Houve um blogue que previu a crise da zona euro. Ninguém ligou
por London Thomas Jr
Edward Hugh anteviu a crise do euro em textos que publicou durante anos em blogues. Não lhe deram ouvidos. Agora é convidado para dar conferências. foto: Lourdes Segade
Durante anos ninguém ligou aos avisos do tipo "o céu está prestes a cair-nos em cima" feitos por Edward Hugh, um bloguista britânico sociável e dedicado, economista autodidacta, que previu repetidamente que a zona euro não poderia sobreviver.
Vivendo uma existência bastante espartana com o seu salário de professor a tempo parcial, enviou posts sucessivos para a ciberselva. Era o cúmulo da cegueira política, alertava ele, pensar que uma sociedade envelhecida poupada como a alemã poderia coexistir com outras mais jovens e dependentes do crédito como a irlandesa, a grega e a espanhola, que com ela partilham o euro.
No entanto, agora que a crise da dívida soberana europeia está a abalar os mercados mundiais, a desvalorizar o euro quase diariamente e a lançar dúvidas sobre o futuro da união monetária, as suas substanciais elucubrações tornaram-se leitura obrigatória para todo um público influente, e cada vez mais internacional, entre o qual se contam muitos decisores da Casa Branca.
Edward Hugh tem até sido abordado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), que lhe pediu recentemente que fosse a Madrid para dar o seu contributo à análise que este organismo está a fazer da economia espanhola.
"É até muito agradável", confessa Hugh, de 61 anos, com um ar divertido, recostado num carro de luxo a caminho da sua próxima palestra, organizada pelo Círculo de Economia, um grupo de pressão empresarial de Barcelona. "Encontro-me com toda a espécie de pessoas interessantes, que me pagam para almoçar com elas."
Noutros aspectos, a sua vida mudou muito pouco. A semana passada, teve de pedir dinheiro emprestado a amigos para comprar roupa e se apresentar condignamente perante a audiência da conferência composta por políticos e executivos espanhóis. As suas fontes de rendimento ainda são sobretudo as aulas de Inglês que dá há duas décadas.
"Acho que estou em contraciclo", graceja. "Durante os anos em que o boom durou, quanto toda a gente estava a dar-se bem, eu não era ninguém."
Porém, a ideia de que um economista pode ser uma celebridade pop - nos moldes de um Nouriel Roubini (cuja previsão precoce da inevitabilidade do desmoronamento do mercado imobiliário dos EUA lhe trouxe fama e fez dele uma "marca" na consultoria internacional), ou nos de um Paul Krugman (economista, Prémio Nobel e cronista do "New York Times") - ainda não está muito arreigada na Europa, e particularmente em Espanha.
No entanto, agora que se levantam questões sobre o modo como os governos europeus poderão escapar à armadilha do endividamento e regressar a uma situação de crescimento, Hugh, que há anos pensa sobre o tema, está pela primeira vez a ser abordado para fornecer ideias e partilhar a sua sabedoria.
A sua mensagem sombria em colunas de jornais e intervenções na televisão e rádio locais, bem como em reuniões com responsáveis governamentais, é quase sempre a mesma: uma vez que a Espanha e outros países da zona euro como a Grécia, Portugal, a Irlanda e a Itália não podem desvalorizar unilateralmente a divisa comum, resta-lhes enveredar pelo que seria, em essência, uma desvalorização interna de 20%. Isto significa que, em cada um desses países, os salários dos sectores público e privado têm de baixar aproximadamente nessa ordem de magnitude para os países poderem repor a sua competitividade, aumentar as exportações e obter o dinheiro necessário para pagarem a respectiva dívida.
"Por que razão esses países não convergiram com o resto da Europa?", pergunta o professor. "É uma questão demográfica. À medida que as populações envelhecem, vai havendo menos pessoas na casa dos 20 aos 40 a comprarem casa, por isso há mais poupança. Quanto mais jovem for um país, mais o seu crescimento depende do crédito."
A Alemanha, em que a idade média se situa nos 45 anos (e está a aumentar) e em que a população começa a diminuir, é um país de aforradores e a política governamental tem sido promover o controlo dos salários e estimular as indústrias exportadoras.
Em contrapartida, as populações da Grécia, da República da Irlanda e de Espanha, mais jovens, entraram num frenesim de endividamento, que se deveu principalmente ao aumento da procura de novas casas e de bens de consumo, que, em muitos casos, se transformaram em bolhas imobiliárias antes de rebentarem. Os salários foram impulsionados para cima, encorajando a despesa mas fazendo com que, rapidamente, as indústrias nacionais deixassem de conseguir competir com os poupados alemães, holandeses e outros europeus do Norte.
Em geral os economistas não viram o que ele considera ter sido um cenário facilmente previsível, acusa Hugh. E, acrescenta, "é por isso que estamos agora numa situação tão complicada".
A tese demográfica de Hugh não é à prova de bala: com efeito, o alvo dos seus primeiros ataques foi a Itália e não a Grécia.
Só que a Itália, talvez por causa do seu já grande nível de endividamento e do envelhecimento da população, seguiu um rumo de maior disciplina fiscal que os seus vizinhos e evitou uma bolha imobiliária.
Por outro lado, a principal solução preconizada por Hugh - a de que a Alemanha abandone o euro, o que faria cair quase imediatamente o valor da divisa, aumentando a competitividade dos países mais fracos, que permaneceriam na zona euro - tem de ser entendida mais como um post provocatório num blogue que como uma proposta séria.
Ainda assim, a súbita vulnerabilidade da zona euro e a procura desesperada de soluções por parte dos decisores políticos, investidores e economistas fizeram com que as suas obscuras divagações se disseminassem com a força de um vírus.
"Ele é uma fonte de informações que prezo muito", diz Brad DeLong, economista da Universidade da Califórnia em Berkeley, que trabalhou no Tesouro dos EUA durante a administração do presidente Bill Clinton e que é também um destacado bloguista.
Por outro lado, Hugh está decidido a resistir a algumas das novas tentações que se lhe atravessaram no caminho. Diz ter recusado ofertas lucrativas de hedge funds no sentido de fornecer consultoria exclusiva por não querer que as suas opiniões sejam monopolizadas por uma única entidade - embora diga que está a considerar o convite para integrar o grupo de consultores que trabalham para Roubini.
Natural de Liverpool, Hugh estudou na London School of Economics, mas sentiu--se mais atraído pela filosofia, pela ciência, pela sociologia e até pela literatura. O eclectismo dos seus interesses não só o impediu de obter o doutoramento como também lhe barrou o acesso a um lugar de docente a tempo inteiro.
"O director do meu departamento disse uma vez que eu era um 'ladrão' por ter aceitado uma bolsa de doutoramento e continuar a ler os livros e a frequentar os cursos da minha preferência", diz.
Considerando-se mais europeu que inglês, mudou-se para Barcelona em 1990.
Os posts no seu blogue são reflexo dos seus interesses variados. Cita frequentemente Bob Dylan, Charles Bukowski, Jean-Paul Sartre, Friedrich Nietzsche e até o comportamento social dos seus queridos bonobos (chimpazés-pigmeu), a espécie de primatas mais aparentada com o homem.
Hugh tem a aparência pálida e descuidada de quem passa, há pelo menos dez anos, 12 a 14 horas por dia em frente a um computador, mas está longe de ser um recluso. O seu feitio alegre e sociável e a sua adesão religiosa aos princípios da reciprocidade e do intercâmbio fazem dele um adepto das redes sociais. A fácil adaptação aos usos e costumes de Barcelona (fala catalão fluentemente) deu-lhe também uma rede de apoio de donas-de-casa de meia-idade, algumas das quais lhe têm proporcionado um lugar para viver sempre que ele muda de casa.
Vive actualmente numa quinta numa aldeia do Norte de Espanha, onde escreve para uma série de blogues, entre eles A Fistful of Euros, Global Economy Matters, além de outros específicos sobre determinados países, que se centram na economia do Japão, da Hungria, da Letónia e da Grécia. Contudo, mais que qualquer outra coisa, lê e reflecte.
"Na Idade Média, a curiosidade excessiva era considerada um pecado", diz ele com mais uma gargalhada. "No entanto, com a internet, acho que posso fazer o que quiser. Tenho a impressão que posso de facto fazer alguma coisa útil."
# Blog de Edward Hugh
(...)
The Blog Prophet of Euro Zone Doom
On Tuesday, demonstrators in Seville, Spain, protested government budget cuts that are intended to rein in a deficit that has rattled global financial markets. foto: Cristina Quicler
By LANDON THOMAS Jr.
Published: June 8, 2010
BARCELONA, Spain — For years, almost nobody paid attention to the sky-is-falling alarms of Edward Hugh, a gregarious British blogger and self-taught economist who repeatedly predicted that the euro zone could not survive.
Living a largely hand-to-mouth existence here on his part-time teacher’s salary, he sent one post after another into the Internet wilderness. It was the height of policy folly, he warned, to think that aging, penny-pinching Germans could successfully coexist under one currency umbrella with the more youthful, credit-card-wielding Irish, Greeks and Spaniards who shared the euro with them.
But now that the European sovereign debt crisis is rattling world markets, driving the euro lower almost every day and raising doubts about the future of the monetary union, his voluminous musings have become a must-read for an influential and growing global audience, including policy makers in the White House.
He has even been courted by the International Monetary Fund, which recently asked him to fly to Madrid to assist in its analysis of the Spanish economy.
“It’s quite nice, actually,” Mr. Hugh, 61, said with amusement as he leaned back in a plush town car that was taking him to his latest speaking engagement organized by the Círculo de Economía, an influential business lobbying group in Barcelona. “I am meeting all sorts of interesting people and they are paying me to have lunch with them.”
But in other ways, his life has changed very little. Last week, in fact, he even had to borrow money from friends to buy clothes presentable enough to allow him to address the conference of Spanish politicians and business executives. He still mostly supports himself by teaching English to locals here, where he has lived for two decades.
“I guess I am countercyclical,” he said with a laugh. “For all the years during the boom when everyone was doing well here, I wasn’t doing anything. Now I am a household name in Catalonia.”
Well, not quite. The idea of the economist as a pop celebrity in the mold of a Nouriel Roubini, whose early prediction that the United States housing market would collapse later brought him fame and a worldwide consulting brand, or a Paul Krugman, the Nobel-winning economist who writes an Op-Ed Page column for The New York Times, is still unformed in Europe and in particular in Spain.
But as questions rise over how European governments can escape their debt trap and resume growth, Mr. Hugh, who has been pondering this topic for years, is for the first time being turned to for insights and wisdom.
His bleak message, in newspaper columns, local television and radio appearances, and in meetings with officials, is almost always the same: since Spain and other struggling countries of the euro zone like Greece, Portugal, Ireland and Italy cannot devalue their common currency unilaterally, they have little choice but to endure what would essentially be a 20 percent internal devaluation instead. That means their public and private sector wages need to fall by roughly that amount if those countries are ever to restore competitiveness, lift exports and bring in the cash needed to pay down their debts.
“Why haven’t these countries converged” with the rest of Europe? he asks. “It’s demographics. As populations age, there are fewer people in their 20s to 40s to buy new houses, so they save more. The younger a country is, the more dependent it is on credit to get growth.”
Germany, where the average age is 45 and rising even as the population is beginning to shrink, is a nation of savers, and public policy has encouraged keeping wages under control and building up export industries.
By contrast, the younger Greeks, Irish and Spaniards went on borrowing binges, driven in particular by rising demands for new homes and consumer goods that, in several cases, turned into housing bubbles before going bust. Wages were pushed up, encouraging spending but soon making it all but impossible for their industries to compete with the thrifty Germans, Dutch and other Northern Europeans.
Most economists, beholden as they are to their “promiscuous but essentially useless” economic models, Mr. Hugh rails, missed what he considers an easily predictable outcome. And that, he adds, “is why we are in such a big mess now.”
Mr. Hugh’s demographic thesis is not airtight: in fact, it was Italy, not Greece, that attracted his early attacks.
But Italy, perhaps because its overall debt level was already so high and its population was older, pursued a policy of greater fiscal rectitude than its neighbors and avoided a real estate bubble.
And Mr. Hugh’s main policy proposal — that Germany leave the euro, which would almost immediately push the value of the currency down sharply, improving competitiveness for the weaker countries that remained behind — reads better as a provocative blog post than as a practical solution.
Still, the sudden vulnerability of the euro zone and the search far and wide for answers by policy makers, investors and economists have caused his once obscure ramblings to go viral.
“He is an information channel that I value a lot,” said Brad DeLong, an economist at the University of California, Berkeley, who was a United States Treasury official in the administration of President Bill Clinton and a prominent blogger in his own right.
Mr. Hugh has also attracted a cult following among financial analysts.
“Edward was writing very clearly about the imbalances in Europe and the likelihood of a crisis long before it was even on the radar screen of economists or analysts,” said Jonathan Tepper of Variant Perception, a London research firm that caters to hedge funds and wealthy investors. “He is a thinking machine.”
At the same time, Mr. Hugh is determined to resist some of the newfound temptations that have lately come his way. He said he had turned down lucrative offers from hedge funds to provide exclusive research because he did not want his views monopolized by any one entity — although he said he was considering an offer to join the stable of contributors who work for Mr. Roubini.
And when the Milken Institute — financed by Michael Milken, a felon who managed to hang on to a fortune even after having to pay a $550 million fine for his actions during the junk-bond boom of the 1980s — paid him $3,000 for a short report he did in a day on Eastern Europe, Mr. Hugh gave the money to a friend who was having trouble paying her mortgage, he said.
“I don’t want to take a check from Michael Milken, thank you very much,” he said.
Born in Liverpool, Mr. Hugh studied at the London School of Economics but was drawn more to philosophy, science, sociology and literature. His eclectic intellectual pursuits kept him not only from getting his doctorate but also prevented him from landing a full-time professor’s job.
“I was once described by my departmental professor as a ‘thief’ for accepting my doctoral grant while continuing to spend my time reading the books and attending the courses that I chose to read and that I chose to attend,” he said.
Seeing himself more as a European than an Englishman, he moved to Barcelona in 1990.
His blog posts reflect his varied interests, often citing Bob Dylan, Charles Bukowski, Jean-Paul Sartre, Friedrich Nietzsche and even the sociable behavior of his beloved bonobos, the primate species that is the closest relative to humans in the animal kingdom.
Mr. Hugh cultivates the pale and shabby look of someone who has spent 12 to 14 hours a day sitting in front of a computer for the last 10 years.
But he is no recluse. His merry, convivial spirit and his religious adherence to the principles of reciprocity and exchange have made him a social networker par excellence. His embrace of the mores of Barcelona (he speaks fluent Catalan) has given him his own support network of middle-aged housewives as well, some of whom have provided him a place to live as he moves from abode to abode.
He currently lives in a farmhouse in a village of 60 people in northern Spain, where he writes for a suite of blogs — including A Fistful of Euros, Global Economy Matters and a number of country-specific blogs that focus on the Japanese, Hungarian, Latvian and Greek economies. More than anything, though, he still mostly reads and thinks. He also maintains a vibrant Facebook page
“In the Middle Ages, curiosity in excess was regarded as a sin,” he said with yet another laugh. “But with the Internet, I feel that I can do what I like. This makes me feel that I can really do something.”
Correction: June 11, 2010
An article on Wednesday about Edward Hugh, an economics blogger who has drawn attention for his misgivings about the future of the euro zone, misstated the name of a policy research organization that paid him for a short report on Eastern Europe. It is the Milken Institute, not the Michael Milken Institute.
via The New York Times


