toma banho, além das lições. Ele tem uma professora que faz com ele os exercícios. Não mandam exercícios para casa. Como é que você pode mandar exercícios para casa de um menino - e 80% são assim - que não tem uma mesa, não tem..."
"Eu conheci a Grécia na pobreza. Conheci Portugal na pobreza. Conheci a Espanha na pobreza. A Itália do sul, na pobreza. Nunca ninguém deixou de comer todo dia. Todo mundo enchia a barriga, porque a economia estava organizada primeiro para o povo comer e vender o excedente. Aqui não. Somos um proletariado externo. Não existe para nós, existe para os outros"
"A brutalidade, a incapacidade, a mediocridade da nossa classe dominante, que aqui o que faz é enricar, é ter vantagem para ela, é juntar, é gastar. O Brasil sempre foi um moinho direto da gente, moeu, liquidou seis milhões de índios que tinha aqui. Liquidou. Mais 12 milhões de negros africanos. Pra quê? Para adoçar a boca de europeu com açúcar. Para enriquecer com o ouro de Minas Gerais. Então, a classe dominante sempre se deu bem e continua se dando bem. Mas o povão está aí, com uma fome que é espantosa. Por que fome neste país? Por que criança sem escola neste país? Por que que nós só somos melhores, só somos melhores, excluindo São Paulo, do que Bangladesh, em educação? É pra morrer de vergonha."
"O espantoso é que os brasileiros, orgulhosos de sua tão proclamada, como falsa, 'democracia racial', raramente percebem os profundos abismos que aqui separam os estratos sociais.
O mais grave é que esse abismo não conduz a conflitos tendentes a transpô-lo, porque se cristalizam num modo de viver que aparta os ricos dos pobres, como se fossem castas e guetos.
Os privilegiados simplesmente se isolam numa barreira de indiferença para com a sina dos pobres, cuja miséria repugnante procuram ignorar ou ocultar numa espécie de miopia social, que perpetua"
"O povo-massa, sofrido e perplexo, vê a ordem social como um sistema sagrado que privilegia uma minoria contemplada por Deus, à qual tudo é consentido e concedido. Inclusive o dom de serem, às vezes, dadivosos, mas sempre frios e perversos"
"A figura do Prestes me impressionou muito. Os comunistas me fizeram muito bem. Os comunistas me fizeram responsável pelo destino humano. Me interessa o que acontece aos homens na Indochina, no Paraná, no Peru. Me interessa. Isso de você assumir o destino humano é muito importante. Tanto que os jovens de hoje, eu pergunto: quem é que vai fazê-los responsáveis pelo destino humano?"
"Darcy acreditava no trabalho, não na caridade. Acreditava que dando isso ao povo, estaria dando-lhes dignidade e auto-suficiência"
"Vou falar uma coisa para você hein, presta atenção que é importante: Precisamos inventar o Brasil que nós queremos, escuta o que tô falando"
- Sobre o Livro "O Povo Brasileiro"
"É claro que eu tinha de fazer um livro sobre o Brasil que refletisse de certa forma isso. E vivi fazendo pesquisa, e vivi muito com negros, brasileiros, pioneiros de todo o lugar do Brasil. E li tudo que se falou do Brasil. Então estava preparado pra fazer esse livro. E gosto dele. Tenho orgulho do fundo do peito de ter dado ao Brasil esse livro. É o melhor que eu podia dar. Gosto muito disso"
"Durante trinta anos eu quis escrever esse livro. Tomei nota, estudei, porque a minha convicção, quando eu o comecei a fazer no exílio, eu queria saber por que que o Brasil não deu certo, quando eu estava no exílio. Por que perdemos? Por que, mais uma vez, a direita ganhou? Por que o Brasil não deu certo do ponto de vista do seu povo?
E vi que eu não podia fazer esse livro, porque faltava uma teoria sobre o Brasil. E levei 30 anos escrevendo uma teoria geral. Uma teoria geral do mundo, das Américas. São cinco livros, que têm noventa e seis edições em várias línguas. E esses livros... ter escrito os cinco e não escrever o final, para o qual eu me preparei, era uma loucura.
Então, quando eu via que estava morrendo, eu ia lá e aquele pessoal ia me matar naquela UTI [risos]. Eu fugi do hospital para viver e fugi para escrever esse livro. Então, eu escrevi esse livro nos 30 anos que eu me preparei e mais quarenta dias, depressa, com muitas secretárias para fazer ligeiro, antes de morrer"
"Escrever esse livro foi o desafio maior que me propûs. Ainda é. Há mais de trinta anos eu o escrevo e reescrevo, incansável [...] Nunca pûs tanto de mim, jamais me esforcei tanto como nesse empenho, sempre postergado [...] eu não queria largá-lo. Pedia mais de mim, me prometia revê-lo, refazê-lo, até que alcançasse a forma que devia ter"
"Não se iluda comigo, Leitor. Além de antropólogo, sou homem de fé e de partido. Faço política e faço ciência movido por razões éticas e por um forte patriotismo. Não procure aqui, análises isentas. Este é um livro que quer ser participante, que aspira influir sobre as pessoas, que aspira ajudar o Brasil a encontrar-se a si mesmo"
- Sobre o Câncer
"Darcy sabia que estava com câncer, e que o câncer tinha devorado pelo menos um de seus pulmões, mas estava alegre de alegria por estar na sua terra e sentir que ela estava tão sempre viva e dançadoura [...] O cirurgião tomou Darcy pelo braço e levou-o para caminhar pelo corredor:
-Não quero desanimá-lo -, mas acho que o senhor deve preparar-se para o pior [...]
Darcy não pôde conter o riso, e o médico não entendeu.
No dia seguinte, foi operado. Darcy despertou com um pulmão a menos. Como tem tantos, nem percebeu." (Eduardo Galeano)
"No hospital só tinha gente querendo morrer, eu quero viver"
"O médico havia dito que Darcy não passaria daquela noite. Não só passou como teve melhoras. Quando vimos ele havia fugido para sua casa em Maricá. Ele queria terminar seu livro antes de morrer, mas nunca conseguira. Desta vez em 45 dias o concluiu. Darcy só perderia a luta contra o câncer dois anos depois. Nesse período, escreveu não apenas um, mas quatro livros"
E para terminar...
"Só há duas opções nesta vida:
se resignar ou se indignar.
E eu não vou me resignar nunca"
(Darcy Ribeiro)
(...)
Darcy Ribeiro
Daniel Dias Rodrigues, Leopoldo Doray de Magalhães, Mauro Gonçalves e Rodrigo da Silva
2º Ano - História/USP
darcy.doc - 141KB
2º Ano - História/USP
darcy.doc - 141KB
Rodrigo da Silva
"Gostaria de ficar na memória das pessoas pedindo que sejam mais brasileiras. Digam que me amam porque eu amo vocês. Eu quero é agora."
Quando demos nossos primeiros passos nesta empreitada pouco sabíamos do homem, menos ainda de sua obra: antropólogo, político e romancista, autor de "Maíra" e nada mais. Foi quando se desvelou um intelectual que só permite como comparativo um gigante, homem polivalente, complexo, humano, irreverente, desafiador e polêmico. Com relação a si e às suas idéias só existem duas opções: amar ou odiar. Com grande risco optamos pela primeira alternativa, ou talvez apenas nos resignamos à atração, à sedução que Darcy cultivou como rara qualidade. Com risco, e ainda não estamos bem certos se nos defendemos adequadamente da tentação, pois não cremos ser ético ou seguro se identificar tanto com as idéias e a pessoa. Contudo, fizemos o esforço de procurar as falhas. Estranhamente seguimos o caminho inverso da história pessoal de Darcy: começamos conhecendo suas obras de maturidade e fomos retrocedendo até chegar aos seus Diários Índios. |
No entendimento da obra citada e do pensamento do autor escolhemos um caminho específico, o único que achamos condizente e suficiente para tal, que foi o de olhar as questões pelos olhos de Darcy. Sem dúvida esta tarefa não está (nem poderia estar) completa, pois jamais se penetra totalmente nas idéias do outro, mas este foi o esforço maior a que nos propusemos. Isto nos levou pelas trilhas incertas da antropologia, ciência pouco familiar para nosso parco conhecimento.
Tivemos de compreender conceitos que nos eram estranhos, como "etnia", "aculturação", "transfiguração étnica" e tantos outros nos obrigou por vezes a percorrer outros caminhos de essência auxiliar, instrumental. Da mesma forma fomos obrigados a conhecer um pouco mais acerca das sociedades indígenas, dada as metáforas que o autor constrói a partir de sua vivência entre estas. Era a forma de compreender o que chamava de "socialismo com este talento indígena da convivência". Se não fomos felizes no resultado efetivamente estivemos felizes no processo de olhar pelos olhos de Darcy. Recebemos durante toda a pesquisa ajuda substancial do próprio autor. Darcy, receoso de que a morte física também lhe decretasse a morte intelectual e histórica, se pôs a estudar sua trajetória intelectual e humana. Desse processo nasceram Confissões, Testemunho e Mestiço é que é bom (em formato de entrevista), livros que foram caminho certo durante todo o processo, mesmo quando duvidávamos dos próprios. | Confissões (1997) |
Empregamos ainda quatro registros audiovisuais: o programa Roda Viva com Darcy Ribeiro, o documentário "Terra dos Índios" com depoimentos do autor, o documentário "Xingu", sobre o Parque Nacional Indígena do Xingu e o modo de vida indígena e por fim "Jango", outro documentário que narra o momento histórico vivido pelo personagem título.
Cabe aqui uma ligeira explicação, pois o trabalho teria como objetivo o entendimento do capítulo "Os Brasis na História" do livro "O Povo Brasileiro. Este capítulo e posteriormente o livro nada mais são do que a ponta do "iceberg" que foi ou é Darcy Ribeiro, dono de uma coerência ímpar seria impossível compreender um mínimo aceitável destes sem fazer o que fizemos, e ainda é pouco, seria sobretudo um desrespeito com a obra do autor e com a complexidade que fez questão de cultivar apesar de sua escrita envolvente, desleixada por vezes, sempre irreverente. Não podíamos cometer tal falha, pois além do mais acreditávamos, e ainda acreditamos, que todos deveriam ter o direito de conhecer Darcy de forma mais ampla.
Estas laudas estão divididas em textos temáticos estudando cada um dos aspectos que julgamos mais relevantes: sua biografia, o capítulo e o livro como exigências, suas características, suas peles, suas teorias em torno da gestação étnica, sua obra, suas influências e suas discussões historiográficas como opção de caminho.
Devemos avisar ainda que para entender Darcy é necessário primeiro se despir, deixar para trás os "esquemas prontos", as "teorias puras", sem perder os conceitos. O autor é escorregadio, quando se pensa tê-lo aprisionado ele se furta. Portanto, não espere dele um "marxista", um "neo-evolucionista" ou coisa que o valha, ele é tudo sem ser nada puramente, sabemos que isto é um tanto (para não dizer extremamente) vago, parece mesmo sandice por vezes mas não foi de maneira gratuita que Antonio Candido o chamou de "uma das inteligências mais autônomas da América Latina". E este coro engrossou com os depoimentos de Oscar Niemeyer, Anísio Teixeira, Carlos Drummond de Andrade, Antonio Houaiss, Antonio Callado, Zuenir Ventura, Alfredo Bosi e tantos outros.
Felizmente ou infelizmente, cremos ser o primeiro caso, Darcy nos imprimiu uma marca indelével, cumpriu sua tarefa de "influenciar", não seríamos justos nem honestos com nenhuma das partes se não o disséssemos. Por fim nos resta desejar, como diria Professor Darcy Ribeiro (ou simplesmente Professor, como gostava de ser chamado), que a leitura deste curto trabalho seja ao leitor tão "gozoso" quanto nos foi a pesquisa e a redação.
Darcy Ribeiro nasceu em Montes Claro, norte de Minas Gerais em 1922, num clima bucólico, rodeado de arvoredos, plantações, carros de bois e fazendas. Foi o segundo de três filhos, e perdeu o pai ao três anos. Sobre isso diz: "Felizmente, pois não fui domesticado". Talvez por isso não tenha deixado filhos: "Não tive a quem domesticar".
Sempre brincalhão e irreverente, descobre a leitura aos quatorze anos, e dizia que esta era a carne de seu espírito. Em 1939 vai para a Bahia estudar medicina por vontade de sua mãe, uma professora primária. Não se adaptando à carreira, começa a freqüentar a faculdade de Filosofia. Toma gosto por Carlos Drummond, Jorge Amado e outros autores da segunda geração modernista. Descobre Marx, Freud e Schopenhauer. Estes lhe deram um novo discurso e aos poucos iam refazendo suas idéias. Não demora muito, e recebe uma bolsa de estudos de um sociólogo norte-americano - Donald Pierson - para a escola de Sociologia e política de São Paulo, da qual sairia profissionalizado. Nesse meio tempo é surpreendido pela convocação para o Exército, mas acaba se salvando por motivos de saúde.
Chegando em São Paulo, torna-se militante em tempo integral. Conhece Caio Prado Júnior, Oswald e Mário de Andrade e Monteiro Lobato. Ao se formar, é recomendado ao Marechal Rondon para o cargo de etnólogo, e a partir daí mete-se na selva com os índios. Quando perguntado do por quê disso, respondia que era pelo encantamento pelo Pantanal, pela Amazônia e pela humanidade índia, que segundo ele é essencial.
Darcy teve duas visões em relação aos indígenas. A primeira acadêmica: via o índio como objeto de estudo. A segunda visão focalizava-os como gente: "Aprendi a olhar os índios com os olhos deles mesmos". Participou do serviço de proteção ao índio, ajudando nos serviços do Parque Indígena do Xingu, fundando o Museu do Índio. Outro projeto de Darcy foi a UNB (Universidade de Brasília). Aqui, empolgou a intelectualidade com suas opiniões de reforma universitária. Dizia criticamente que o ensino superior em gestão era elitista e burocrata. Tais críticas tiveram enorme repercussão, porém surge a ditadura que sangra a UNB e empobrece a vida inteligente brasileira. A respeito, afirmou que " A UNB foi avassalada, estando a meio caminho de sua edificação".
Foi chefe da Casa Civil de Jango, mas com a ditadura se exila no Uruguai. Lá é nomeado professor de antropologia e dirige seminários sobre reformas das Universidades. Escreve as primeiras versões de O Povo Brasileiro e Maíra, um dos seus romances. Volta para o Brasil, é preso, julgado e absolvido. Segue-se então seu segundo exílio, agora na Venezuela, onde se fez professor de antropologia. Nesse meio tempo Salvador Allende (socialista libertário) vence as eleições no Chile e Darcy segue para lá para trabalhar ao seu lado como acessor.
| Não demora muito, e Darcy é em seguida convidado a pensar e a ajudar a Revolução Peruana ao lado de Velasco Alvarado. Depois de um tempo sai de férias e vai a Portugal, onde descobre um câncer pulmonar. Operado, se cura. Darcy retorna ao Brasil e preside simpósios sobre indígenas. Publica o romance Maíra e dá conferências em outros países (México, Portugal). Publica diversos artigos e ensaios e jornais e revistas. Em 1979 é anistiado e torna-se professor titular da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ. Torna-se secretário da cultura de Leonel Brizola, criando o sambódromo no Rio de Janeiro e um ambicioso projeto de educação, o CIEPs , "escolões" de tempo integral. Porém, o projeto é abandonado. Elege-se senador em 1990 e morre em 1997. Enfim, dedicou-se sempre à salvação dos índios, à preservação da natureza, por uma educação democrática e pela felicidade do povo. |
(A produção intelectual concatenada com a trajetória pessoal)
A análise que se segue é baseada essencialmente no discurso que o autor estudado proferiu na Universidade de Copenhague, Dinamarca. Falar em Darcy Ribeiro é falar em Diversidade e Unidade. Marcas de sua carreira, como foi dito durante a saudação solene no salão de atos da Universidade de Copenhague, quando foi conferido a Darcy Ribeiro o título honorífico de Doutor Honoris Causa. Diversidade na medida em que viveu muitas vidas em uma só. Por essa característica Antônio Cândido declararia à Folha de São Paulo: |
Para compreender as "peles" de Darcy, é preciso conhecer sua motivação única: o gênero humano. "De todas as coisas desse mundo tão variado - diz ele - a única que me exalta, me afeta, me mobiliza , é o gênero humano".
O filho da professora primária
Filho de Mestra Fininha, em Montes Claros, Darcy Ribeiro narra um episódio de quando era menino. Havia roubado um pacote de um quilo de azul de metileno e atirado o mesmo no reservatório de água da cidade para vê-lo azular. Darcy narra esse episódio para explicar a si mesmo e às suas vidas. Ele prossegue: "Levei uma surra danada, mas não me corrigi. Continuo fazendo bobagens e desafiando esse mundo, só pelo gosto de vê-lo variar". Disto e do que já foi dito anteriormente, podemos visualizar um homem atípico, como disse o professor Alfredo Bosi. Tratava-se de um espírito inquieto, que não só gostava de mudanças mas também as provocava, e talvez por isso fosse um homem "plural", diverso. E que era sobretudo um apaixonado pelas gentes. Essa paixão explica seu interesse pelos índios, e que certamente o conduz à sua segunda pele, a de antropólogo.
O etnólogo indigenista
| Vestido nesta pele Darcy viveu dez anos nas aldeias indígenas do Pantanal e da Amazônia, chegando a casar-se com uma índia. Interessado pelos povos índios almejava entender "aquela humanidade em flor", e o seu "veemente desejo de beleza". Da capacidade de conviver harmoniosamente uns com os outros que pôde constatar terem os índios, Darcy, chegou ao seu próprio socialismo: "Quando digo que sou socialista, o socialismo que sonho é o de uma civilização avançada, com este talento índio da convivência e da solidariedade". Mas esses anos se findam e Darcy deixa a etnologia de campo (apenas a de campo, pois suas peles, como foi dito anteriormente, ele nunca as abandona) para encarnar mais uma pele e para erguer mais uma bandeira: a pele de educador. |
Durante os primeiros anos em que encarnou a pele de educador, Darcy lembra-se: "Minha ignorância e ousadia eram tamanhas, que o meu mestre, Anísio Teixeira, dizia de mim que eu tinha a coragem dos inscientes". Como ele mesmo diz, não se deu mal. Como é sabido, foi ministro da educação, fundou universidades, entre elas a de Brasília, construiu os CIEPs etc. Se entregou à educação mais por ímpeto de paixão do que por sabedoria pedagógica, mas posteriormente tornou-se conhecedor da necessidade de dominar o saber humano para colocá-lo a serviço do desenvolvimento nacional como principal acelerador da história. Deste conhecimento, desta consciência que permeia toda a sua vida adulta, como cidadão e como ser dotado de direitos e investido de deveres, Darcy diz:
O político
Para Darcy, o Brasil não deu certo por causa de uma grave enfermidade nacional, que é a desigualdade social e a insensibilidade diante do sofrimento dos pobres. Insensibilidade essa da classe dominante, descendentes de senhores de escravos e indiferentes a seu destino. Darcy Ribeiro fez política movido por uma motivação essencialmente ética. Para lutar contra essa desigualdade e indiferença. Aqui vemos a importância de conhecer as motivações de Darcy. Como espírito inquieto, jamais seria indiferente à desigualdade. Como apaixonado pelo gênero humano, explica seu engajamento político: "Jovem, ainda na universidade, me fiz estudante comunista, porque esse foi o modo que encontrei de me preocupar com o destino humano, de me comover com o sofrimento de qualquer povo, em qualquer lugar da Terra".
Darcy entrou para a política quando viu o Presidente Getúlio Vargas suicidar-se, fugindo da campanha de desmoralização promovida pela imprensa e custeada pelos grupos mais ricos. Fez isso também para causar revolta nos grupos dominantes, pois se identificava com os trabalhadores. Acabou então por se definir socialista no sentido trabalhista, lutando por melhor remuneração do trabalho, pela educação e para que o Estado cumprisse seus deveres de assistência às camadas carentes da população.
Por duas vezes ministro de estado, lutou por reformas sociais, dentre elas a reforma agrária. Entretanto, fracassou, e foi exilado por muitos anos, vivendo em diversos países do mundo. Dando início à sua pele de exilado político.
O proscrito
Foi vendo o Brasil em conjunto, isto é, de fora, que, por meio de comparações, tentou compreender as causas do desempenho medíocre do Brasil na Civilização Industrial. Com os Estudos de Antropologia da Civilização (Conjunto de seis volumes com quase duas mil páginas, sete contando O Povo Brasileiro), propõe uma teoria explicativa das causas do desenvolvimento desigual dos povos americanos. Mas foi também durante o exílio que desenvolveu nova pele, a de romancista.
O romancista
Quando foi estudante de medicina, Darcy era reprovado ano após ano. Afinal, preocupado apenas com a literatura, não estudava o que devia.. Foi por aqueles anos que chegou próximo do suicídio. Mais tarde, ocupado da etnologia indígena, afastou-se da literatura para somente retomá-la no exílio. Começou bem, com sua obra mais famosa Maíra, que depois recebeu o prefácio do professor Alfredo Bosi. Seguiram-se a ela O mulo, Utopia Selvagem e Migo, sendo que as duas últimas são novelas. A obra literária de Darcy Ribeiro só poderia ter sido escrita por um indigenista como foi. Em Maíra, revive as emoções dos anos em que conviveu com os índios, seu tema é a dor e o gozo dos índios. O mulo mais comove do que revolta, pois trata da indiferença dos proprietários de terra com as gentes subordinadas. Utopia Selvagem é uma alegoria satírica da busca da identidade dos brasileiros. Já Migo é uma autobiografia inventada, mais confessional do que seus ensaios, explicitamente autobiográficos. Aqui terminam suas peles. | O Mulo (1981) |
( as características de Darcy Ribeiro )
Por vezes esta posição de se negar a enquadrar suas idéias em esquemas pré-concebidos causava desconforto, gerando a eterna discussão sobre sua natureza ideológica; aos marxistas ele jamais o foi, aos olhos dos outros, "comunista"; para si próprio "um herdeiro de Marx, um seguidor, contudo sem nunca ser comunista, nem ao menos marxista". Apesar disto, sempre se utilizou de conceitos marxistas na construção de suas teorias, mesmo fazendo o que chamava de "calibragem": empregava a dialética no entendimento da construção da nação brasileira e também da América Latina, assim como as idéias à cerca da "revolução". Sem nos aprofundarmos demasiadamente no tema, já que isto poderia por si só render um belo estudo, lembraremos algumas das aplicações destas teorias por ele. No Brasil as categorias de classes sociais não deveriam ser aplicadas como até então pois, ao contrário da Europa, jamais tivemos aristocracia feudal, burguesia progressista ou operariado revolucionário. A estratificação social do país seria bastante diversa. Estas afirmações sem dúvida se remetem em grande parte a Florestan Fernandes, seu companheiro da USP. A revolução, tão esperada como modificadora e estopim da evolução social, para ele só serviria se "fosse pacífica e democrática", um contra-senso para os marxistas.
Através destes dois exemplos podemos realmente aferir a originalidade de Darcy. Mesmo sua trajetória como antropólogo se deu de forma pouco usual: enquanto seus parceiros se debruçavam sobre indígenas apenas dois ou três meses por ano e passavam o resto de suas vidas em escritórios, ele fez questão de seguir contrariamente a esta corrente. Se alinhou às idéias dos "neo-evolucionistas", intelectuais variados como Gordon Childe, Leslie White, J. Steward e R. Redfield, cientistas que se dedicaram ao novo entendimento da formação da humanidade, das culturas, dos povos, e sobretudo dos novos Povos-Nações, nascidos do processo de expansão colonizadora desencadeado entre os séculos XV e XVI pelos europeus e em contínuo movimento, ao menos até o presente momento. Seus Estudos da Antropologia das Civilizações nascem desta influência e filiação, e vale lembrar que o último volume destes estudos e sua obra de maturidade é nada menos do que O Povo Brasileiro: Formação e o Sentido do Brasil, obra inspiradora deste trabalho presente.
Ao escrever este livro, Darcy se sente muito à vontade, não só pela longa existência sempre metido nos assuntos nacionais e senhor de vários "fazimentos", mas também pelo profundo conhecimento que tinha da historiografia nacional, desde seus tempos de bolsista na Escola de Sociologia e Política, quando teve de se familiarizar com os grandes autores nacionais, até a convivência com muitos deles. Estudou as obras de Von Martius, Capistrano de Abreu, Paulo Prado, Oliveira Vianna, Gilberto Freyre, Sylvio Romero, Sérgio Buarque de Holanda, Florestan Fernandes, Caio Prado Jr., Monteiro Lobato, Mário de Andrade e tantos outros que fariam desta lista um capítulo. Portanto, quando escreve e/ou questiona estes autores, o faz com propriedade.
Sua escrita é bastante curiosa e irreverente, o que nos lembra de passagem Gilberto Freyre, por conta dos termos pouco usuais que emprega, que poderiam ser até considerados "chulos": "Esse é o caso do culto a Iemanjá, que em poucos anos transformou-se completamente. Essa entidade negra, que se cultuava a 2 de Fevereiro na Bahia e a 8 de Março em São Paulo, foi arrastado pelos negros do Rio de Janeiro para 31 de Dezembro. Com isso aposentamos o velho e ridículo Papai Noel, barbado, comendo fritas européias secas, arrastado num carro puxado por veados. Em seu lugar, surge, depois da Grécia, a primeira santa que fode. A Iemanjá não se vai pedir a cura do câncer ou da Aids, pede-se um amante carinhoso e que o marido não bata tanto." Além disso, usa a ironia como arma para desarticular as idéias e as posições que julga erradas, equivocadas, preconceituosas. Como ilustração desta ironia típica de Darcy, transcrevemos aqui um pequeno fragmento de Ensaios Insólitos: "Uma terceira obviedade que vocês conhecem bem, por ser patente, é que os negros são inferiores aos brancos. Basta olhar! Eles fazem um esforço danado para ganhar a vida, mas não ascendem como a gente. Sua situação é de uma inferioridade social e cultural tão visível, tão evidente, que é óbvia. Pois não é assim, dizem os cientistas."
É ainda extremamente emocional, pois se nota o estado emocional com o qual Darcy escreveu cada capítulo. Alguns são violentos, fortes, apaixonados; outros mais mornos, menos radicais, e por fim alguns baseados inegavelmente nas saudades e quase poéticos. Pode-se com um pouco de atrevimento alegar que esta oscilação de temperamento presente sobretudo em O Povo Brasileiro é uma das ferramentas de Darcy usada de maneira proposital e não acidental. Esta noção de intencionalidade deve também estar presente no entendimento de cada termo que Darcy utiliza. Afinal, ele não se equivoca no emprego das palavras ou percorre "caminhos à toa". Quando utiliza um termo e no momento seguinte o altera, não é por razão de estilística. Enquanto antropólogo, sabe do valor dos conceitos, das idéias contidas em uma única palavra; assim, quando chama o processo pelo qual os indígenas estão passando de "transfiguração étnica" e não de "aculturação", sabe exatamente o que esta expressando. O mesmo se dá quando chama o acontecimento de 22 de Abril de 1500 de "invasão", e não de "descoberta" ou "achamento" do Brasil.
Crítico feroz da elite brasileira, dos EUA, da mídia que "emburrece sem nenhuma responsabilidade", jamais perde de vista a democracia, que em sua opinião é o bem supremo de um povo. Evita pregar soluções extremadas, armas e coisas do tipo para obtê-la, tendo um profundo respeito pela diversidade - qualidade negada aos brasileiros: "aqui o que há é o direito à igualdade ( ou seja, as pessoas só são aceitas à medida que se aproximam do "padrão branco da sociedade" ) e não à diferença". Em cada linha destila e distribui sua esperança, sua fé irredutível nesta nação e sobretudo no seu povo, "humanidade em flor"; acredita piamente na conscientização dos brasileiros, fator este que levará à revolução ( democrática e pacífica ) que reabilitará o verdadeiro povo desta terra. Defende estas posições sem ser ufanista, pois não mascara, oculta ou tenta justificar as mazelas nacionais: trata os problemas, as desigualdades e injustiças com a mesma seriedade com que trata da formação da nacionalidade.
Outra constante em sua obra é a presença do nacionalismo, herança de sua admiração por Vargas. Todo o patriotismo que demonstra, a paixão pelos temas nacionais e a compulsão pela brasilidade são frutos desta marca, algo que lhe custou muito e foi um dos elementos que constantemente lhe provocava desavenças sobretudo com os intelectuais filiados à USP (local que nunca morreu de amores pelo nacionalismo: criada em um momento imediatamente posterior à derrota paulista na Revolução de 32, surgiu na Universidade uma verdadeira ojeriza ao nacionalismo varguista). Em contrapartida constantemente Darcy afirmava que faltava nacionalismo à USP. O outro elemento que era motivo de diferenças foi justamente sua atração pelos já mencionados "neo-evolucionistas". Como sabemos, a tradição da USP está intimamente ligada ao estruturalismo de Lévi-Strauss, Fernand Braudel e vários outros professores, especialmente os da missão francesa. Assim, o evolucionismo aplicado por Darcy nunca foi bem visto pelos acadêmicos uspianos.
Podemos dizer que, resumidamente, Darcy se configurou como um intelectual atípico, complexo e cheio de nuanças, mas, como diria o Professor Alfredo Bosi, sem ser "jamais marginal". Mesmo com toda a polêmica Darcy sempre fez questão de se manter no papel de protagonista.
(Filiações e discussões historiográficas da obra darcyniana)
As grandes discussões de Darcy são com as idéias da chamada "geração de 30", e isto se deve não só pela importância e pela marca que se imprimiu por este grupo. Não custa lembrar Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Caio Prado Jr. e Roberto Simonsen na historiografia brasileira, mas também à proximidade, o convívio que o autor teve com estes, sobretudo Sérgio e Caio. Além deste primeiro grupo, podemos citar também a grande influência de Florestan Fernandes, principalmente nas idéias com relação à estrutura da sociedade brasileira, à luta de classes e à revolução burguesa; e ainda o conhecimento da obra de outros "membros" da "Escola Sociológica Paulista" como Fernando Henrique Cardoso e Otávio Ianni; e as teorias da mesma acerca das relações entre brancos e negros no Brasil. |
Em Sérgio Buarque de Holanda, ele buscou primeiramente uma fonte sobre os hábitos e as relações entre colonizadores e indígenas, confronto de "dois mundos heterogêneos" que só poderia resultar no massacre de alguma das partes - efetivamente a indígena. Mais importante ainda são as informações que Darcy busca na obra de seu antigo incentivador sobre a formação etno-histórica dos povos da região Centro-Sul (o termo não é totalmente exato; mais correto seria dizer que é a região que hoje abarca os estados de Minas Gerais ao Rio Grande do Sul) e é sobre elas que ele constrói parte de suas idéias acerca dos ditos "Brasis caipira e sulinos". À certa altura escreve: "Às vezes se diz que nossa maior característica é a cordialidade, que faria de nós um povo por excelência gentil e pacífico. Será assim?". Esta passagem não deixa de ser curiosa. Primeiro, por saber que o conceito de "homem cordial" de Sérgio Buarque não é o mesmo aí descrito. Para ele, o cordial provem do fato de agir com o coração (do seu radical latino "cordi") e não com a razão, ou seja, não tem nada a ver com um espírito "gentil e pacífico". Contudo, não nos parece que a alegação foi feita acidentalmente, pois não seria condizente com o estilo e a sapiência de Darcy. Mais adiante ele retomará o assunto, criticando as idéias de Sérgio à respeito das características do brasileiro: desleixado, ocioso, desordeiro, anárquico, autoritário, mandonista, indolente, aventureiro, etc. Para Darcy, nem todas estes aspectos são verdadeiros, e mesmo os que são nos garantiram a sobrevivência em um ambiente tão adverso quanto o daqui vieram acompanhados da coragem, da vitalidade, da ousadia e da criatividade. Seria um equivoco atribuir aos lusitanos, e não ao nosso processo histórico, a causa destas falhas. Muito pior teria sido, tanto para ele quanto para Sérgio, se ao contrário tivéssemos herdado peculiaridades como o servilismo, a rigidez, a sisudez, a humildade. Além disso, como Sérgio Buarque compara o lusitano (semeador) ao espanhol (ladrilhador) em seu Raízes do Brasil, Darcy compara os povos ibéricos aos "anglos", afirmando que esta sim é a comparação mais correta. Ao contrário dos primeiros, que aqui tiveram de criar uma "nova humanidade" miscigenada, os ingleses nada mais fizeram na América do que reproduzir o seu mundo (povos transplantados).
Em Caio Prado Jr. ele busca sobretudo as idéias sobre a formação econômica do Brasil e também sua colonização. Para mostrar isso, nada melhor do que compararmos alguns fragmentos dos livros de Darcy e de Caio, para que a relação fique mais visível.
Ao falar sobre a distribuição dos povoamentos pelo país, Darcy afirma: "constituíam, em 1960 (ainda), uma rede de centenas de núcleos urbanos distribuídos por todo o país na forma de constelações articuladas aos centros metropolitanos nacionais e regionais.". Sobre o mesmo assunto Caio Prado já havia dito: "o que vamos encontrar então é uma nebulosa mais ou menos separados e isolados uns dos outros, e disseminados por uma área que não é inferior a dois milhões de quilômetros quadrados, isto é, que forma todo o miolo do que hoje constitui o território brasileiro....".
Mais próximas e visíveis estão as influências no tocante ao "sentido da colonização". Vejamos o que nos diz Caio e logo em seguida Darcy: "Nestas condições, "colonização", ainda era entendida como antes se praticava; fala-se em colonização, mas o que o termo envolve não é mais do que o estabelecimento de feitorias..." e mais adiante "é este o verdadeiro sentido da colonização tropical, da qual o Brasil é uma das resultantes; e ele explicará os elementos fundamentais, tanto no econômico como no social, da formação e evolução histórica dos trópicos americanos." Agora comparemos com os fragmentos de O Povo Brasileiro: "Este caráter internacional do empreendimento faz do Brasil, ainda hoje, menos uma sociedade do que uma feitoria...." e bem adiante, no encerramento do livro, "O Brasil foi regido primeiro como uma feitoria escravista exoticamente tropical, habitada por índios nativos e negros importados.". Poderíamos ainda traçar paralelos entre as idéias de ambos com relação à visão do território: para o índio "o luxo de viver, enquanto para o português esta era sua arena de ganhos", o local do objetivo único de "explorar e especular". Como se vê, apesar de curiosamente Caio Prado Jr., seu companheiro no "Partidão", ser dos autores da geração de 30 o único a não ser citado nominalmente, se faz presente na obra pelas idéias, e mais, muito fortemente. Outro representante deste período da historiografia, Roberto Simonsen, seu antigo professor, é eventualmente utilizado e questionado (com relação ao número de escravos que entraram no Brasil, pequeno demais na visão de Darcy), mas não constitui parte importante na obra.
O segundo grupo mencionado, constituído por Florestan Fernandes, Otávio Ianni e Fernando Henrique Cardoso, são empregados na construção das idéias de Darcy sobre a escravidão no Brasil e as relações sociais resultantes deste processo. Utiliza também obras de Ianni a respeito do processo migratório que trouxe para o Brasil no final do século passado e início do presente milhões de europeus, e as idéias de FHC sobre o empresariado nacional. Apesar disto, a maior filiação de Darcy é às idéias de Florestam sobre a estrutura social do Brasil e à aplicação da teoria marxista no estudo de sua história. Assim, como já dissemos, as idéias sobre a formação de classes e sobre a revolução deveriam ser adaptadas à realidade nacional graças a sua peculiaridade. Contudo, isto não elimina a constatação de que houve e há no Brasil conflitos de classe - para Darcy, a maioria de nossos conflitos são históricos -, e que uma revolução está em curso, porém pacífica e democrática. Por fim, não poderíamos nos esquecer de comentar que Darcy resgata os estudos de Oracy Nogueira, primeiro sociólogo a negar o "mito da democracia racial brasileira" e se junta a Florestan na tarefa de desmonte da mesma. Na construção de suas idéias sobre a escravidão no Brasil e o relacionamento entre senhores e escravos, Darcy nos leva ainda às obras de Jacob Gorender e Clovis Moura, afirmando a tensão do sistema, um exemplo típico das lutas de classe aqui ocorridas.
O próximo grupo a ser visto na obra de Darcy, pelo aspecto diversificado, será abordado cronologicamente, tanto quanto possível. Assim, somente como ligeiro comentário, vale citar que o autor conhecia e empregava vez por outra a obra de Von Martius para descrição da sociedade na época do Império. Entretanto, o mais intrigante é o fato da antropologia empregada na construção de sua teoria acerca da formação étnica do povo brasileiro aproximá-lo do cientificismo do naturalista e também de Euclides da Cunha. É óbvio que a natureza das ciências sociais está muito ligada à este momento histórico, o do pensamento cientificista, até por uma questão de nascença que esta marca ainda se faz presente. Com isso, não estamos afirmando que Darcy seja "cientificista", até mesmo por que suas idéias não abordam exageradamente os aspectos biológicos da formação dos brasileiros. Ao contrário, apesar de defini-los como "etnia", ele o faz baseando-se muito mais nos aspectos culturais dos povos. Vale lembrar que o conceito de "etnia" abarca condições biológicas e culturais. Euclides da Cunha é resgatado ainda ao construir sua descrição do "Brasil Sertanejo". Afirma o jornalista: "nas condições climáticas dos sertões cobertos de pastos pobres e com extensas áreas sujeitas a secas periódicas, conformaram não só a vida mas a própria figura do homem e do gado. Darcy emprega todo o tempo esta idéia, a de que o homem se adaptou ao meio e dele ganhou a sua configuração atual. Ainda neste capítulo, diz que as características do sertão e de seu povo favorece o messianismo, movimento que encontrou seu maior expoente nos acontecimentos em torno de Antonio Conselheiro e foram narrados no livro Os Sertões por Euclides da Cunha.
Capistrano de Abreu também fornece dados valiosos para o trabalho de Darcy, e constantemente o antropólogo cita seu trabalho e discute suas idéias. Chega a abrir o já referido capítulo "O Brasil Sertanejo" com um trecho de Capistrano. Autor um pouco mais recente, Monteiro Lobato vê o Brasil pela figura do Jeca, e isto por si só, graças às características que o autor lhe atribui, seria polêmico: preguiçoso, mole, infestado de vermes, apático, ignorante, etc. A respeito, ao descrever o "Brasil Caipira", Darcy diz: "As páginas de Monteiro Lobato que revelam às camadas cultas do país a figura do Jeca Tatu, apesar de sua riqueza de observações, divulgam uma imagem verdadeira do caipira dentro de uma interpretação falsa." Com isso, ele concorda com as observações de Lobato, realmente um grande observador que penetra na alma do caipira mas esquece de estudar e divulgar as causas pelas quais o interiorano assim se faz. Vítima do latifúndio, do esquecimento, do isolamento e da marginalização, o caipira se configura desta forma.
Vale lembrar que, para Darcy, a "proletarização" deste homem e também dos negros alforriados se atrasa por conta de uma medida defendida por outro autor: Sylvio Romero, que defendera a introdução de grandes levas de brancos europeus, sobretudo alemães e italianos, como meio para desenvolver o povo e o país. "Tudo bem, porque essa gente quase toda acabou se abrasileirando belamente. Restam, porém, aqui e ali, alguns alunados apátridas que ainda não saíram do fundo do navio em que seus avós vieram." Como se vê, a visão de Darcy sobre a imigração européia é bastante particular, aceita e passa a gostar dos que se "abrasileiram", aos outros que são como gado (como disse certa vez) resta o desprezo. Inverte-se assim a lógica de Romero: são os brasileiros que atribuem aos europeus uma certa "beleza" e não estes que nos civilizam, que nos embranquecem. Ainda no estudo e na definição do "Brasil Caipira" Darcy se apoia no trabalho de Antonio Candido de Melo e Souza, "Os parceiros do Rio Bonito".
Menos explícita é a divergência com relação às idéias de Paulo Prado, e este não é citado na obra e nem mesmo podemos afirmar que Darcy conhecia seu trabalho. Mas é lícito expor uma diferença básica na obra dos dois autores. Paulo Prado defendia uma solução extremada para o desenvolvimento do país: guerra ou revolução, apenas por estes processos nosso país avançaria. Darcy também defende a revolução, contudo pacífica e democrática, desencadeada não pelas armas mas pela consciência dos brasileiros.
(Considerações acerca de O Povo Brasileiro: Formação e o Sentido do Brasil)
"Portanto, não se iluda comigo, leitor. Além de antropólogo sou homem de fé e de partido. Faço política e faço ciência movido por razões éticas e por um profundo patriotismo. Não procure, aqui, análises isentas. Este é um livro que quer ser participante, que inspira a influir sobre as pessoas, que aspira a ajudar o Brasil a encontrar-se a si mesmo.". Esta é uma forma típica de Darcy para apresentar suas idéias, e neste caso em forma de livro. Se estilo "abre logo o jogo" não tenta ludibriar o leitor, mas influenciar sim. Demonstra logo qual é o objetivo de seu trabalho e qual será o tratamento dado aos temas. Darcy é parcial e passional, mas não irresponsável. Faz ciência sobriamente e a amalgama à ideologia. Assim, sabemos de antemão que sua "pele" de político e de ideólogo se fará presente em seus estudos, e não apenas um tratamento puramente antropológico ou histórico. O Povo Brasileiro, como ele próprio definiu, é um livro que levou trinta anos e mais quarenta dias de isolamento para ser escrito. Conhecendo a vida e obra de Darcy, sabe-se isto não é pouco. Escrito sob a forte presença da morte, ou ainda fugindo dela, o livro possui um aspecto curioso e de grande utilidade para seu entendimento: é um trabalho que, ao contrário dos de outros autores, é produzido na maturidade, inclusive a intelectual, e representa o "gran finale" de uma longa e profícua vida intelectual e política, Desta forma, não mereceu reparos do próprio autor: não houve tempo para se negar, corrigir ou se arrepender. Está cristalizado como se fosse uma fotografia do pensamento de Darcy. Como projeto, o livro se arrastou desde a década de cinqüenta, escrito e reescrito, ou simplesmente construído paulatinamente e assimilando às mudanças pelas quais o país e o mundo passou. Ganhou a honra posteriormente de ser o volume final da série de trabalhos aos quais Darcy chamou de Estudos da Antropologia da Civilização. Podemos dizer, com um pouco de atrevimento, que O Povo Brasileiro é um "livro síntese" onde o autor resgata e aplica as idéias distribuídas ao longo de sua obra. É clara a filiação a O Processo Civilizatório, As Américas e a Civilização, Os Brasileiros, O Dilema da América Latina e Os Índios e a Civilização. Contudo, O Povo Brasileiro foi idealizado como um livro completo, que não necessitasse o conhecimento dos trabalhos anteriores e nem exigisse uma final e posterior explicação. Isso o faz ser uma obra não limitada somente ao público científico. Com isto, Darcy traz conceitos antropológicos de forma mais enxuta e palatável ao público em geral, e este fator é inversamente proporcional aos outros livros dos Estudos da Antropologia da Civilização, obras estritamente acadêmicas e de leitura complexa. Em O Povo Brasileiro, Darcy percorre a história do Brasil comparando-a com outros países americanos. Traça constantemente paralelos entre ambos e também entre o passado e o presente, sem se limitar apenas a descrever o processo formador: questiona, explica e contextualiza. Inicia a obra descrevendo o cenário no qual se desenvolveria toda a história, ao qual chama de "matrizes étnicas". Neste primeiro momento, os personagens são apenas o português e o índio. | O povo brasileiro (1995) As Américas e a Civilização (1970) Os índios e a Civilização (1970) |
A segunda parte do livro recebe o nome de "Gestação Étnica" e trata da formação dos neobrasileiros pela mistura de índios, africanos e portugueses. Adotando a política da reprodução com nativos e negros que visava o povoamento do território, são os portugueses os grandes patrocinadores deste processo que resulta na criação de uma nova etnia, negação de todas as matrizes. De forma bastante contundente, Darcy deixa claro que o processo não é um encontro romântico, como defenderam vários outros autores. Pelo contrário, é um choque de culturas. Para dar a exata noção da dureza dos acontecimentos, emprega o termo "forja": assim como o ferro, o brasileiro é criado por um processo duro e violento. Na terceira parte do trabalho, "Processo Sociocultural", o autor segue tratando sobre os conflitos nacionais, declarados ou não, armados ou não, passados ou presentes - conflitos que colocaram os brasileiros em posições antagônicas graças às estruturas sociais do território ou ainda devido ao flagelo ao qual é submetido pela ganância de uma elite desvinculada dos interesses do povo. Descreve ainda o processo de formação das cidades, da urbanização e do racismo particular do Brasil que confunde e mistura classe e cor, fazendo-se não apenas preconceito racial, mas também social.
Em "Os Brasis na História" (trecho que merecerá um estudo particular neste trabalho), Darcy dá uma importante contribuição à tarefa de entendimento do país. Ao invés de descrevê-lo como uma massa única, procura trabalhar as peculiaridades de cada região e seu processo de formação. Assim, chama de "Brasis" o "crioulo, o caboclo, o sertanejo, o caipira e os sulinos". Contudo, não esquece de afirmar que, apesar das particularidades, todos são parte de algo maior, unido por uma cultura única, pela criação de uma nova etnia, enfim, de uma nova "humanidade" que dá liga a estas partes menores. A última parte do livro tem o estranho aspecto de profecia, chamando a isto de "dores do parto". Processo que nos conduzirá a um futuro digno e condizente com nossa originalidade e beleza, desde que tomemos o futuro em nossas mão e o conduzamos de acordo com os interesses de seu povo e não da elite nada brasileira, deitando por terra a desvinculação histórica entre Estado e povo, elite e nação.
Em todo a obra, como se pode perceber, impera o tom de denúncia, das mazelas nacionais, do atraso, do descaso, da humilhação. Apesar disto, o livro não se deixa levar por um clima de tristeza e pessimismo, pois ao mesmo tempo em que mostra a tristeza e os maus tratos, o autor retrata a beleza deste povo e sua potencialidade. Esperançoso, nunca se deixa abater, tendo completa certeza de que uma revolução está em curso em cada um de seus "Brasis" de forma pacífica e democrática.
A última questão que analisaremos aqui é o nacionalismo de Darcy, mas sem nos aprofundarmos, pois esta questão já mereceu nota no capítulo que trata das características do autor. A marca que se imprimiu no autor ainda na juventude será definitiva em sua obra, como ele mesmo definiu: "tudo o que faço é por um profundo sentimento de "patriotismo". Em O Povo Brasileiro, Darcy exala este amor à pátria por todas os poros, cada linha, cada idéia se alinha à esta condição.
I. O Brasil Crioulo
Aqui, o engenho teria sido o primeiro modo de ser dos brasileiros. Surge o contato do português com o indígena e ao mesmo tempo a tentativa infeliz de escravizá-lo. A solução para o problema (o da mão-de-obra para o implemento da cana) aparece como o recrutamento do escravo negro. Com este terceiro elemento completa-se a tríade da formação social brasileira, completamente voltada para o complexo açucareiro. A polaridade básica dessa sociedade seria o senhor em seu papel de agente da exploração que, pouco a pouco, se abrasileira, e o negro, em sua sobrevivência ao duro trabalho. Sua condição de escravo tornava-o a força oposta ao sistema implantado, surgindo assim atitudes repressivas do senhor.
Do português (euro-africano) diz-se que este seria o mais capacitado a implantar um sistema econômico, pois possuía a experiência em conduzir o trabalho escravo e produzir o açúcar. O empreendimento açucareiro era estimulado pela Coroa, que atribuía privilégios e títulos ao senhor de engenho. Este, por sua vez, possuía um poder hegemônico na vida colonial que se estendia à sociedade inteira. À margem do engenho estavam os brancos e mestiços livres, uma população que se dedicava à lavoura comercial ou de subsistência; estes distribuíam-se em aldeias pelas praias e também se conduziam-se para a manutenção do sistema. Quanto aos escravos, estes lutaram pela liberdade contra os senhores e contra a sociedade. Sua resistência (em um dos seus modos) era percebida pela presença de quilombos. Acontece que, nestes quilombos, os moldes culturais eram "neobrasileiros": seu modo de ser era o mesmo da área crioula.
Com o passar do tempo, a Revolução Industrial na Inglaterra desencadeou uma era de revoluções que buscaram uma reordenação social e um rompimento com o domínio colonial, debates e reivindicações da ordem vigente surgiram , colocando em questão a propriedade fundiária e a escravidão. Nessas condições, o velho senhor tornou-se um gerenciador de suas empresas, e seus filhos tinham agora a fazenda como uma cota de ações. Por fim, Darcy Ribeiro nos diz que por todos esses caminhos ia-se uma grande população analfabeta e miserável.
Sobre "O Brasil Crioulo", ouça "Cantiga de Engenho". Arquivo em mp3. |
O Brasil caboclo refere-se à Amazônia, região que se oferece ao Brasil como grande área de expansão de forma desordenada. Afinal, seus desbravadores têm ignorado a sabedoria milenar dos indígenas, dando lugar a pastagens e plantas sem consciência ecológica. Diz-se ser uma formação fundada pela emigração para a exploração dos seringais, que originalmente era a região ocupada por tribos indígenas que conheciam as técnicas da lavoura, pesca, caça e até artesanato.
Historicamente, a penetração e a exploração se fizeram com grandes empreendimentos; a exploração seria feita por lusitanos, mestiços e negros. O primeiro contato com a região deveu-se ao desejo lusitano de expulsar os invasores que ameaçavam seus territórios. Mais tarde vem o aprisionamento do índio para ser utilizado como escravo. Vendo-se em tal situação, o indígena penetrava cada vez mais na mata, impossibilitando assim seu aprisionamento. Uma solução mais eficaz, nesta tentativa de "domesticar" o índio, seria a implantação de núcleos missionários responsáveis pelo aculturamento aborígene, tendo como principal influência a religiosidade, o "medo" do Deus católico. Através desse processo é que surge uma população: da mestiçagem do branco com o índio surgiriam os caboclos da Amazônia com costumes indígenas de fala, moradia, etc. Com o passar do tempo, acontece a expulsão dos jesuítas, e a Coroa empenha-se em consolidar a ocupação amazônica. Atividades agrícolas de gêneros tropicais se iniciam e as condições da exploração provocam o extermínio indígena. A partir daí multiplicou-se uma população desculturada e mestiçada, sem identidade específica e dissolvida em caboclos.
Uma grande novidade, apesar das dificuldades de sobrevivência de alguns grupos indígenas, é que algumas tribos sobrevivem e crescem. Explica-se isto pela adaptação biótica às doenças do branco e pela proteção oficial do Estado. Atualmente, a industrialização vem promovendo oportunidades de trabalho para uma parte da população e a extração mineral proporciona novos modos de sobrevivência à região. Para finalizar esta parte, Darcy, apesar da visão otimista em relação à região, alerta para os perigos da cobiça internacional, da poluição dos rios e dos desmatamentos irracionais.
III. Brasil Sertanejo
Originalmente, essa região desenvolveu uma economia associada à produção de uma subcultura própria caracterizada por uma vestimenta, culinária e visão de mundo bem típicas, além de uma religiosidade propensa ao messianismo. Primeiramente o pastoreio se fazia pelos próprios senhores de engenho, mas com o tempo a atividade tornou-se especificidade de criadores. O pastoreio não se fundava na escravidão: o gado era atendido pela família do vaqueiro e seus ajudantes. As relações eram menos desigualitárias nesse sistema, o que atraía muitos mestiços à atividade. Dá-se por isso, segundo Darcy Ribeiro, um fenômeno regional "brancóide". Dessas relações, a necessidade de recuperar a apartar o gado levou à cooperação entre as pessoas, acabando por transformar a convivência entre as mesmas. Da convivência apareceram festas, bailes, casamentos, maior atividade social. No movimento de expansão, o sertão era cortado e ocupado; os homens marchavam de pouco em pouco, avançando cada vez mais para o interior. Aos poucos, os pousos iam se transformando em vilas e cidades, crescendo assim os locais de habitação urbanos.
Das secas que assolam a região, Darcy afirma que estas são um problema nacional que exigem medidas de socorro. Mas, na realidade, a solução está longe de acontecer, uma vez que a ordem oligárquica desde a época colonial conduz tal situação segundo seus interesses, fazendo da seca um negócio. A Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) só se pôs em execução depois de demonstrar que não afetaria o regime de propriedade. Sobre as relações entre o sertanejo e o patronato, diz que o primeiro possui grande respeito e lealdade pessoal e política, aderindo às restrições feitas pelo dominador despótico que é o patrão. Obedecem por pavor de serem excluídos desse nicho. Fora disso, os homens humildes do sertão emigram para outras terras, ou caem no banditismo.
Sobre "O Brasil Sertanejo", ouça "Marcha de rua". Arquivo em mp3. |
O texto inicia falando da pobreza dos núcleos paulistas. Até mesmo os mais importantes eram arraiais de casebres de taipa, cobertos de palha. A pobreza atingia até os homens bons que integravam a Câmara, que viviam em sítios pobres, servidos pelos indígenas. Devido a essa situação, os paulistas se faziam aventureiros, disponíveis para qualquer tarefa e mais dispostos ao saque do que à produção. Os paulistas eram motivados pela ambição de enriquecer e pela vontade de participar da camada dominante, influenciando e mandando nos demais. Assim, os paulistas, a princípio, se fizeram "cativadores" de índios para utilizá-los nos trabalhos ou vendê-los para os engenhos do Nordeste. Lançaram-se às missões para pegar este índio já domesticado, ou ainda, pegar objetos de valor e gado. Com isso acabaram em se especializar como homens de guerra. O regime de trabalho era voltado para o sustento. As mulheres deveriam limpar, lavar, preparar alimentos, cuidar das crianças entre outros afazeres, enquanto os homens se voltavam aos trabalhos esporádicos, mas estes exigiam grandes energias: roçado, caça, guerra. Quando os homens nada faziam, estouravam grandes conflitos entre as famílias. Estes hábitos deram ao paulista a reputação de gente birrenta e preguiçosa.
A grande esperança do paulista era deparar com o ouro, a prata e as pedras preciosas. Isso acabou acontecendo e transfigurou toda a sociedade colonial: com a descoberta das minas, multidões vindas de todo o país e até de Portugal chegaram até elas. Ricos, remediados e pobres, todos tentavam a sorte nas minas. Inicialmente, o ouro se encontrava à flor da terra para simplesmente ser apanhado. Logo apareceram graves conflitos contra invasores e contra a Coroa. A sociedade mineira, centro da mineração, adquiriu feições peculiares com influências paulistas, européias, escravas e de outros brasileiros de outras regiões. A rede urbana ampliou-se, cresciam edifícios públicos, igrejas e a arquitetura barroca. Desenvolveu-se uma classe de ricos comerciantes, burocratas, contadores e fiscais. Desenvolveu-se ainda a literatura, a música e a política libertária. Abaixo das castas superiores estavam o mulato e o negro, que faziam serviços domésticos e trabalhos braçais. Na base da sociedade estavam os negros escravos trabalhadores das minas. Da elite letrada surgiam os projetos libertários da República, o que revelava um sentimento nativista, tendo porém este fracassado.
Com o esgotamento dos aluviões, a região entra em decadência. Mineradores se fazem fazendeiros de lavouras de subsistência e de gado, ocorrendo uma desagregação da economia e da sociedade. Reconstituem-se os núcleos de vida autárquica: conservadora, desconfiada, reservada e amarga. A população se dispersa formando os bairros rurais, trabalhando em mutirão para a execução de determinadas tarefas. Ao fim dos trabalhos, eram oferecidas festas com músicas e bebidas, ensejando uma convivência mais amena. Essa situação duraria pouco, pois logo surgiria uma nova forma de produção agro-exportadora: o plantio do café, que revitalizaria a região. As cidades voltam a crescer, o domínio da oligarquia se remonopoliza e ocorre um processo de reordenação social. O caipira apega-se à condição de parceiro financiado pelo proprietário, e o sistema das fazendas cria um novo mundo inadequado à vida não-mercantil do caipira. Este vê desaparecer as formas de compadrio e de solidariedade, com tais formas substituídas por relações comerciais.
Os latifúndios armados tornam impraticáveis a caça e a pesca. O golpe derradeiro contra o caipira foi a ampliação do mercado da carne. Agora se viam obrigados à permanecer na parceria (precária) ou seguirem novas opções, como tornarem-se posseiros, concentrarem-se em terrenos baldios ou ainda incorporarem-se à massa marginal urbana. Para a força de trabalho na cafeicultura já existiam os negros. Mas, apesar disso, havia muita carência de mão-de-obra. Com a falta desta (primeiro devido à proibição do tráfico e depois pela Abolição) introduziu-se aqui o trabalhador europeu. Com isso, a situação do trabalhador nacional acabou piorando, pois havia uma preferência pela mão-de-obra imigrante, mais qualificada. Nesses tempos, o café se desenvolve e cresce muito até chegar um período difícil que se agrava com a inflação e a crise financeira. A produção diminui e torna-se pequena, se comparada à produção de sua época áurea. O café representou um papel modernizador e integrador para o país, porém movia-se sempre para a frente, deixando para trás áreas devastadas e erodidas. A massa de estrangeiros que aqui chegavam iam se abrasileirando e deixando suas influência para este Brasil caipira.
Sobre "O Brasil Caipira", ouça "O cio da Terra". Arquivo em mp3. |
A expansão dos paulistas atingiu a região sulina, dominada por espanhóis. Tal expansão acabou por incorporar a região ao resto do Brasil. Os três componentes sociais do Brasil sulino são: o nativo de origem açoriana, o gaúcho, mestiço do espanhol ou do português com o indígena guarani; e o gringo, descendente do imigrante. O Brasil sulino surge à civilização pelas mãos jesuítas. Estes religiosos tratavam o indígena de maneira a assegurar sua existência destribalizando-os e aculturando-os. Mas eis que surgem os membros paulistas e liquidam com as missões jesuíticas.
Um fator fundamental da formação do Brasil sulino foi o desejo de Portugal em levar sua hegemonia até o rio do Prata, uma vez que o local pertencia aos espanhóis. Viu-se a Coroa em dificuldades por falta de viabilidade econômica e porque os núcleos sulinos estavam mais atraídos ao lado espanhol. A ameaça foi superada com o aparecimento do mercado da região mineira para o gado. Este deu condições de vincular a região com o Brasil. Porém, com o esgotamento das minas houve um novo rompimento. Enquanto isso, os cearenses introduzem o fabrico do charque aos rebanhos sulinos, rearticulando o Brasil sulino ao país.
O ingresso de imigrantes pós-independência teve um papel de abrasileiramento para a região. Afinal, estes ocuparam lugares desabitados entre o Brasil e as fronteiras sulinas e serviam como uma ponte para o intercâmbio entre as partes. Nasce nesse processo o caudilho (o patrão do Sul), que recebe sesmarias. O pastoreio se torna cada vez mais uma atividade racional, caracterizando-se pelo trabalho intenso e regulado por horários, dos quais o gaúcho não se adapta com facilidade. Surgem também produções agrícolas não tropicais, como a soja, e introduz-se o arrendamento pagável. Moderniza-se a paisagem rural com máquinas, irrigação e fertilizantes. Há uma diversificação da sociedade, ampliando-se um setor intermediário reforçado com profissões liberais, menos ligadas ao ruralismo. A mecanização acaba por manter marginalizada parte da população rural, agravando ainda mais a situação. O matuto, assim como o gaúcho, cai na pobreza e acaba por se misturar a este, uniformizando-se.
O terceiro grupo, o dos gringos, de origem germânica e italiana principalmente, diferencia-se do restante da população por seu bilingüismo, seus hábitos europeus, seu nível educacional mais elevado e um modo de vida confinado em pequenas propriedades policultoras. Hoje as áreas de colonização européia são aglutinadas em vilas com produção de vinhos, por exemplo. Sua expansão esbarrou no latifúndio, esgotando assim sua fronteira.
Sobre "O Brasil Sulino", ouça "Milonga das Sete Cidades". Arquivo em mp3. |
Aqui, Darcy Ribeiro aborda o Brasil de um modo geral. Inicia dizendo que o Brasil nasceu como uma feitoria escravista, e que as aspirações do povo nunca foram levadas em conta. Só se tinha zelo pela propriedade da feitoria e pelo aumento da força de trabalho. Nunca houve aqui um conceito de povo com direitos, existindo sempre a prosperidade mercantil ao lado de uma penúria generalizada da população local. Índios e negros foram despojados de sua identidade e se viram (ou se vêem) condenados a inventar uma nova.
Darcy questiona o que alguns estrangeiros, como os árabes, consideram. Segundo Darcy, os árabes acreditam que os brasileiros são pobres por culpa própria, por sua falta de ambição, e que o fator racial é que os afunda na miséria. O pensador afirma que os problemas aqui não seriam estes, mas sim que tudo isso é culpa do que se faz no país. Termina dizendo que o grande problema do Brasil é a ordenação da sociedade, estruturada contra os interesses da população explorada e humilhada pela minoria dominante, sempre pronta a acabar com qualquer ameaça de reforma.
Finalmente, Darcy levanta a questão: que são os brasileiros? E responde: são povos novos, em "fazimento", mestiços na carne e no espírito com a tarefa de reiventar o ser humano e criar um novo gênero de gentes diferentes. O brasileiro é um povo na busca de um destino, um povo lavado em sangue índio e negro. Enfim, somos uma nova Roma tardia e tropical que tem tudo para dar certo, segundo suas palavras.
(idéias de Darcy acerca da gestação étnica do povo brasileiro)
Darcy nos explica estes tipos: "Os primeiros são constituídos pelos representantes modernos de velhas civilizações autônomas sobre as quais se abateu a expansão européia. O segundo bloco, designado como os Povos Novos, é representado pelos povos americanos plasmados nos últimos séculos como um subproduto da expansão européia pela fusão e aculturação de matrizes indígenas, negras e européias. O terceiro - Povos transplantados - é integrado pelas nações constituídas pela implantação de populações européias no ultramar, com a preservação do perfil étnico, da língua e da cultura originais. Povos - Emergentes são as nações novas da África e da Ásia cujas populações ascendem de um nível tribal ou da condição de meras feitorias coloniais para a de etnias nacionais." | Teoria do Brasil (1972) |
Darcy também fala dos negros que, trazidos durante o período escravista, viriam a acrescentar um elemento na protocélula do nosso povo, e que, constituídos de várias tribos diferentes, não se homogeneizaram, mas sim adotaram os costumes dos brasileiros que aqui estavam, se aculturando como os índios e marcando para sempre nossa cultura: "Essa parca herança africana – meio cultural e meio racial -, associada às crenças indígenas, emprestaria entretanto à cultura brasileira, no plano ideológico, uma singular fisionomia cultural. Nessa esfera é que se destaca, por exemplo, um catolicismo popular muito mais discrepante que qualquer das heresias cristãs tão perseguidas em Portugal." Darcy encara os brasileiros como: "... uns latinos tardios de além-mar, amorenados na fusão com brancos e com pretos, deculturados das tradições de suas matrizes ancestrais, mas carregando sobrevivências delas que ajudam a nos contrastar tanto com os lusitanos.", mas se indaga: em que momento nos percebemos como brasileiros? quando a idéia de brasileiro realmente surgiu entre nos?, Ele mesmo nos responde: "Isso se dá quando milhões de pessoas passam a se ver não como oriundas dos índios de certa tribo, nem africanos tribais ou genéricos, porque daquilo haviam saído, e muito menos como portugueses metropolitanos ou crioulos, e a se sentir soltas e desafiadas a construir-se, a partir das rejeições que sofriam, com nova identidade étnico-nacional, a de brasileiros".
O resultado de tanta mestiçagem, segundo Darcy, foi o fato de que o Brasil se tornou o país mais populoso da América Latina, com uma verdadeira fonte inesgotável de mão-de-obra que é continuamente ignorada e marginalizada pela elite branca que lidera o pais, cujos interesses estão voltados para o exterior, persistindo em condenar o povo brasileiro à situação de um proletariado externo, explorado pelo capital estrangeiro. A respeito disso, Darcy afirma que: "A distância mais espantosa do Brasil é a que separa e opõe os pobres dos ricos. A ela de soma, porém, a discriminação que pesa sobre os negros, mulatos e índios, sobretudo os primeiros.", ou seja: acima de tudo se encontra a desigualdade e o preconceito social. Sem parar por aí, segundo ele, as elites brancas têm uma tendência assimilacionista, ou seja, possuem como prioridade o branqueamento do brasileiro. Mas não é bem assim que acontece: "Ocorre, efetivamente, uma morenização dos brasileiros, mas ela se faz tanto pela branquização dos pretos, como pela negrização dos brancos. Desse modo devemos configurar no futuro uma população morena em cada família, por imperativo genético, terá por vezes, ocasionalmente, uma negrinha retinta ou um branquinho desbotado."
Darcy definitivamente não acredita em democracia racial. Para ele, no Brasil existe um "racismo assimilacionista" que faz com que o negro adquira os comportamentos brancos e transmita, assim, um aspecto de democracia, quando na verdade só faz com que o negro não perceba as violências sociais que sofre e das quais somente através da revolução social poderá se livrar. A respeito disso, afirma: "A forma peculiar do racismo brasileiro decorre de uma situação em que a mestiçagem não é punida mas louvada. (...) Essa situação não chega a configurar uma democracia racial, como quis Gilberto Freyre e muita gente mais, tamanha é a carga de opressão, preconceito e discriminação anti-negro que ela encerra. Não o é também, obviamente, porque a própria expectativa de que o negro desapareça pela mestiçagem é um racismo. Mas o certo é que contrasta muito, e contrasta para melhor, com as formas de preconceito propriamente racial que conduzem ao apartheid.". Ainda diz que o racismo assimilacionista praticado no Brasil é pior que o Apartheid: "(o apartheid) induz a profunda solidariedade interna do grupo discriminado, o que o capacita a lutar claramente por seus direitos sem admitir paternalismos. Nas conjunturas assimilacionistas, ao contrário, se dilui a negritude numa vasta escala de gradações, que quebra a solidariedade, reduz a combatividade, insinuando a idéia de que a ordem social é uma ordem natural, senão sagrada.", ou seja, o negro perde sua identidade sob a influência dessa força alienante.
Darcy não para aí em suas críticas à nossa "democracia racial", e continua: "As taxas de analfabetismo, de criminalidade e de mortalidade dos negros são, por isso, as mais elevadas, refletindo o fracasso da sociedade brasileira em cumprir, na prática, seu ideal professado de uma democracia que integrasse o negro na condição de cidadão indiferenciado dos demais.", e ainda: "Florestan Fernandes assinala que "enquanto não alcançar-mos esse objetivo, não teremos uma democracia racial e tampouco uma democracia. Por um paradoxo da história, o negro converteu-se em nossa era, na pedra de toque da nossa capacidade de forjar nos trópicos esse suporte da civilização moderna.". Para ele, nosso racismo tem uma característica curiosa: em vez de segregação, promove uma expectativa de miscigenação: "expectativa, na verdade, discriminatória, porquanto aspirante a que negros clareiem, em lugar de aceita-los tal qual são, mas impulsora da integração."
Darcy crítica as idéias sobre as relações inter-raciais do povo brasileiro de Gilberto Freyre: "Gilberto Freyre se enlanguece, descrevendo a atração que exercia a mulher morena sobre o português, inspirado nas lendas da moira encantada e ,até nas reminiscências de uma admiração lusitana à superioridade cultural e étnica dos seus antigos amos árabes. Essas observações podem até ser verdadeiras e são, seguradamente, atrativas como bizarrices. Ocorre, porém, que são totalmente desnecessárias para explicar um intercurso sexual que sempre se deu no mundo inteiro, onde quer que o europeu deparasse com gente de cor em ausência de mulheres brancas.". Vale lembrar que Gilberto sempre influenciou Darcy, mas nem por isso escapa de suas críticas ácidas.
Com esperança e em tom de quem adverte, Darcy diz: "Entretanto, o vigor da ideologia assimilacionista, assentada na cultura vulgar e também ensinada nas escolas, e das atitudes que começam a generalizar-se entre todos os brasileiros de orgulho por sua origem multirracial, e dos negros por sua própria ancestralidade, permitirão, provavelmente, enfrentar com êxito as tensões sociais decorrentes de uma ascensão do negro, que lhe augure uma participação igualitária na sociedade nacional. É preciso que assim seja, porque somente assim e há de superar um dos conflitos mais dramáticos que desgarra a solidariedade dos brasileiros.". Os imigrantes europeus, segundo Darcy, não se transformaram em unidades étnicas separadas - em sua maioria - mas sim em brasileiros, assim como os negros, os índios e os primeiros lusitanos: "Apesar da desproporção das contribuições - negra, em certas áreas; indígena, alemã ou japonesa, em outras -, nenhuma delas se autodefiniu como centro de lealdades étnicas extranacionais. O conjunto, plasmado com tantas contribuições, é essencialmente uno enquanto etnia nacional, não deixando lugar a que tensões eventuais se organizem em torno de unidades regionais, raciais ou culturais opostas. Uma mesma cultura a todos engloba e uma vigorosa auto-definição nacional, cada vez mais brasileira, a todos anima.", e ainda: "Essa massa de mulatos e caboclos, lusitanizados pela língua portuguesa que falavam, pela visão do mundo, foram plasmando a etnia brasileira e promovendo, simultaneamente, sua integração, na forma de um estado-nação. Estava já maduro quando recebe grandes contingentes de imigrantes europeus e japoneses, o que possibilitou ir assimilando todos eles na condição de brasileiros genéricos."
Para Darcy, o brasileiro foi vítima de várias "transfigurações étnicas", que é, em suas palavras: "... o processo através do qual os povos, enquanto entidades nacionais, nascem, se transformam e morrem.", mas mesmo assim sempre conservando as características que de início foram mantidas "larvalmente nas protocélulas étnicas luso-tupis" que nos identificam como povo novo. Aqui, vários povos sofreram transfigurações: os negros, os índios, os lusitanos e até os imigrantes europeus e japoneses, para assim formar o que somos hoje e o que seremos: um povo novo, voltado para o futuro, ainda em formação, "sem passado" mas que com certeza terá um grande futuro.
Darcy lança uma dura crítica aos que acusam os brasileiros de preguiça e indolência herdadas dos índios: "Tudo isto é duvidoso demais frente ao fato do que aqui se fez. E se fez muito, como a construção de toda uma civilização urbana nos séculos de vida colonial, incomparavelmente mais pujante e mais brilhante do que aquilo que se verificou na América do Norte, por exemplo. A questão que se põe é por que eles, tão pobres e atrasados, rezando em suas igrejas de tábua, sem destaque em qualquer área de criatividade cultural, ascenderam plenamente à civilização industrial, enquanto nós mergulhávamos no atraso."
Enfim, fala que a industrialização e as comunicação de massa estão unindo os brasileiros, tanto que "aproximam os gaúchos do sul, dos caboclos amazônicos", e afirma, cheio de esperança e orgulho, passional como lhe é característico: "Na verdade das coisas, o que somos é a nova Roma. Uma Roma tardia e Tropical. O Brasil é já a maior das nações neolatinas, pela magnitude populacional, e começa a sê-lo também por sua criatividade artística e cultural. Precisa agora sê-lo no domínio da tecnologia da futura civilização, para se fazer uma potência econômica, de progresso auto-sustentado. Estamos nos construindo na luta para florescer amanhã como uma nova civilização, mestiça e tropical, orgulhosa de si mesma. Mais alegre, porque mais sofrida. melhor, porque incorpora em si mais humanidades. Mais generosa, porque aberta à convivência com todas as raças e todas as culturas e porque assentada na mais bela e luminosa província da terra."
(considerações acerca da obra de Darcy Ribeiro)
Deixamos para citar em separado a obra Uirá sai à procura de Deus, devido à importância e à influência que esta exerceu na antropologia brasileira. Narrando a história verídica de um índio que, diante da tragédia causada pelo contato com o branco, sai à procura de Deus e das respostas para o sofrimento , denuncia a degradação das sociedades indígenas pelo processo conhecido como "aculturação" - termo que Darcy rejeita, propondo "transfiguração étnica". Esta obra é ainda hoje essencial nos estudos das comunidades indígenas brasileiras e seu contato com o mundo do branco. Esta variedade tão grande de grupos indígenas estudados por Darcy provém da experiência trabalhando no Serviço de Proteção ao Índio, ocupação que lhe autorizava a estudar quantos e quaisquer grupos indígenas que quisesse, ao contrário de seus companheiros, que geralmente se concentravam em apenas um grupo. O segundo grande grupo de obras de Darcy se segue a sua trajetória como antropólogo de campo, tendo início em sua parceria com Anísio Teixeira e se estendendo praticamente até sua morte. | Uirá sai á procura de Deus (1974) |
Como político, Darcy também produziu dezenas de trabalhos e projetos na área de educação. Dentre eles, destacamos a "Lei de Diretrizes e Bases da Educação" que hoje é conhecida como "Lei Darcy Ribeiro".
Outro grande conjunto dentro de sua obra - o único imaginado e escrito de forma projetada - foi o que chamou de Estudos da Antropologia da Civilização. A motivação nasceu em seu primeiro exílio no Uruguai, onde redigiu a primeira versão de O Povo Brasileiro, original que veio a abandonar. Em suas próprias palavras, tais estudos nasceram do desejo de entender "porque ainda não demos certo". Podemos observar nitidamente a influência que o Golpe militar de 1964 operou em sua produção: sentia-se o autor como um observador "do lado de fora", capaz, portanto de ver e perceber o que aos outros não se fazia notar. Nesta tarefa, utilizou os estudos sobre evolução de Leslie White, Vernon Gordon Childe e R. Redfield. Neo-evolucionista, propôs uma nova teoria acerca da formação dos povos e das culturas, inserida dentro dos Estudos da Antropologia da Civilização.
Um grupo menor de sua produção, mas não menos importante, são suas obras sobre a América Latina. Busca nelas a compreensão da situação de atraso e subdesenvolvimento disseminado nos povos latino-americanos, pensamentos expressos nos livros O Dilema da América Latina, As Américas e a Civilização e Configurações Histórico-Culturais dos Povos Americanos. Além disso, produziu diversos ensaios sobre o assunto - muitos reunidos no livro Ensaios Insólitos. Sempre nutriu uma grande esperança na criação de uma grande nação latino- americana, sonho de Simón Bolívar; não foi gratuitamente que Darcy foi chamado para idealizar o Memorial da América Latina, em São Paulo. Este, em sua visão, seria o "centro da América Latina, o seu parlamento e núcleo da formação de um bloco único".
Seus Estudos de Antropologia da Civilização, iniciados com O Processo Civilizatório, de 1968, prosseguem em Os Índios e a Civilização, de 1970, além dos que já foram acima citados e terminam no O Povo Brasileiro, de 1995, obra-síntese dos estudos que enfim aplicam ao Brasil toda a rede teórica criada ou assimilada por Darcy. Esta produção, talvez a mais longa do autor (só O Povo Brasileiro foi reescrito três vezes), começa em 1964, no Uruguai, e só vai receber seu último volume em 1995, com a publicação do referido livro. Durante todo este período, Darcy também produziu um número bastante grande de ensaios e críticas em jornais e revistas, os quais reuniu não só em Ensaios Insólitos, de 1979, como também em O Brasil como Problema, de 1995, Sobre o Óbvio, e Mestiço é que é bom, (publicado em forma de entrevista), de 1997. Nestes, faz saltar seu lado político, sem maiores preocupações com o rigor teórico e conceitual, No entanto, mais uma vez não se faz irresponsável ou contraditório. | Ensaios Insólitos (1979) |
O mais certo, de acordo com o Professor Alfredo Bosi, é que sejam ambos. Darcy, assim, realiza o sonho de Antonio Cândido de ver um antropólogo escrevendo um romance sobre as culturas que estudou. Como ilustração deste diálogo que Darcy trava entre a ciência e a arte, reproduzimos aqui um belo fragmento de Maíra: "Para mim esses mairuns já fizeram a revolução em liberdade. Não há ricos, nem pobres: quando a natureza esta sovina todos emagrecem, quando a natureza esta dadivosa todos engordam. Ninguém explora ninguém. Ninguém manda em ninguém. Não tem preço esta liberdade de trabalhar e de folgar ao gosto de cada um. Depois, a vida é variada, ninguém é burro, nem metido a besta. Para mim a Terra sem Males esta aqui mesmo, agora. Nem brigar eles brigam. Só homem e mulher na fúria momentânea das ciumeiras. Deixa essa gente em paz, Isaías. Não complique as coisas rapaz." | Maíra (1981) |
Resolvemos aqui comentar em separado uma parte da produção de Darcy que geralmente é incluída na parte ficcional, que são seus estudos sobre si mesmo. Mais do que a morte física, a morte intelectual e histórica desesperava o pensador que, com medo de que ninguém o estudasse, se propôs ele mesmo a fazê-lo. Nasceram assim os livros Testemunho, de 1991; e Confissões, de 1996, obras nas quais Darcy, mais irreverente e sarcástico do que nunca, se põe a estudar sua trajetória como intelectual, homem, político, educador e sobretudo o "farrista". Sua obra, quando vista de forma completa, se mostra como um retrato fiel de Darcy, um diário de sua trajetória humana: nela há uma íntima relação entre momento e idéias. Darcy está em sua obra mais do que o óbvio poderia demonstrar. A coerência se faz presente não só no campo das idéias, mas sobretudo no das ações ligam definitivamente os dois. Isto só vem corroborar com a alegação de "livro síntese" que atribuímos ao O Povo Brasileiro. Afinal, qual dos temas e das produções discorridas aqui que não se integram e se articulam nesta obra?
Desta forma, Darcy, que já foi chamado e o "Macunaíma da Antropologia", deixa sua obra, que para muitos consiste em uma "pajelança antropológica", algo de "exótico". Entretanto, não concordamos com as afirmações. A produção e o pensamento de Darcy são "atípicos", mas jamais "exótico"; a complexidade de suas construções por vezes podem desarticular o leitor que esteja mais preso a estruturas e idéias pré-concebidas, mas é nesta característica de rompimento onde reside grande parte da beleza e do encanto de Darcy.
(uma resenha de O Povo Brasileiro)
Contudo, o livro não é apenas uma obra de revisitação do passado, numa roupagem um pouco mais moderna do que Caio Prado, Sérgio Buarque e tantos outros já escreveram. Sem a menor dúvida, é um passo adiante. Não rompe totalmente, não admite totalmente, não suporta os preconceitos e fórmulas prontas, apesar de dar suas escorregadelas em defesa dos seus amados brasileiros, a humanidade em flor, morena, maior e melhor do que qualquer outra que já tenha se mostrado, a "nova Roma". Cumpre, antes, sua promessa: o livro é o resultado e a síntese de tudo o que já havia escrito, e assim se sente à vontade para teorizar sobre a formação étnica do povo brasileiro e sobre a estrutura social do país, fazendo uma reviravolta nas idéias até aqui aceitas. Discorre ainda sobre as classes sociais aqui existentes e suas lutas, bem como sobre a revolução que está por vir e será democrática e pacífica. Consegue, assim, de forma doce e cativante, incomodar a marxistas e "direitistas". Aos primeiros pelo fato de não sê-lo e aos direitistas pelo oposto.
Aos que conseguem rasgar os rótulos e jogá-los no seu devido lugar, no lixo, com certeza se não concordarem ao menos admirarão Darcy, não só pela sua criatividade mas muito pela sua coragem de buscar novos caminhos para o entendimento desta nação. Ele avança muito ao entender o Brasil pelas suas regionalidades, sem no entanto acreditar em uma incompatibilidade das mesmas ou pensar que configurem verdades diferentes. Este grande elemento unificador é seu povo, único, original, belo e oprimido. Para esta opressão que não tem mais fim, levanta o que para ele seria a causa: a desassociação do Estado dos interesses da nação, e mais, do povo.
É um livro curioso: quase não possui notas, sua leitura é leve como se fosse um romance, sem ser superficial. Dialoga com vários do interpretes do Brasil, desde o Império até períodos mais recentes, travando debates com Von Martius, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque, Capistrano de Abreu, Caio Prado, Monteiro Lobato, Florestan Fernandes e muitos outros. É primoroso. Algumas de suas idéias podem ser identificadas a outros autores aos quais admirava: por exemplo, a alegação de que o conceito marxista de classes, tal como aplicado para a história européia não nos servia, é abertamente de seu companheiro Florestan, assim como também o é a tentativa de criar uma teoria brasileira, original na necessidade da explicação de uma realidade diversa e inusitada .
Quando se põe a narrar a história , sobretudo n’Os Brasis na História , se mostra um pouco repetitivo, lembrando demais outros autores e chega até a cansar. Mas, se entendermos que este livro não foi escrito para a comunidade somente acadêmica (que, portanto, conhece os outros autores ), sendo uma obra que se propõe completa (com princípio, meio e fim), não possui introduções de outros livros nem espera que o leitor tenha que continuar seu entendimento em escritos paralelos, entenderemos o porquê da repetição. Este caráter que foge à esfera unicamente acadêmica é proveniente do espírito e da "pele" política de Darcy. Ele quer fazer a cabeça dos brasileiros, doutrinando-os e trazendo-os para o debate. Por isso mesmo tenta ser leve mas preciso (relevando as generalizações que ele mesmo admite ser um erro, porém necessárias para dar sentido à história ) contra a "indoutrinação direitista".
Assim , O Povo Brasileiro, parafraseando Antonio Cândido "é um livro que nasce clássico", sendo um épico da história nacional que oferece ao leitor, cientista ou não, o luxo de chorar pela construção de seu povo. Sua importância e alcance só tendem a crescer, tanto o quanto a abertura da cabeça de nossos humanistas permitir. Guarda o livro (ou Darcy, como sua última cartada ) por fim um último mérito: é esperançoso e não se admite em ficar levantando as mazelas; acredita na predestinação deste povo-nação, como gostava de chamar, ou ainda no futuro do seu carinhosamente chamado "Paisão".
Obras de referência
PRADO Jr. , Caio , Formação do Brasil Contemporâneo , 16O.ed. , São Paulo , Brasiliense , 1979.
RIBEIRO , Darcy , Os índios e a civilização: a integração das populações indígenas no Brasil moderno , Rio de Janeiro , Civilização moderna , 1970.
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_________________ , Configurações histórico-culturais dos povos americanos , Rio de Janeiro , Civilização Brasileira , 1975.
_________________ , Maíra , São Paulo , Círculo do Livro , s/d.
_________________ , O dilema da América Latina: estruturas de poder e forças insurgentes , Petrópolis , Vozes , 1978.
_________________ , As Américas e a civilização: processo de formação e causas do desenvolvimento desigual dos povos americanos , 3O.ed. , Petrópolis , Vozes , 1979.
_________________ , Os Brasileiros: 1-teoria do Brasil , 8O.ed. , Petrópolis , Vozes , 1985.
_________________ , Testemunho , 2O.ed. , São Paulo , Siciliano , 1990.
_________________ , O Brasil como problema , Rio de Janeiro , Francisco Alves , 1995.
_________________ , O Povo Brasileiro , 2O.ed. , São Paulo , Companhia das Letras , 1995.
_________________ , Diários Índios: os Urubu-Kaapor , São Paulo , Companhia das Letras , 1996.
_________________ , Maíra: um romance dos índios e da Amazônia , Rio de Janeiro , Record , 1996.
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FUNDAÇÃO DARCY RIBEIRO
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FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO (FUNAI)
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JORNAL O ESTADO DE SÃO PAULO
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PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA
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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
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Artigos de revistas
PORTO E PAULA , Regina e Júlio , Um estudo sobre Villa-Lobos , in "Revista Bravo!" , novembro de 1999.
Vídeos
JANGO
Direção de : Sílvio Tendler
S/D
RODA VIVA COM DARCY RIBEIRO
TV Cultura
1992(?)
TERRA DOS ÍNDIOS
Direção de : Zelito Viana
1978
XINGU
Direção de : Washington Novaes
Intervídeo e TV Manchete
1985
ENTREVISTA COM O PROFESSOR ALFREDO BOSI
Grupo Darcy Ribeiro
1999
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