Relatório do Banco de Portugal prevê que "as famílias vão empobrecer mais, mas isso é um mal menor"
Leio no jornal i:
As famílias portuguesas vão sentir este ano a dureza de uma crise sem precedentes, mas o Banco de Portugal (BdP) argumenta que essas dificuldades são como um mal necessário.
Segundo a instituição ainda governada (até 31 de Maio) por Vítor Constâncio, é condição necessária que os portugueses empobreçam, atravessem o deserto do desemprego, suportem spreads mais elevados nos empréstimo e paguem a redução do défice público para saírem desta crise mais fortes e confiantes. O BdP considera bastante provável que tudo isto venha a acontecer. Mas, continua, só assim se atingirá aquilo a que chama "crescimento sustentável", uma situação em que os bancos vão poder, finalmente, voltar a vender crédito mais barato e de forma regular à economia. Se as famílias não fizerem sacrifícios - se não "mudarem de vida", como disseram vários banqueiros, recentemente - nada feito. O mesmo se aplica às empresas, também elas a braços com uma dívida recorde, com falta de encomendas e com uma situação algo incerta em muitos dos principais parceiros estrangeiros. Espanha é disso exemplo.
O relatório semestral sobre a estabilidade financeira do mercado português constata tudo isso e também que as famílias estão cada vez mais endividadas.
Aliás, o rácio que mede o peso do endividamento está no valor mais alto de sempre (138% do rendimento disponível em 2009), sendo o quarto mais elevado num grupo de 16 países europeus em 2008. Isto com a agravante de, ao contrário do que acontece na Holanda, os portugueses estarem amarrados a contratos de taxas de juro variáveis e a um mercado de trabalho bastante hostil Quando as taxas de juro do BCE começarem a subir (em 2011, provavelmente) e com a economia a carregar um fardo de 10% de desemprego, a situação poderá agravar-se ainda mais.
Mas este ano as dificuldades já serão de mais. Nisso o BdP vai directo ao problema: "As perspectivas para a actividade económica no futuro próximo continuam, todavia, muito incertas, e não se antecipam, a curto prazo, acréscimos de rendimento disponível real similares ao verificado em 2009. Pelo contrário, as restrições orçamentais da generalidade das famílias tenderão a acentuar-se face às expectativas quanto à evolução débil do mercado de trabalho e à necessidade de acelerar o processo de consolidação das finanças públicas. Poderá assim ocorrer uma deterioração da situação financeira deste sector a curto prazo, o que deverá reflectir-se num acréscimo do respectivo incumprimento junto do sistema bancário."
O BdP constata ainda que o "downgrade, nos primeiros meses de 2010, das notações de rating da República Portuguesa e dos bancos portugueses" vai implicar ainda mais dificuldades na disponibilidade de dinheiro. "Este quadro tenderá a repercutir-se nas condições de concessão de crédito, designadamente através de um aumento dos spreads, em conjugação com uma maior selectividade na aprovação de crédito ao sector privado não financeiro."
