Sugestão de cinema: 'La Teta Asustada' abre amanhã ciclo “Cinemateca Próximo Futuro”
O filme peruano vencedor do Festival de Berlim em 2009 e nomeado para os Oscares em 2010, La Teta Asustada, é projectado esta terça-feira, às 22h, no Anfiteatro ao Ar Livre da Fundação Gulbenkian.
Reza a lenda peruana que, nos anos em que as guerrilhas espalharam o terror e a morte pelo país, as mulheres que engravidaram transmitiram o medo das violações e dos abusos às filhas através do seu leite materno. Fausta, uma jovem nascida nesses tempos, terá contraído esta “doença” a que chamam “la teta asustada”, e assim permanece como memória viva desse horror. A realizadora peruana Claudia Llosa aborda de forma crítica na obra La Teta Asustada uma época negra da história do seu país onde, entre 1980 e 2000, já foram registados cerca de 70 mil assassinatos, bem como inúmeras violações, raptos e outros abusos de direitos humanos.
Como metáfora da sociedade actual peruana, o filme descreve com mestria a dor de um país, ao lidar com os seus traumas e os seus mortos: trailer para ver aqui.
La Teta Asustada é o segundo filme de Claudia Llosa, que venceu em 2009 o Urso de Ouro no Festival de Berlim e, em 2010, se tornou o primeiro filme peruano nomeado para os Oscares, na categoria de Melhor Filme Estrangeiro. A actriz principal, Magaly Solier, também obteve várias distinções com este trabalho.
Este é pois o filme escolhido para abrir o ciclo de cinema que o Programa Próximo Futuro apresenta este Verão, com exibições a começarem sempre às 22h e no mesmo local de amanhã
O Próximo Futuro é um programa de cultura contemporânea da Fundação Gulbenkian, que se dedica à investigação e criação artística na Europa, na América Latina e Caraíbas, e em África. Neste âmbito promove concertos, teatro, dança, música, cinema e conferências.
Este ciclo, intitulado “Cinemateca Próximo Futuro”, prossegue na quarta-feira, dia 23, com a primeira parte do filme sul-africano When We Were Black, que conta a história de um jovem tímido que descobre o amor durante a luta anti-apartheid, em 1976, nas ruas do Soweto.
As sessões prosseguem até dia 10 de Julho e incluem filmes do Chile, Peru, Colômbia, México, Brasil, Moçambique, África do Sul, Mauritânia e Reino Unido, produzidos entre 1997 e 2009.
Para ler mais sobre cada filme em cartaz, clique no link abaixo para expansão do texto.
PROGRAMAÇÃO
22 de Junho Terça
La Teta Asustada, de Claudia Llosa
(Perú, 2009)
Um filme da realizadora peruana Claudia Llosa (Lima, 1976), cuja história parte do facto da jovem Fausta (Magaly Solier) acreditar na lenda de ser portadora de uma doença rara, chamada "teta asustada", transmitida pelo medo e sofrimento através do leite materno, porque a sua mãe foi estuprada por terroristas num momento muito difícil no Peru, na década de 1980. A partir desta história, a realizadora desenvolve uma narrativa que assenta nos mecanismos ambíguos de distância e de proximidade, que condicionam todo o comportamento da protagonista. Guardar distância para conservar a autonomia, a frágil segurança, os seus recursos como pessoa e como trabalhadora; procurar a proximidade face à comunidade a que pertence, aos ritos populares de identificação, à beleza estonteante da natureza. Um filme de encantatórias imagens e de uma interpretação excelente de Magaly Solier. “La Teta Asustada” ganhou o Urso de Berlim de 2009 e foi seleccionado como candidato ao Óscar de 2010, para filme estrangeiro. Estreia comercial em Portugal a 1 de Julho pela Midas Filmes.
23 de Junho Quarta
When we were black (parte 1), de Khalo Matabane
(África do Sul, 2006)
24 de Junho Quinta
When we were black (parte 2), de Khalo Matabane
(África do Sul, 2006)
Filme composto por uma série de quatro episódios, de 48 minutos cada, apresentados em dois dias, dada a sua extensão. O realizador sul-africano Khalo Matabane (n.1975) conta, nesta mini-série, a história verídica de um adolescente negro que, apaixonado por uma jovem activista política e para ganhar a sua afeição, entra no mundo da luta revolucionária contra o apartheid. Este seu envolvimento político terá, como consequência, a sua morte precoce a 16 de Junho de 1976, uma data simbólica para a comunidade negra sul-africana. Através desta narrativa, a série conduz-nos tanto ao ambiente da luta anti-apartheid, como ao ambiente social e político, da moda e do pensamento sul-africano, expressos nas ruas do Sowetto por jovens de sapatos brilhantes, de verniz, e calças reluzentes, dançando ao som dos Teenage Lovers, The Beaters, The Movers e dos Flaming Souls, assim como de Stevie Wonder, Marvin Gaye e Aretha Franklin, com penteados afro e com a palavra de ordem «I’m Black and I’m Proud». A série foi seleccionada como Special screenings de INPUT 2007, na Suíça, e foi ganhadora de sete prémios, incluindo o de melhor série dramática de Televisão e de Realização pela South African Film and TV awards.
29 de Junho Terça
Los Viajes del Viento, de Ciro Guerra
(Colômbia, 2009)
Ignacio Carrillo viajou toda a vida pelas aldeias e regiões do Norte da Colômbia, levando consigo música e canções tradicionais no seu acordeão, um instrumento lendário que dizem estar amaldiçoado, por já ter pertencido ao diabo. Carrillo foi envelhecendo, casou e assentou com a sua mulher numa pequena cidade, deixando para trás a sua vida nómada. Quando ela morre de repente, Carrillo decide fazer uma última viagem ao extremo Norte do país, para devolver o acordeão ao homem que lho tinha dado, o seu professor e mentor, para que nunca mais volte a tocar nele. No caminho, junta-se a ele
Fermín, um adolescente que sonha em tornar-se um “juglar” como Ignacio e viajar por todo o lado a tocar acordeão como ele. Cansado da sua solidão, Ignacio aceita a companhia e juntos começam a viagem de Majagual, Sucre, até Taroa, para lá do deserto Guajira, encontrando pelo caminho a enorme diversidade da cultura caribenha e sobrevivendo a todo o tipo de aventuras. Ignacio tenta convencer Fermín a optar por outra via na sua vida, porque aprendeu que esta só leva à solidão e à tristeza, mas terá de enfrentar o facto de que o destino tem planos diferentes para ele e para o seu discípulo.
30 de Junho Quarta
Voy a explotar, de Gerardo Naranjo
(México, 2008)
Quando sabemos que Naranjo foi ele próprio um jovem rebelde em Salamanca, cidade onde nasceu e onde fundou um cineclube universitário chamado “Zero de Comportamento”, título de uma pequena peça de Jean Vigo sobre rebeldia, não nos surpreende que este filme seja sobre jovens rebeldes. Há realizadores assim, capazes de se apropriarem dos géneros cinematográficos mais díspares e de fazerem um filme que depois só podia ser deles! Com o mexicano Gerardo Naranjo, e com este seu filme de 2008, confirmamos o que ele sabe da história do cinema - viu tudo, passa dias a ver dvds e, quando esteve em Lisboa, passou os dias na Cinemateca a ver filmes portugueses - como conhece as técnicas do melodrama, da nouvelle vague, do cinema alemão dos anos 70, os filmes de aventuras, os westerns, etc... E quando transporta algumas destas técnicas para o seu cinema, elas fazem todo o sentido. “Voy a explotar” é um filme de acção, da aventura de dois jovens mexicanos - Roman e Maru - que querem fazer uma revolução nas suas vidas, mas não querem ir a lado nenhum. É um filme cheio de grandes planos, combinados com sequências velozes, com uma câmara perseguindo cada gesto dos personagens, invadindo o interior dos livros, dos revólveres, das camas ou da tenda de campismo montada num terraço de uma rica Villa da Cidade do México, onde se esconde o casal aventureiro. Ainda a saírem da adolescência, mas já desiludidos em relação ao seu futuro, Roman e Maru são a confirmação de que todo o sonho pode ser vivido, mas que todo o sonho tem um preço. “Voy a Explotar” é um dos mais importantes filmes da nova cinematografia mexicana.
1 de Julho Quinta
Paseo, de Sergio Castro San-Martin
(Chile, 2009)
Um filme com cerca de uma hora de duração, mas que é imenso. Começa por ser um road-movie, através da auto-estrada que liga Santiago ao norte do país, circulando no sopé da cordilheira. Uma mãe leva o seu filho adolescente a ver o pai, de quem se separou há dez anos. São poucos os diálogos, apenas os essenciais, curtos e directos. O som que acompanha todo o filme é uma partitura cuidadosamente elaborada a partir dos ruídos da auto-estrada, do latido de cães, do som da siderurgia onde trabalha o pai, do chapinhar da água no lago, do som das ondas do Pacífico (como deve ser frio este mar ao ouvir este som), do arfar de desejo do adolescente. O resultado e a interiorização do filme no espectador é subtil na forma e cúmplice na interioridade. Mais uma vez (como em muita da cinematografia chilena), o pai está ausente e é a mãe que toma as decisões. Nesta narrativa surpreendente, depois de ter levado o filho a conhecer o seu pai, a mãe acaba por partir sozinha, deixando-o entregue ao pai num dia em que este ensina o filho a disparar a sua carabina. Prémio do Júri do Festival de Cinema do Chile de 2009 – Sanfic5 - e seleccionado para os mais importantes festivais de cinema independente.
6 de Julho Terça (sessão dupla)
Trilogia das Novas Famílias, de Isabel Noronha
(Moçambique, 2008)
Se ainda faz sentido falar de “cinema-verdade” – e não é por acaso que evocamos este género defendido por Godard já em Moçambique, em 1976 –, esta trilogia tem toda a legitimidade para o reclamar. São três documentários realizados por Isabel Noronha (Maputo, 1964), em Moçambique, sobre a vida de crianças que foram abandonadas, mas para quem viver não deixou de ser uma vontade. Mas, porventura, tão ou mais importante do que as narrativas construídas sobre as crianças, são as personagens, que, do meio da comunidade onde pertencem, decidem cuidar delas e ampará-las no seu dia-a-dia. Em contextos particularmente difíceis de sobrevivência, a intervenção generosa e comovente destas mães ou irmãs adoptivas é um contributo para a crença na sobrevivência de uma geração órfã e de um país ainda muito novo.
Peões, de Eduardo Coutinho
(Brasil, 2004)
Em 1979 e 1980, os operários da indústria metalúrgica do ABC paulista protagonizaram um movimento grevista que mudou a face do sindicalismo brasileiro, forneceu as bases para a criação do Partido dos Trabalhadores e fez emergir no cenário nacional a figura do líder operário Luís Inácio Lula da Silva. “Peões” é um documentário de longa-metragem sobre a história pessoal de 21 trabalhadores que tomaram parte nos acontecimentos daquele período, mas permaneceram num relativo anonimato. Para chegar a essas pessoas, o documentarista Eduardo Coutinho (São Paulo, 1933) realizou um trabalho de investigação a partir de fotografias e filmes da época, em busca de indivíduos que aparecessem naquelas imagens, mas que não tivessem ascendido na burocracia sindical, nem se tornado políticos conhecidos. Conversou com quase 50 pessoas, das quais 21 aparecem no filme. Falam das suas origens, da sua participação no movimento e dos caminhos que as suas vidas trilharam desde então. Recordam essa data, os sofrimentos e recompensas do trabalho nas fábricas, comentam sobre o efeito da militância política no âmbito familiar, dão sua visão pessoal de Lula e dos rumos do país. As filmagens realizaram-se entre 28 de Setembro e 27 de Outubro de 2002, ou seja, entre as vésperas da primeira volta das eleições presidenciais e o dia exacto da segunda volta, quando Lula foi eleito Presidente. Mas “Peões” não trata de dirigentes sindicais nem de políticos profissionais, mas de operários cuja militância no movimento foi uma questão de puro envolvimento pessoal de que resultou um facto histórico incontornável.
7 de Julho Quarta
Black Gold, de Marc Francis e Nick Francis
(Reino Unido, 2006)
As multinacionais do café dominam os nossos centros comerciais e supermercados e comandam uma indústria avaliada em mais de 80 mil milhões de dólares, fazendo deste produto a mercadoria comercial mais valiosa do mundo a seguir ao petróleo. Nós, consumidores, pagamos bem os nossos galões e cappuccinos, mas, os cultivadores de café, continuam a receber tão pouco deste valor que muitos se vêem forçados a abandonar os seus campos. É na Etiópia, berço da cultura do café, que o paradoxo se torna mais evidente. Tadesse Meskela tem como missão salvar da bancarrota 74 mil cultivadores em luta. Enquanto estes homens se esforçam por colher café da mais elevada qualidade do mercado internacional, Tadesse percorre o mundo à procura de compradores dispostos a pagar-lhes um preço justo. No contexto da passagem de Tadesse por Londres e Seattle, percebe-se o enorme poder dos negociantes multinacionais que dominam o negócio mundial do café. Os commodity traders de Nova Iorque, o comércio internacional de café e as negociatas dos líderes do comércio, na Organização Mundial do Comércio, representam bem os vários desafios que Tadesse enfrenta, na demanda por uma solução duradoura para os seus agricultores.
8 de Julho Quinta
Soy Cuba - O Mamute Siberiano, de Vicente Ferraz
(Brasil, 2004)
Este filme de Vicente Ferraz (Rio de Janeiro, 1965) conta a fascinante história do filme “Soy Cuba”, de Mikhail Kalatozov, primeira e única co-produção entre Cuba e a extinta União Soviética. Em 1962, a União Soviética, uma das maiores interessadas no sucesso e difusão da Revolução Cubana, envia para Cuba um de seus grandes cineastas, Mikhail Kalatozov (que poucos anos antes havia ganho a Palma de Ouro em Cannes, com o filme “Quando Voam as Cegonhas”), com a missão de realizar o que seria um grande poema épico. Kalatozov contou com recursos humanos e tecnológicos, como foi raro acontecer na História do Cinema. Foram dois anos de filmagens, que resultaram em algumas das mais impressionantes imagens cinematográficas. Apesar disso, o filme foi um retumbante fracasso, tanto em Cuba como na União Soviética, tendo sido de imediato arquivado até que, mais de 30 anos depois, Francis Ford Coppola e Martin Scorsese o resgataram do esquecimento. O documentário de Vicente Ferraz utiliza a clássica estrutura de entrevistas e imagens de arquivo para contar a história dessa produção, da sua idealização, ao reconhecimento tardio.
9 de Julho Sexta
Luanda Rostov, de Abderrahmane Sissako
(Mauritânia, 1997)
O realizador mauritano Abderrahmane Sissako (n.1961) regista, neste filme, a sua viagem por uma Angola que a guerra dilacerou, supostamente à procura de um velho amigo, mas, na verdade, tentando recuperar a esperança que ele próprio criara por África. Sissako conta que a independência de Angola, em 1975, representou, para si, um novo recomeço de África. Nos anos 80, como tantos jovens africanos, partiu para a União Soviética, atrás de formação técnica e política, e lá conheceu um angolano, Baribanga, cuja confiança no futuro do seu país encarnava a esperança que Sissako depositava em todo o continente. Mas os anos de guerra civil que se seguiram, entre facções angolanas apoiadas cada uma pela sua superpotência, além das outras catástrofes que se abateram sobre África, arrasaram o optimismo da geração de Sissako. “Rostov-Luanda”é pois uma expressiva resposta à desilusão que encontramos em muitos filmes africanos recentes, como “Afrique, je te plumerai”, “Udju Azul di Yonta” e “Tableau Ferraille”. “Rostov-Luanda” é também um filme construído em torno da ausência. A inapreensibilidade do seu tema, manifesto num tropo pós-moderno, recentra a nossa atenção no cineasta e na sua resposta – ou falta dela – ao meio envolvente, ao impremeditado. Assim, em “Rostov-Luanda”, o ’tema’ desliza continuamente da procura de Baribanga para o encontro de Sissako, com a realidade angolana dos anos 90.
10 de Julho Sábado
Tamboro, de Sérgio Bernardes
(Brasil, 2009)
Documentário de Sérgio Bernardes (Rio de Janeiro, 1944) sobre o Brasil na sua diversidade cultural, geográfica e social. Trata-se porém de um documentário-ensaio, onde as intervenções de Leonardo Boff, Rose Marie Muraro, Aziz Ab´Saber e Ailton Krenak, entre outros, e as diversas participações especiais de músicos como Hermeto Pascoal, grupo Afroreggae, Velha Guarda da Portela, Seu Jorge e repentistas nordestinos, fazem dele um dos mais passionais documentos visuais sobre o Brasil, apresentado como um continente de natureza e culturas únicas. Dele disse o muito criterioso crítico de arte e curador Luiz Camillo Osorio: «Desde Glauber-Oiticica-Tropicalismo poucos artistas conseguiram pôr o Brasil a pensar-se a si mesmo. Sergio Bernardes é um artista-visionário e, nesta obra, o que menos importa é o que já se sabe, viu e ouviu, mas sim tudo que ainda está para ser dito/visto/ouvido. O cineasta percorreu o Brasil por dentro e pelas beiradas e sabe da sua inviabilidade maravilhosa».
CINEMATECA PRÓXIMO FUTURO
Anfiteatro ao Ar Livre da Fundação Gulbenkian
22h | Preço: 3 euros
Posted by por AMC
on 19:16. Filed under
cultura,
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