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«OPA, monopólios e apetites no Brasil»

por Miguel Pacheco

"O governo não poderá dar maior apoio a Portugal do que sustentar esta OPA." "Não acredito numa OPA", mas se acontecer, "o Estado deve accionar a golden share". Belmiro de Azevedo e Ricardo Salgado. A Sonae em 2006, o BES em 2010. Quatro anos separam estas duas frases, mas mesmo com um rio pelo meio, o salva- -vidas é o mesmo: o Estado, a golden share e o poder público na actividade económica. Mas vamos por partes. Ontem, depois da Telefónica ter ameaçado com uma OPA hostil à PT, os accionistas-base (Estado, BES) refilaram contra a "pesporrência " e fidalguia a Espanha. A bem do país, a golden share deve ser usada, mesmo que isso dê todos os argumentos para que a novela se arraste. Se a OPA contra a Portugal Telecom aparecer, é provável que o Estado português recorra à golden share. Se isso acontecer - e porque Bruxelas é contra direitos especiais - Espanha terá o argumento perfeito para invocar um atropelo à concorrência comunitária. É nesse pântano movediço que se move a Telefónica: abrir a guerra, criar o precedente e esperar pelos frutos a prazo. Há seis anos, aquando da OPA da Sonaecom, o Estado conseguiu assistir ao milagre de ver chumbar a operação sem entrar em campo. Hoje isso será mais difícil: 1) a PT tem accionistas não-core que vêem com óptimos olhos um encaixe financeiro em época de crise; 2) o desespero de crescer no Brasil pode levar a Telefónica a subir a parada.
Neste pântano perigoso, ainda há Sócrates (hoje à tarde com Lula), Zapatero (mais dependente do Brasil que nunca) e Lula (que com 5% ao ano de crescimento e 188 milhões de clientes tem tudo na mão. O Brasil, personificado pela Vivo nesta OPA à PT, tornou-se a pílula mágica para dois vizinhos ibéricos em clara crise de receitas de exportação. Quando Murteira Nabo, então chairman da PT, comprou a Vivo, poucos imaginavam que tivesse um papel tão vital - e que evitasse que a prazo a PT ficasse igual aos CTT (com pouco mercado para tanta ambição). Hoje, a Vivo ameaça dar OPA e não há solução mágica que trave o apetite externo. Sem accionistas, resta o Estado. E com o Estado vem a perturbação da ideia de que a concorrência na UE deve ser mantida a todo o custo. É esse o paradoxo mal resolvido: desejar que o mercado flua quando esse mercado é fruto de anos de desequilíbrio. Telefónica, France Telecom, Deutsche Telecom - todas são sinónimo de monopólios alimentados para proteger interesses nacionais. De certa forma, ainda são: só em França a golden share desapareceu - e rapidamente o Estado comprou 26,97 % da France Telecom. Até os mais liberais concordariam que livre concorrência não é um atributo por si - deve ser trabalhada para ser eficaz. A PT, que durante anos construiu lucros distorcidos pela falta de concorrentes, vê-se agora na iminência de ser engolida por um monstro parecido. Para já tem accionistas com margem financeira para aguentar. E a crença firme de que tudo isto passa de um acto de desespero.

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