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O Fórum da Sustentabilidade de Manaus e a história do índio Xacriabá: «O Mundo já está se acabando!»



Tenho estado a acompanhar atentamente o I Fórum Internacional da Sustentabilidade que está a decorrer, entre os dias de ontem e hoje, na cidade de Manaus.
É grande o frou e o corropio, até porque a organização comandada pelo João Dória Jr. conseguiu atrair à boca da Floresta Amazónica um conjunto de participantes e conferencistas VIP que todos querem ver  e sentir de perto: o líder mundial e prémio Nobel da Paz, Al Gore, ex-vice-presidente dos Estados Unidos; Thomas Lovejoy, o cientista e ecologista norte-americano, pioneiro na pesquisa da Amazónia; o realizador James Cameron, responsável por blockbusters como Titanic e Avatar... enfim. Olhando o fusué de imprensa e a multidão de público, tenho dado comigo a desejar: oxalá, todos quisessem tanto ouvir o que trazem para dizer como tocá-los e arrancar um autógrafo.
Observando a plateia, descubro investidores e empresários importantes, representantes de grandes grupos económicos e de diversos quadrantes da sociedade civil. Ontem, o governador do Amazonas, Eduardo Braga, anfitrião do evento, defendia na abertura a importância de quem conhece a Amazónia no esboço a traçar para lhe garantir a sustentabilidade. Olhando novamente em redor, não consegui evitar que a dissonância que percepciono no Fórum desde o primeiro instante não resulte ainda mais gritante ao escutar as suas palavras. Vejo muito pouco, quase nada, das gentes da Floresta por aqui. Onde estão os representantes dos ribeirinhos e dos povos indígenas, onde estão esses nascidos e criados na Grande Mata Verde, os que a habitam e conhecem como mais ninguém?
Ao meu lado alguém argumenta que o Fórum se destina, neste ponto do campeonato, à alta finança que investe ou tem potencial para investir na região. O argumento não me serve para atenuar a dissonância face à tese de Eduardo Braga. Novamente, fico eu a cogitar, parece que é sempre mais importante reunir quem pode do que quem sabe. E lá sigo, interrogando-me sobre a eficácia e a utilidade de um debate que deixa de lado os que poderiam ajudar na busca das soluções almejadas, contribuindo com o conhecimento profundo que têm da realidade em apreço.
Talvez por isso me tenha também lembrado deste vídeo já antigo, que faz parte de um acervo maior onde se registaram algumas histórias que correm na memória e no legado oral da tradição dos índios Xacriabá.
Nessa, em particular, uma jovem do povo Xacriabá narra o conto do índio que vivia a repetir que «o mundo está se acabando!», para grande irritação dos vizinhos que tinham que o escutar todo o santo dia.
Tomando de perto os alertas que já desfilaram pelo Fórum, não podia vir mais a propósito, sendo que talvez ainda ajude a explicar porque razão os americanos preferiram uma segunda dose de Bush a Al Gore, naquela ida corrida presidencial que acabou amargando ao Mundo inteiro e não apenas e só aos Estados Unidos.
São na verdade muitas as vozes que há décadas se levantam em nome do risco que pende sobre a Amazónia e o Planeta. Muitas. Incansáveis, infatigáveis, incessantes, porventura até impertinentes como a do índio da história. Ontem, no Hotel Tropical Manaus, onde o encontro decorre, não foi diferente. Ainda esta semana a FAO, o organismo das Nações Unidas para a área da agricultura e das florestas, divulgou o relatório de 2010, cujas conclusões finais só estarão disponíveis lá para Outubro, um documento elaborado por mais de 900 especialistas com base na análise de 178 países e que, de cinco em cinco anos, torna público o diagnóstico do desmatamento no Mundo. Os dados mostram que embora tenha diminuído prossegue a «um ritmo alarmante».
No vídeo, a dada altura, a rapariga índia Xacriabá que narra a história comenta o seguinte: «o arrependimento quando vem com uma atitude já é uma boa mudança».
Leio o relatório, escuto as palestras do Fórum e sigo desejando: oxalá os sinais de arrependimento fossem mais visíveis! É que olhando a inércia e o entorpecimento mundial, de a última Cimeira de Copenhaga é paradigmática, não se fica com tanta certeza assim. Ainda ontem, por exemplo, diversos empresários presentes na plateia objectavam desconhecer a forma de explorar a Amazónia de modo sustentável, deixando no ar uma sensação de descrença e desconfiança que não augura nada de bom. Pelo menos num futuro próximo que, ainda por cima se sabe e quer urgente.
E estava eu a remoer esta apreensão testemunhada por lá, quando outra vez me veio à ideia um trecho deste vídeo.
Ao lado da jovem Xacribá, há um caboclo velho que a câmara mal deixa pressentir na imagem e que escuta em silêncio a narrativa do índio que vivia a importunar os vizinhos com a repetição da profecia de que o tal do mundo «está se acabando». Lá para o final – e só no final – o caboclo velho faz notar a sua presença para introduzir um sublinhado, tão subtil quanto direito ao osso. E quando a jovem Xacribá faz mais uma vez eco da perplexidade e se pergunta porque razão não fazemos nada se "o Mundo está a acabar", ele abre finalmente a boca e diz simplesmente: «porque se você mostrar o problema mas não dar uma solução para resolver ele, não adianta você mostrar. A gente só pode mostrar um problema que a gente tem um pouquinho de uma solução para ele.Porque se você tem um pouquinho, o outro tem outro e o outro tem outro, ela já fica grande, e aí é um meio que pode acabar com o problema!».

Eh!... o Fórum prossegue hoje com mais ilustres, inclusive com Kofi Anan a juntar-se à lista de conferencistas. Mas não é necessário esperar pelo seu desfecho, nem pelos compromissos que vierem ou não a ser acordados na sequência, para lamentar a ausência de outros digníssimos participantes. Como a jovem Xacriabá que narra a história do índio e o caboclo velho que faz seguir ao silêncio palavras e hipóteses sábias.


* este vídeo integra a Mochila Florestal ProCerrado, do IPCP, um projecto que visa a recuperação do Cerrado do Brasil através da criação de sistemas agroflorestais próprios.

Posted by por AMC on 11:54. Filed under , , . You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Feel free to leave a response

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