'Topos': dos bancos tikuna em São Gabriel da Cachoeira a Cochabamba, no coração dos Andes
Na última semana tenho pensado muito acerca da simbologia dos lugares e da forma como o topos de cada coisa a pode influenciar profunda e decisivamente.
No outro dia comentava aqui, a propósito do Seminário Manejo do Mundo que reuniu os povos indígenas do Alto Rio Negro, que o encontro em São Gabriel da Cachoeira aconteceu na grande maloca da comunidade e que os participantes se sentaram em velhos bancos tikuna, dispostos em círculo. Era assim que costumava acontecer, sempre que os sabedores ancestrais necessitavam de partilhar, reflectir, debater sobre alguma questão importante. Quem esteve presente pode perceber que esse simples facto foi um auxiliar precioso ao fluir das ideias e da conversa porque, permitindo a identificação, ajudou a que caciques e pajés assumissem um papel equiparável. Tenho a certeza que essa disposição, essa forma de ocupação e assumpção do espaço, foi determinante para que o seu contributo ganhasse em riqueza, transparência, espontaneidade e lucidez.
Algo análogo me parece ter sucedido com a conferência que decorreu na Bolívia. Ao marcar o encontro em Cochabamba, no coração dos Andes, o debate foi de certa forma recolocado no cerne daquele que é e deve ser o seu genuíno foco. Quer se queira quer não, é diferente pensar o ambiente entre o aço incorruptível de um edifício de Copenhaga ou sob o céu aberto de uma cordilheira rente ao tecto do Mundo. É diferente a percepção, como é diferente a predisposição que se tem nos corredores higiénicos e numa sala climatizada de Copenhaga, ou num anfiteatro ao ar livre, em meio à paisagem dos Andes. Ao conforto e à protecção reinante opõe-se a beleza esmagadora da Natureza e fica-se subitamente mais exposto e mais de frente para a fragilidade do equilíbrio e o horror causado pela 'simples' ideia de o imaginar rompendo-se.
O fracasso conhecido a Copenhaga pode bem ter sido circunstancial, ainda que olhando friamente não almeje grande diferença de contexto que explique ser hoje outra a possibilidade de estabelecer acordos há três meses impossíveis. É igualmente óbvio que a desilusão mundial da Cimeira repercute no sentimento global de urgência, clamando por uma actuação mais eficaz e consequente.
Não desprezando o detalhe capital de uma se ter centrado num diálogo entre os líderes dos mais influentes governos do mundo e a outra ter privilegiado como interlocutores a população civil e os diversos agentes actuantes que se colocam no terreno e na linha da frente da questão das alterações climáticas, estou em todo o caso convencida que o entorno dos dois encontros explica em boa medida a abissal diferença de comprometimentos alcançados em Copenhaga e em Cochabamba.
Seja como for, uma conclusão é indesmentível: a acção desencadeada pela aliança dos povos indígenas conseguiu estabelecer metas e propostas reais que a dos presidentes eleitos do mundo se revelou totalmente incompetente para alcançar ou sequer mediar.


