Casarão alugado por Thalma de Freitas vira espaço coletivo de artistas onde todo fim de semana acontecem shows
Difícil encontrar a casa. Dependurada numa colina de Santa Teresa, ela se esconde, protegida por um grande portão e cercada por um denso jardim. Mais difícil, porém, é sair de lá: música, arte, gente bacana, energia de criação, espírito coletivo e vontade de fazer diferente. Oficialmente, a dona do pedaço é a cantora e atriz Thalma de Freitas. Ela alugou o casarão de oito quartos, onde morou por alguns anos o baterista Renato Massa, e transformou o lugar numa comunidade artística. Pessoas chegam e se hospedam, ou passam a morar. Outras frequentam assiduamente. Sempre, no entanto, tem gente - muita gente - circulando. No primeiro andar, são três grandes salas, voltadas para uma varanda com vista de 180 graus da cidade, e um estúdio de gravação e ensaios, todo equipado. No segundo piso, os quartos. E um banheiro imenso, com acústica perfeita. No terceiro e último pavimento, uma gigantesca laje coberta, um espaço mais que perfeito para pequenos shows, no estilo jam session. Thalma anda até pedindo aos amigos que customizem suas cadeiras de praia e as deixem por ali, porque todo fim de semana algo vai acontecer. Está acontecendo.
- É muito mais fácil uma coisa interessante acontecer com a gente, ou através da gente, quando estamos em grupo. Sozinho, você fica ali, pagando mil contas, naquele caminhozinho, com as suas ideias, tentando realizar as coisas. Mas em grupo... Em grupo, tem troca. Isso vai ser bom para a minha vida. É uma família que está se formando. Eu sempre tive essa coisa de proporcionar. Sempre hospedei pessoas na minha casa por um mês, dois meses. Viajo e fico na casa das pessoas. Na verdade eu não mudei meu estilo de vida - diz Thalma. - Só resolvi juntar tudo. O que eu quero para mim? Eu quero fazer música, fazer teatro, dar festas, fazer shows, receber pessoas e conviver com gente de todo tipo. Estou concentrando tudo isso num espaço. Aqui é o lugar onde eu moro, o lugar onde eu trabalho, onde eu recebo os amigos... Em vez de bancar um apartamento, um escritório, alugar estúdio para gravar... Entende?
Cibelle pode ficar no Brasil
A casa de Thalma é uma ideia gestada no Skype. De um lado, Thalma, conectada no seu antigo apartamento, no Bairro Peixoto, no Rio. Do outro, Cibelle, a cantora paulistana que surgiu ao lado de Suba (1961-1999), no CD "São Paulo confessions", em sua casa no Leste de Londres, onde viveu os últimos oito anos. As duas ficaram amigas durante o TIM Festival de 2007, Cibelle sempre insistindo na ideia do coletivo. Não conseguia entender como as pessoas no Brasil ainda podiam viver tão "burguesamente", "cada um no seu apartamentozinho, com a sua TV a cabo e sua internet". Desde que se mudou, Cibelle mora - ou morava, ela ainda não sabe responder se, de fato, voltou para o Brasil - numa casa com seis artistas, que funciona como residência, ateliê, galeria de arte e estúdio de gravação. O endereço da cantora na capital inglesa fica nos arredores de Brick Lane, uma rua que é símbolo, justamente, de vida alternativa.
- Toda vez que eu vinha ao Brasil, ficava azucrinando as pessoas. Não entrava na minha cabeça a maneira como ainda se vive aqui. Em agosto de 2010, vim mostrar uma instalação numa galeria de São Paulo. Vim de artista plástica, imagina. Muito louco. Um dia cruzei a com Thalma e a Iara (Rennó, cantora paulistana) num boteco. Falamos da ideia de ter uma casa assim no Brasil: uma casa da galera. Enchi o saco delas. Quando voltei para Londres, continuamos via Skype - conta Cibelle. - Acho que em setembro, não me lembro bem, a Thalma falou: "Achei uma mansão em Santa Teresa, com estúdio. Você vem?" Eu respondi: "Gata, estou só esperando alguém tomar essa iniciativa. Tô indo." Tenho total a onda desse tipo de existência coletiva. Mas não tenho a natureza de organizar. Minha função é ligar as pessoas, tacar lenha na fogueira.
A casa tornou-se poesia concreta em novembro. Thalma pegou a chave e se mudou para lá. Cibelle chegou um mês depois, 19 de dezembro.
- O bom é que a Cibelle me legitima. Eu sei que não parece mais maluquice fazer isso. Mas, de certa forma, a Cibelle ajuda a legitimar, sim. Quero estar no Brasil, não quero morar fora. não quero o estilo de vida do Brasil. O individualismo is over - comenta Thalma.
E Cibelle arremata, botando na mesa o imprescindível quando o assunto é comunidade:
- Para não ter treta, põe uma faxineira e faz a vaquinha das compras. Se você quer ter as suas coisas, põe o seu nome na sua caixa de leite. Na minha casa em Londres é leite coletivo, café coletivo, açúcar coletivo e chá coletivo. O resto, cada um tem o seu gosto.
Atualmente, residindo na casa estão Thalma, Cibelle, Iara Rennó e Gabriel Martins, ilustrador de São Paulo. A cantora pernambucana Karina Buhr ficou uma temporada em janeiro. A família de Thalma também, além de dezenas de amigos, alguns com a mochila nas costas, de passagem pelo Rio, como Marina Gasolina, ex-Bonde do Rolê, que hoje é vizinha de Cibelle em Londres e se despediu na última quinta-feira, dia 27.01. Nos fins de semana a casa enche, principalmente aos domingos, quando rolam as jams. Aí é piscina, música, encontros. Boa parte dos músicos da nova geração dá pinta por lá, os paulistanos e os cariocas. Thalma faz questão: a casa é uma ponte Rio-São Paulo. Com o mundo. O francês Vincent Moon, film-maker independente, conhecido pela junção de cinema e música em pequenos filmes de arte, passou o mês de janeiro inteiro por lá. Ele, que já trabalhou com artistas como Tom Jones, R.E.M e Arcade Fire, filmou Ney Matogrosso na piscina.
- A casa materializa coisas em que eu estava pirando também: tocar junto, cantar, compor... A primeira vez em que eu fui lá foi no aniversário de Cibelle, no dia 2 de janeiro. A Thalma está fazendo uma coisa muito legal: um lugar onde a gente pode se hospedar e fazer as coisas acontecerem - diz Karina Buhr. - Voltei várias vezes, passei depois uns dias seguidos. Estou com planos de ficar mais no Rio. Estamos gravando as brincadeiras. Disso pode sair coisa boa.
Parcerias já estão surgindo. Thalma e Iara, que está com um disco pronto, "Oriki", compuseram a música "Amor imenso", e vão cantar juntas no show de Thalma no Solar de Botafogo, quarta-feira. Cibelle e Iara andam dando canjas pelas festas da cidade. Cibelle começou a produzir um novo trabalho, com Pedro Bernardes, que chama de homem-banda. Diz que encontrou um cara que é só plugar na tomada. Santa Teresa é uma festa.
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