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Livro | AfroReggae nas favelas do Rio


Dia de sol no Rio de Janeiro não é novidade, assim como tampouco é inusitada a cena que vem acompanhada com os raios ultravioletas. Basta caminhar pela Zona Sul da cidade para se deparar com a imagem: jipes parados no trânsito com as caçambas lotadas de pessoas extremamente brancas e de olhos claros, que buscam uma sombra debaixo do abrigo de chapéus, bonés e tolhas, numa tentativa de evitar a radiação solar. O destino é o mesmo de sempre, as favelas cariocas situadas na parte nobre da cidade, mais "tranqüilas" se comparadas às comunidades que formam Complexos do Alemão e da Maré, por exemplo. A tranqüilidade do “Favela Tour” pode ser atrativa para os turistas gringos que têm vontade de conhecer a parte pobre da cidade, porém ela, muitas vezes, maquia a realidade violenta dos morros, velha conhecida dos brasileiros. É justamente este ambiente que compõe o cenário da história do AfroReggae, exposta agora mundo afora sob o olhar de dois estrangeiros, que não visaram dar voz aos criminosos, mas sim expor o movimento que serve de exemplo ao proporcionar alternativas para jovens sem perspectiva.
O livro Cultura é a nossa arma: AfroReggae nas favelas do Rio apresenta um relato do cotidiano de violência e aflição das favelas cariocas e do trabalho da ONG AfroReggae, criada em Vigário Geral - favela situada entre a Av. Brasil e a Linha Vermelha, próxima a Duque de Caxias, no Grande Rio - após a chacina de 1993, quando 21 moradores foram executados por um grupo de extermínio. O AfroReggae proporciona atividades artísticas e educativas para jovens moradores de comunidades dominadas pelo tráfico de drogas. Escrita pelos ingleses Patrick Neate e Damian Platt, coordenador de relações internacionais do grupo, a obra foi lançada no Brasil em 2008, pela editora Civilização Brasileira, e acaba de ganhar sua versão internacional, em inglês, pela Penguin Books.
Os autores acompanharam as ações do grupo no final de 2005, entrevistando integrantes do grupo, profissionais de segurança, mídia e política. Este conteúdo está diluído em 238 páginas, juntamente com olhar de estranhamento dos autores, atento para situações intensas e características das favelas, que podem, muitas vezes, passar batidas, se vistas por quem convive com a violência diariamente. Um exemplo é a simplicidade com que Leida, moradora da favela da Rocinha, conta sua operação de segurança durante a noite de ano novo. Ela e o marido festejam na laje de sua casa até as 23:55, hora em que descem para o andar mais baixo para se proteger dos tiros que dividirão espaço no céu, juntamente com os fogos, cinco minutos mais tarde.
Entretanto, o livro não aborda somente da violência que ronda as comunidades pobres, aterrorizando mães, que temem que seus filhos sejam recrutados para a criminalidade e assassinados na guerra entre traficantes, milicianos e a polícia. A obra é otimista, porém realista ao focar no cotidiano das favelas, divulgando o trabalho de desenvolvimento social e educacional do grupo AfroReggae, a importância dos resultados obtidos pela ONG em cada favela e explicando o conflito gerado pelo tráfico de drogas no Rio de Janeiro para os que não são familiares com a situação. Os autores se preocupam em dar um tom mais pessoal ao relato, fazendo uso dos depoimentos coletados e explicando como funciona a vida em lugares comandados por poderes paralelos. A obra utiliza um vocabulário recheado de gírias, comum no ambiente que é descrito. Na versão em inglês, algumas gírias e nomenclaturas aparecem em português, com sua tradução no rodapé da página. Neate e Platt afirmam na “Nota do autor”, que utilizaram este recurso porque “o português possui nuances que desafiam a tradução e também porque é melhor para se ler desta maneira”.
Além disso, os autores não deixaram de relatar episódios marcantes para a imprensa brasileira, como a mencionada, chacina de Vigário Geral, em 1993 e a morte do jornalista Tim Lopes, em 2002.
O Grupo Cultural AfroReggae foi fundando em janeiro de 1993 com o intuito de transformar a realidade de jovens moradores de favelas à partir do uso da educação, arte e cultura como instrumentos de inclusão social. O jornal AfroReggae Notícias (1992) serviu como abre-alas do projeto, distribuído gratuitamente, se tornando um canal de discussão e debate de idéias e problemas que afetavam a vida de negros e pobres. Um mês após a chacina de Vigário Geral, os produtores do pequeno jornal comunitário chegaram à comunidade oferecendo oficinas de percussão, dança afro, capoeira e reciclagem de lixo para os moradores. Desde sua criação, o AfroReggae investe no potencial dos jovens das favelas, proporcionando atividades construtivas em áreas marcadas pela violência e o tráfico de drogas. Ao longo dos 17 anos de existência, o projeto busca diminuir a diferença social existente entre os moradores do Rio de Janeiro, dando acesso a aulas de percussão, teatro, circo, grafite e dança, maneiras de ocupar o tempo e o pensamento dos jovens e minimizar o contato com a criminalidade.
Atualmente, o AfroReggae está presente nas comunidades de Vigário Geral, Parada de Lucas, Complexo do Alemão, Cantagalo e Nova Era. A ONG desenvolve ainda o projeto “Conexões Urbanas”, que visa integrar as favelas com o resto da cidade, por meio de atividades que valorizem a riqueza cultural da periferia e quebrando paradigmas e diminuindo o preconceito. Fazem parte deste projeto uma série de shows, considerado o maior circuito gratuito nas favelas da cidade, uma revista e um programa de televisão homônimos, no ar às 23h30 dos domingos, no canal a cabo Multishow [assista à alguns trechos abaixo] e programas de rádio no Rio de Janeiro (Oi FM, MPB FM, 107 FM, Roquette Pinto), São Paulo (Eldorado FM) e Porto Alegre (Ipanema FM).
Entre as novidades, uma é aguardada com expectativa na comunidade: o Centro Cultural Waly Salomão, que homenageia o poeta e parceiro do grupo desde o começo. Além de abrigar a sede do Núcleo do AfroReggae na comunidade, o Centro Cultural Waly Salomão será um centro de excelência e de qualificação em música, dança, teatro e batidas eletrônicas. Com quatro andares, a construção, de cerca de 1,3 mil metros quadrados, terá curadoria do sociólogo Hermano Vianna e projeto do designer Luiz Stein. O espaço contará com salas de aula, recursos multimídias, auditório, laboratório de informática (que será também uma lan-house), atendimento social e psicológico, e irá funcionar 24 horas, oferecendo uma série de opções de cultura e lazer. "A proposta é atrair os jovens para atividades culturais e, com isso, afastá-los da ociosidade", informa o site da ONG.
O centro cultural conta ainda com um estúdio de gravação, uma midiateca e uma sala de cinema que vai exibir simultaneamente filmes nacionais em cartaz no circuito. Além do governo do estado, a realização das obras do CCWS contou com o patrocínio do BNDES, Petrobras e dos Institutos Unibanco e Rukha, enquanto que Adidas, Canal Futura, Natura e Red Bull serão mantenedores do espaço.
"A idéia é que o lugar seja um centro cultural para toda a cidade e não só para Vigário Geral. Haverá uma agenda intensa de programação, para trazer pessoas de todos os cantos para cá. Uma das metas do Centro Cultural Waly Salomão é reunir, num só lugar, pessoas das mais diferentes partes da cidade", diz o coordenador do núcleo do AfroReggae em Vigário Geral, Vitor Onofre.

por Vinicius Valente



Confira o
site oficial do AfroReggae
AfroReggae na Saraiva.com.br

Assista ao trecho inicial do documentário Favela rising, de Matt Mochary e Jeff Zimbalist , e disponível no Saraiva Digital



Assista à alguns trechos do programa Conexões Urbanas







Posted by por AMC on 12:38. Filed under , , , . You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Feel free to leave a response

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