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«Há todo um mundo lá fora e eu aqui fechado?»



É difícil não escrever. Após ler a notícia publicada no i intitulada ‘Largaram a casa e o emprego para conhecer o mundo’ senti-me na obrigação de partilhar um pouco daquilo que eu próprio acabo de viver. Eu também senti a necessidade de quebrar a rotina e ir por aí, por este mundo fora. E fui.
Tal como estes meus companheiros de viagem de quem fala a notícia, com os quais nunca tive o prazer de me cruzar, também eu coloquei há um ano a vida toda dentro de uma mochila, dizendo adeus a trabalho, amigos, família, e parti atrás de um sonho, pelas estradas da América do Sul. “Eu também quero!”, diziam muitos. “Tanto tempo sozinho, não te aborreces?”, outros duvidavam. “E vais viver de quê?” perguntavam os cépticos. Mas fui, não hesitei, tinha de ir.
Afinal foram demasiados os dias a perguntar-me entre quatro paredes: “Se há todo um mundo lá fora, porque estou eu aqui fechado?” Foram 10 os meses passados a viver cada minuto, de cada minuto, para cada minuto. E sabem que mais? Cada minuto conta mesmo. Pelo caminho fui juntando sentimentos, imagens, experiências que me vão acompanhar para sempre e que quis ir partilhando. Assim o fiz por palavras no blog que fui escrevendo, assim o faço agora também. Exorto todos a partir! Se sentem vontade, desejo, ânsia de ir, então encham a mochila de sonhos e vão. O dia de voltar chega, mas não se preocupem com as portas que se fecham, viajar pelo mundo abre demasiadas janelas.

Luis Miguel Portela



2010-02-06
Largaram a casa e o emprego para conhecer o mundo
Nem os portugueses estão habituados nem as empresas receptivas a aceitar o período sabático. Há quem corra esse risco. Sem arrependimentos.
Joana Valente parte na segunda-feira para a América do Sul. Deixou o trabalho e, nos próximos seis meses, vai viajar sem destino. É a pausa que a advogada de 28 anos decidiu fazer antes de ser demasiado tarde, mas não faz ideia do que irá acontecer quando regressar a Lisboa. São poucos os portugueses que decidem tirar um período sabático para viver novas experiências e dar um novo rumo às suas carreiras. O hábito está mais generalizado nos países anglo-saxónicos, onde a prática é obrigatória. "Não é muito comum no nosso país, mas em empresas americanas, por exemplo, o período sabático faz parte do percurso profissional da maioria dos quadros", conta Ana Tereza Maçarico, directora de recursos humanos da Novabase. A falta de tradição é uma razão, mas a escassez de profissionais qualificados é outro motivo para as empresas portuguesas serem pouco receptivas às regras anglo-saxónicas: "Aqui os empregadores investem muito na carreira de um quadro e têm dificuldade em substituí-lo. Isto acontece apesar de se reconhecer que as competências técnicas são muito importantes, mas as capacidades emocionais é que fazem a diferença." Os que decidem fazer uma pausa nas carreiras têm de assumir os riscos de não regressar tão cedo ao mercado de trabalho. Conheça três histórias com um final feliz e outra com o desfecho em aberto.

Viajar é bom e regressar é ainda melhor
RAQUEL E RICARDO NOGUEIRA

idade 41 e 42
profissão produtores de televisão
ano sabático 1997
Em 1997, Raquel e Ricardo trabalhavam 16 horas por dia - ele como chefe de câmara e ela na pósprodução de televisão. Tinham uma casa nova em Lisboa, que usavam só para dormir: "O trabalho e o dinheiro são viciantes", justifica Raquel. O ritmo manteve-se inalterável até receberem uma visita inesperada de uma amiga que esteve um ano na Austrália e com muitas histórias para contar: "Mal ela se foi embora concluímos que estávamos a precisar de uma experiência igual àquela." Em seis meses venderam a casa, o carro, terminaram os contratos e passaram os 11 meses seguintes a percorrer a Ásia até assentarem na Austrália, onde ficaram meio ano: "Comprámos casa, arranjámos trabalho, mas ao fim de um tempo sentimos saudades da Europa." Decidiram regressar. Voltaram a vender a casa, o carro e chegaram a Lisboa. A próxima viagem já tem destino e data. Em Junho partem para Moçambique. Desta vez não vão vender a casa. É o único bem que vão manter porque, explica Raquel: "Gostamos de viajar, mas gostamos mais ainda de voltar."

Um vício que se aprende com os estudantes ingleses
ALEXANDRE BARBOSA

idade 26
profissão professor/fotógrafo
ano sabático 2009
Afinal há uma vantagem em ser professor contratado. O ano passado Alexandre não se candidatou ao concurso nacional; em vez disso, desafiou a mulher a fazer uma viagem de nove meses pelo continente asiático. Em 60 dias fecharam a casa de Lagos e partiram com duas mochilas. Alexandre tem alguma prática nestas aventuras. Estudou em Londres e aprendeu com os estudantes britânicos como era fácil largar tudo e viajar: "Cheguei a Portugal com 22 anos e fui logo trabalhar como gestor financeiro numa multinacional." Ao fim de dois anos e meio despediu-se e dedicou-se ao ensino: "Na transição dos dois empregos dei uma volta ao mundo em 80 dias." Mas foi a última experiência que mais marcas deixou: "Eu, que sempre fui uma pessoa introvertida, passei a ter mais amigos." O segredo está num vício que ganhou enquanto conviveu com os asiáticos: "Habitueime a sorrir sempre que estou na rua." O gesto mudou a ideia que tinha de si próprio: "Afinal o problema de não ter amigos era meu."

Primeiro destino está marcado. Depois logo se vê
JOANA VALENTE
idade 28
profissão advogada
ano sabático 2010
Joana tratou de tudo: desvinculou-se da sociedade de advogados, arrendou a casa a uma amiga e avisou aos pais que vai estar a viajar durante os próximos seis meses. Daqui a dois dias estará a caminho da América do Sul. A Patagónia é o primeiro destino, onde irá trabalhar como voluntária durante 30 dias para uma organização não governamental. Depois logo se vê: "O plano é saltitar à procura de programas na área do desenvolvimento local."
Uma viagem longa foi um projecto adiado até hoje. Por demasiado tempo: "Quem me conhece até estranhou por não ter tomado esta decisão mais cedo." Joana foi deixando o tempo passar até as campainhas soarem: "Se não for agora, será mais difícil quando tiver mais encargos." De vez em quando surge a dúvida: "É claro que me preocupa não saber como será a minha vida quando regressar." Tem medo, mas a vontade de partir é ainda maior que o medo: "É como querer chegar à outra margem: se não largarmos o ponto de partida, nunca lá chegaremos." É um salto no escuro que Joana sempre quis dar.

Uma viagem tem tanto peso como o currículo
RODRIGO COSTEIRA
idade 28
profissão advogado
ano sabático 2006
Ricardo teria atirado tudo para trás das costas assim que acabou o curso. Em vez disso, seguiu o conselho dos pais e esperou dois anos até completar o estágio e inscrever-se na Ordem dos Advogados. Cumprido o objectivo, deixou a sociedade onde trabalhava e partiu com a namorada para descobrir o mundo. Regressou a Lisboa 12 meses mais tarde pronto para competir no mercado de trabalho. Enviou os currículos para cinco empresas e em todas as entrevistas a primeira pergunta foi a mesma: "Queriam saber o que aprendi na viagem." O ano sabático de Ricardo teve tanto peso como as habilitações académicas. Sobreviver com um orçamento baixo, não saber onde dormir na noite seguinte, desembaraçar-se depois de ser assaltado na Argentina, viajar em autocarros sobrelotados na China e demorar um dia a percorrer 200 quilómetros numa estrada boliviana são competências que não teria desenvolvido sentado a uma secretária: "A determinação e o risco são características muito apelativas para os empregadores."


Posted by por AMC on 20:09. Filed under , , . You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Feel free to leave a response

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