Pilar del Rio, a imagem do dia, o amor maior de Saramago
A esposa de Saramago, Pilar Del Río, no velório do escritor. foto: Augusto Finfer
Leio na Agência EFE:
O corpo de José Saramago foi cremado neste domingo na capital lusa junto a uma edição do livro Memorial do Convento, uma de suas obras fundamentais e graças à qual conheceu a sua esposa, Pilar del Río. A obra foi colocada junto ao féretro por Eduardo Lourenço, contemporâneo de Saramago e considerado um dos intelectuais portugueses mais destacados do século XX. Lourenço entregou o livro, com lágrimas nos olhos, a Pilar del Río e escreveu algumas palavras que ninguém leu, já que foi depositado e fechado junto ao féretro na Prefeitura de Lisboa.
Blimunda, a protagonista de Memorial do Convento, é um dos personagens femininos mais importantes criados por Saramago. Em 1986, Pilar del Río, na ocasião uma jovem jornalista que trabalhava em Sevilha, comprou o livro e gostou tanto que o presenteou às melhores amigas, comentando sua grande vontade de conhecer esse homem capaz de tocar tanto a alma feminina através de Blimunda.
As cinzas de Saramago repousarão em breve em um lugar de Lisboa ainda não revelado, mas é desejo de sua viúva que seja um local onde seus leitores possam sentar para ler suas obras. Familiares, inúmeros amigos, intelectuais e autoridades lusas assistiram às honras fúnebres do escritor, que morreu na sexta-feira, aos 87 anos, em sua casa da ilha canária de Lanzarote (Espanha).
(...)
Recordo um recorte de jornal antigo:
Por acaso, claro. Ela que se lembra de "estar a par de todas as novidades literárias" nunca tinha ouvido falar de José Saramago até uma certa tarde de 1986, em que foi com umas amigas a uma livraria: "Vi um livro chamado O Memorial do Convento, e achei curioso o título. Li uma página, li o arranque, comprei, fui para casa e devorei-o".
Regressou à livraria de Sevilha e comprou todos os Saramagos traduzidos: "Quando acabei de ler O Ano da Morte de Ricardo Reis foi uma comoção muito forte e decidi fazer o que não tinha feito nunca, senti a necessidade de seguir aquele itinerário lisboeta, senti que tinha a obrigação moral de dizer a José Saramago o que tinha experimentado com a obra. Um autor só acaba a sua obra quando o livro é lido e entendido. E eu queria dizer-lhe: completou-se o ciclo, li-o e entendi-o então, vim com o meu livro e com O Livro do Desassossego do Pessoa". Aterrou na portela com o número de telefone de Saramago no bolso.
...os dois se encontram...
Estamos portanto em 1986, numa altura em que o romancista Saramago ainda está suficientemente disponível para ser ele a ir ter com a jornalista espanhola que lhe telefonou, entusiasmada. Aí vai ele a caminho do hotel Mundial, imprevidente, sem saber o que pode resultar de "tomar um café". Com Pilar: "Eu estava no quarto, desci, saí do elevador e vi um senhor alto... não sei porquê tinha imaginado um homem baixo...apertámos as mãos, apanhámos um taxi, fomos ao cemitério dos Prazeres, ao túmulo de Pessoa, lemos um fragmento de Pessoa, voltámos ao hotel num táxi e despedimo-nos à porta, com um aperto de mãos".
Não foi apenas isto, foi também o encontro entre dos marxistas convictos: "Falámos de política, do que se passava na Europa, e demo-nos conta de que estávamos no mesmo sítio, que os dois éramos marxistas, os dois éramos comunistas e aos dois nos interessava literatura". Pilar Del Rio lembra-se de ter regressado a casa "com uma estranha paz".
...se casam...
Na manhã seguinte Saramago telefonou-lhe para o hotel, a pedir-lhe a morada. "Eu regressei a Sevilha, ele enviou-me alguns livros... clássicos portugueses, enviei-lhe algumas críticas... eu não sabia nada da sua vida, nem ele da minha, porque não tínhamos falado das nossas vidinhas... e então, um dia, ele escreveu-me uma carta a dizer que, se as circunstâncias da minha vida o permitissem, iria visitar-me. E as circunstâncias da minha vida permitiam-no."
Um ano depois estavam juntos, no ano seguinte casaram, em Lisboa. "Não tive dúvida nenhuma em vir viver para Lisboa. Não tive nenhum problema de adaptação, quando vim para cá, vim para minha casa."
In O Público, "O folhetim de Pilar del Rio", 17 de Outubro de 1998
Documentário inédito conta história
de amor entre Saramago e esposa
'José e Pilar', da produtora O2, narra paixão por mulher 28 anos mais jovem. Para diretor do filme, escritor português não era incendiário, era apenas lúcido.Saramago e Pilar (à direita), com a equipe por trás do documentário 'José e Pilar'. foto: arquivo pessoal.
“Se eu tivesse morrido aos 63 anos antes de lhe ter conhecido, morreria muito mais velho do que serei quando chegar a minha hora”. É assim, a partir de uma bela declaração de amor de José Saramago à esposa Pilar Del Río, que o diretor português Miguel Gonçalves Mendes inicia o filme 'José e Pilar', documentário inédito com data de estreia prevista para Novembro no Brasil.
O longa, que levou três anos de filmagem, é um retrato íntimo do escritor - que morreu nesta sexta-feira (18), aos 87 anos - ao lado da jornalista espanhola, 28 anos mais jovem. Os dois se conheceram em 1987 e, segundo Mendes, completavam-se. “Ela lhe deu uma segunda vida. Ela é lutadora, vive a batalha de mudar o mundo, enquanto ele era português: melancólico, sereno... Uma combinação perfeita”, resume o cineasta, em entrevista por telefone ao G1.
O documentário tem como ponto de partida a criação do romance “A viagem do elefante”, de 2008, e termina na viagem de divulgação dele no Brasil. Mas, como o título sugere, o filme é sobre José e Pilar que, de tão apaixonados, tiveram seus nomes escolhidos para batizar duas ruas que se cruzavam na cidade portuguesa de Azinhaga, terra natal de Saramago.
"Quero, sobretudo, que as pessoas os vejam como eu os vejo e partilhar com todos e de uma forma condensada o saber que eles possuem. Qual a sua visão do mundo e em que é que acreditam. No fundo quero que quem assista a este filma sinta que conheceu de uma forma muito íntima estas duas pessoas, que são brilhantes", explica.
Mendes explica que o “José e Pilar” também relata a origem pobre de Saramago até os anos mais recentes, de agenda atribulada. “Sua saúde estava muito debilitada na época das filmagens. Eu mesmo não imaginava que conseguisse terminar o livro. Ele não só o fez como escreveu outro, ‘Caim’, o que só mostrava a sua força”, explica.
Durante a entrevista, Mendes teve dificuldades para falar sobre o escritor. Comentou que, apesar de Portugal estar em luto, Saramago foi muito injustiçado em seu país ao ser chamado de ateu e comunista.
"Algumas pessoas dizem que José era um incendiário. Mas Saramago não era incendiário, era simplesmente lúcido! E tentou, dentro do possível, melhorar o mundo através do impacto que as suas opiniões podiam ter naqueles que as ouvissem. Ao contrário da arrogância que algumas pessoas afirmavam, ele será de uma doçura e simpatia incríveis. Para não falar no seu sentido de humor, que é brilhante. Mas, como dizia, ele não tinha culpa da cara que tinha”.
“José & Pilar” é uma produção da brasileira O2 Filmes (de Fernando Meirelles) com a espanhola El Deseo e deve ser lançado simultaneamente no Brasil, Portugal e Espanha em 16 de novembro, dia de aniversário do autor.
Velório na Espanha e em Portugal
O corpo de Saramago está sendo velado desde a tarde de sexta-feira em uma biblioteca que leva o seu nome na cidade de Tías, na ilha canária de Lanzarote. O prefeito José Juan Cruz decretou três dias de luto.
No sábado, os restos mortais de Saramago devem ser transportados a Lisboa por um avião enviado pelo governo português. Em cortejo fúnebre, o corpo será levado até o Salão de Honra da Prefeitura de Lisboa, onde permanece até domingo, quando será cremado no cemitério do Alto de São João, na capital portuguesa.
De acordo com a agência de notícias EFE, é possível que parte de suas cinzas seja enviada a seu povoado natal, Azinhaga, em Portugal, e a outra parte fique em sua casa de Lanzarote, no arquipélago espanhol.
A escritora Nélida Piñon, que está na Espanha, vai representar a Academia Brasileira de Letras nos funerais do escritor. Na noite sexta-feira, autoridades do governo português declararam luto oficial de dois dias pela morte do escritor.
Problemas de saúde
Segundo Pilar del Río, Saramago passou mal após tomar o café da manhã e recebeu auxílio médico, mas não resistiu e morreu. Ele sofria de leucemia e, nos últimos anos, havia sido hospitalizado em várias oportunidades devido a problemas respiratórios.
"Hoje, sexta-feira, 18 de junho, José Saramago faleceu às 12h30 horas [horário local] na sua residência de Lanzarote, aos 87 anos de idade, em consequência de uma múltipla falha orgânica, após uma prolongada doença. O escritor morreu estando acompanhado pela sua família, despedindo-se de uma forma serena e tranquila", diz uma nota assinada pela Fundação José Saramago e publicada na página do escritor na internet.
# Clique aqui para assistir ao trailer do filme
via G1
Posted by por AMC
on 23:34. Filed under
coisas que dão que pensar,
cultura,
ESPUMAS,
gente que vale a pena,
made in portugal,
mire-se naquelas mulheres,
palavras dos outros,
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.
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