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Portugal não tem para si, mas tem para emprestar aos outros

Ficamos hoje a saber: Portugal vai emprestar 2.064 milhões à Grécia.
Isto fez-me lembrar uma notícia semelhante, de final de Janeiro deste ano: Portugal vai emprestar até 140 milhões a Angola. Aliás, em boa verdade já deve ter emprestado porque o encaixe da tranche nos cofres angolanos estava previsto para o mês de Março. Ou seja, deverá ter ocorrido mais ou menos pela mesma altura em que o Governo de Sócrates por cá anunciava o PEC, o famoso Plano de Estabilidade e Crescimento, recheado das polémicas medidas espartanas que neste momento já se conhecem, fora as mais que faltam e que todos tememos vir ainda a conhecer com mais pormenor.

Lêem-se as duas notícias e fica-se a saber que o objectivo dos dois empréstimos é idêntico: colaborar com a Grécia como se colaborou com Angola, para ajudar os dois países a reduzirem a respectivas dívidas externas.
A diferença? Apenas uma. Em Janeiro, relativamente à colaboração para reduzir o défice de Angola,  «o Ministério das Finanças, tutelado por Teixeira dos Santos, recusa confirmar o empréstimo de Portugal ao país africano, bem como a certificar os montantes associados ao crédito». Este Maio, no que se refere ao empréstimo para reduzir o défice da Grécia, para além de dar a cara, Teixeira dos Santos desdobra-se em explicações sobre o "pacote"
Provavelmente a ver se convence os portugueses a percebem o incompreensível e a aceitarem o inadmissível.

De ambos os casos resulta a mesma perplexidade: Portugal, que dentro de portas clama não ter dinheiro para mandar cantar um cego, se vê aflito para pagar o seu próprio défice e não se cansa de mandar os portugueses apertarem o cinto; surge, fora de portas, no papel de grande abonado, a emprestar milhões à Grécia e a Angola para que paguem os seus.

Bem podem os arautos da diplomacia vir alegar que Portugal está no Mundo e não pode alienar-se das suas "responsabilidades externas", nem deixar de "honrar os compromissos internacionais" a que isso o obriga. Bem podem agora vir erguer a bandeira da protecção à Zona Euro, como em tempos já vieram acenar com o estandarte dos interesses económicos que o país tem em Angola, que é como quem omite o mais determinante: a ascendência económica que Angola exerce sobre a economia portuguesa, por irónico que a relação "emprestador/emprestado", à primeira vista faça parecer.

Para nós, portugueses, notícias como estas serão sempre contraditórias e revoltantes, tendo em conta  o discurso repetido com que somos bombardeados pelo Governo, a saber, que não há dinheiro e que o pouco que existe não chega para tudo.
É por isso que Sócrates passa a vida a lembrar-nos de que todos temos que «estar dispostos a fazer sacrifícios» e a pagar a crise agravada pelo nosso défice.
É por isso que se largos milhares – que neste momento não têm alternativa nem emprego e dependem do apoio social do Estado para sobreviver – tiverem que passar fome nos tempos mais próximos, Sócrates encolhe os ombros, pede paciência e se desculpa dizendo que não há nada a fazer porque o dinheiro já não lhe chega para tudo, especialmente para ajudar os que por cá mais precisam.

Anúncios como estes deixam inevitavelmente em nós, portugueses, uma de duas sensações, senão ambas de uma só vez: ou alguém nos anda a mentir descaradamente, ou alguém resolveu brincar com os nossos bolsos. Porque por mais desculpas esfarrapadas que se tentem alinhavar, a verdade é que não encaixa na cabeça de ninguém que não haja dinheiro para umas coisas, mas que ele brote tão depressa e com tanta facilidade para outras. Ninguém consegue encaixar que se peçam sacrifícios desumanos cá dentro – sob o argumento de que o dinheiro que com isso amealhamos ainda será pouco para a tarefa prioritária de reduzir o nosso défice externo – e depois se descubra que afinal até existem reservas para canalizar aos outros e os ajudar a reduzirem o seu.

Ninguém aceita que um Governo que se recusa a ajudar cá dentro por não lhe chegar o dinheiro, meta as mãos ao bolso, faça melhor as contas e conclua que afinal sempre está em condições de "apoiar" e "ajudar". Desde que seja fora de portas, entenda-se.

Por mais que Teixeira dos Santos, o Governo e os arautos das mais valias das nossas relações  internacionais se esforcem por nos vender a ideia, em bom rigor esta "disponibilidade para contribuir e colaborar" não reverte para nenhum fundo ou causa meritória. Porque a verdade é que seja o nosso, o da Grécia ou o de Angola, os défices externos têm essa coisa em comum: são em grande parte fruto da irresponsabilidade dos empréstimos que os Estados, dirigidos pela cabeça soberana de alguns, andaram irresponsavelmente a contrair lá fora em nome de todos, na maioria dos casos com um proveito sentido por muito poucos.
Já nos basta a pesada e pouco honrosa tarefa de pagar pelo nosso défice externo, quanto mais ter que pagar o dos outros em seu lugar. Porque a solidariedade é bonita, mas nem sempre fica bem. É a mesma coisa que não ter dinheiro para dar de comer aos filhos, mas oferecer um banquete ao vizinho do lado.

Posted by por AMC on 20:56. Filed under , , . You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Feel free to leave a response

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