Clipping: a morte de José Saramago
O Público, edição de sábado, 19.Jun.2010
Cf. também:
- Presidente da República diz que Saramago será “sempre uma referência” da cultura nacional
- Primeiro-ministro: o país orgulha-se da obra de Saramago
- Jaime Gama salienta “progressão” de uma obra que permanecerá
- Gabriela Canavilhas: "A força da literatura de Saramago a todos nos enobrece"
- Igreja enaltece “grande criador da língua portuguesa” mas lamenta “balizamentos ideológicos”
- Passos Coelho lembra "obra literária intemporal" de Saramago
- CDS-PP salienta contributo de Saramago para dignificar a Língua Portuguesa
- PCP: Saramago merece homenagem de luto nacional
- Bloco de Esquerda recorda Saramago como “um escritor sempre insubmisso”
- Bandeira da Golegã a meia haste para lamentar morte de “ilustre filho do concelho"
- Reis de Espanha e Zapatero lamentam morte de Saramago
- Lula da Silva: Nação portuguesa perdeu “filho ilustre”
- Imprensa internacional destaca humanismo do escritor e lirismo da obra
- Depoimentos ao PÚBLICO sobre Saramago
«O escritor português e Prémio Nobel da Literatura em 1998 José Saramago morreu hoje aos 87 anos em Lanzarote.»
Ler no jornal “Público”.
O Clube Literário do Porto presta aqui homenagem à sua memória no momento de apresentação do seu livro “Caim”. Clique aqui.
Conversas de Escritores
Blogue do programa Conversas de Escritores da RTP N. Apresentação de José Rodrigues dos Santos. Será actualizado semanalmente com vídeos e biografias dos escritores. Ainda poderá vir a ter o texto das entrevistas escrito
José Rodrigues dos Santos
2009-11-01 00:00:00
José Saramago
Conversas de Escritores de 2009-11-01
http://ww1.rtp.pt/blogs/programas/conversasdeescritores/index.php?k=1-parte-do-Conversas-de-Escritores-de-2009-11-01.rtp&post=4291
Ler no jornal “Público”.
O Clube Literário do Porto presta aqui homenagem à sua memória no momento de apresentação do seu livro “Caim”. Clique aqui.
Conversas de Escritores
Blogue do programa Conversas de Escritores da RTP N. Apresentação de José Rodrigues dos Santos. Será actualizado semanalmente com vídeos e biografias dos escritores. Ainda poderá vir a ter o texto das entrevistas escrito
José Rodrigues dos Santos
2009-11-01 00:00:00
José Saramago
Conversas de Escritores de 2009-11-01
http://ww1.rtp.pt/blogs/programas/conversasdeescritores/index.php?k=1-parte-do-Conversas-de-Escritores-de-2009-11-01.rtp&post=4291
“"Perco um grande amigo. Perdemos todos um ser humano admirável, um escritor imenso, zelador apaixonado da língua portuguesa."
foto: Nuno Ferreira Santos
José Saramago, Prémio Nobel da Literatura 1998
Morreu o escritor que inventou Blimunda
publicado em O Público - 19.06.2010por Adelino Gomes, com Raquel Ribeiro
Foi serralheiro e funcionário público; Comunista; Amado e detestado; Começou a viver da escrita passava dos 50 anos; Conheceu Pilar já sexagenário; Recebeu o Nobel da Literatura - o único dado à língua portuguesa - aos 76 anos; Partiu ontem; Sem "nenhuma esperança"; De "mão dada" com a criança que foi numa aldeia do Ribatejo.
José Saramago, 87 anos, único escritor de língua portuguesa a quem foi atribuído o prémio Nobel da Literatura, morreu ontem, ao início da tarde, na sua na casa da ilha de Lanzarote, onde habitava com a terceira mulher, Pilar del Rio, desde que se auto-exilara de Portugal, em 1993, depois do governo português riscar o seu nome da lista dos candidatos oficiais ao Prémio Literário Europeu.
Visivelmente fragilizado desde o Verão de 2007, devido a doença cancerosa, a morte ocorreu na sequência de “múltipla falha orgânica”, segundo a Fundação José Saramago.
O Governo decretou dois dias de luto nacional, hoje e amanhã. O corpo chega hoje ao meio-dia e meia ao aeroporto de Figo Maduro, em Lisboa e será cremado no domingo.
Num documentário televisivo de Alberto Serra, estreado na RTP 1 em fins de 2008, Saramago exprimira o desejo de que o seu corpo fosse incinerado e as cinzas colocadas, sem qualquer inscrição, debaixo de uma pedra larga do jardim da casa de Lanzarote. O escritor terá mudado posteriormente este seu desejo, disse o administrador da Fundação Saramago, José Sucena, ao Público. A fazermos fé naquilo que o escritor previu em entrevistas dadas nos anos pós-Nobel, saiu “desta merda de mundo” profundamente dorido por saber que não terá “outra vida”, e sem “nenhuma esperança”. Mas saiu com a satisfação de que “disse o que queria, como queria, quando queria”, ainda que “com algumas incompreensões” de parte dos seus contemporâneos. Não partiu, contudo, apenas ele. “Quando me for deste mundo, partirão duas pessoas. Sairei, de mão dada, com essa criança que fui”, disse em 2006, referindo-se aos primeiros 14 anos de vida, profundamente ligados à aldeia natal, Azinhaga do Ribatejo.
Derradeira provocação
O seu último romance publicado em vida, Caim, foi escrito em quatro meses. Poucas semanas antes da sua saída, em Outubro de 2009, o escritor anunciou que ia deixar de publicar posts no blogue (intervenção pública a que entretanto aderira) porque começara outro livro e queria dedicar-lhe todo o seu tempo. Como se a “espécie de transe” o continuasse a possuir. Talvez mais avassaladoramente ainda, pois no livro anterior, como explicou publicamente no seu lançamento - em directo para a “página infinita da Internet”, em 25 de Junho de 2009 - ainda dizia que as 24 horas do dia lhe davam “perfeitamente” para manter a escrita de duas páginas diárias – que eram o seu regime.
Além da personagem bíblica que lhe dá o título, o livro tem como protagonistas nada menos do que a humanidade e o próprio Deus. A ideia surgira-lhe há muitos anos. As circunstâncias (ou a sua vontade?) tornaram-no o seu último livro. Como se de uma derradeira provocação se tratasse: “Que deus mande a Abraão matar o seu filho Isaac para provar a sua fé, só isto deveria apagar da nossa cabeça a ideia de Deus” (Público de 2.9.2009). Apesar de visivelmente fragilizado pela doença, desde 2007, publicará ainda A Viagem do Elefante, O Caderno e O Caderno II - estes dois últimos constituídos por textos escritos até Novembro de 2009 no blogue que levava o seu nome, blog.josesaramago.org (dois milhões de visitas nos primeiros nove meses).
A polémica irrompeu ainda antes da leitura de Caim, na sequência de declarações do seu autor, no dia do “lançamento mundial” de Caim, em Penafiel: “Caim nunca existiu”; “Sem a Bíblia seríamos outras pessoas – provavelmente melhores”; “Tudo aquilo é absurdo, disparatado”; “Um manual de maus costumes”.
Em contraste com a recepção fria dada a este e aos outros oito livros publicados depois da atribuição do Nobel da Literatura, em 1998, o seu anterior romance, A Viagem do Elefante, foi bem acolhido pela crítica portuguesa.
Uma doença de que se salvara graças à sua mulher, como escreveu na dedicatória deste livro (“ A Pilar, que não deixou que eu morresse”), interrompeu a escrita desta obra cerca da página 40, no Verão de 2007. A sua capacidade criativa pareceu ter redobrado nos anos que se seguiram, ainda que o corpo passasse a exibir marcas profundas da doença.
Individual e universal
José Saramago publicou 46 livros (16 romances, além de poesia, teatro, contos, crónicas, viagem, memória e diários), 41 dos quais na Editorial Caminho, comprada pelo Grupo Leya em 2007. Foi autor ainda dos libretos de três óperas.
A obra do escritor está traduzida em 42 línguas de 53 países. Não existem números seguros, mas dados apurados pelo PÚBLICO junto da editora, com base apenas nalguns países e regiões, apontam para próximo de 10 milhões de exemplares vendidos em Portugal (mais de três milhões), no Brasil (mais de um milhão e quatrocentos mil), em Espanha e países da América Latina (mais de quatro milhões) e nos EUA (mais de um milhão e 400 mil).
Entre as personagens mais fortes que criou, avulta, impressiva e encantatória, Blimunda, a dos poderes mágicos, imortalizada em O Memorial do Convento. O escritor e mulher deram o seu nome à residência que mantinham em Lisboa, num bairro discreto colado à Praça de Londres.
“Voz original, inconfundível “(Clara Ferreira Alves); apreciado em África como uma referência dos escritores que neste continente escrevem em português (Mia Couto elogia nesta edição o seu “empenho” em lhes dar “visibilidade”) e no Brasil como um autor em que os leitores se reconhecem como reconhecem em Vieira, Eça ou Pessoa (Eduardo Prado Coelho), o crítico literário norte-americano Harold Bloom considerou-o, em 2003, “o mais talentoso romancista vivo”. Eduardo Lourenço chama-lhe, nesta edição, um “ícone cultural português”.
No “núcleo duro” da sua obra, esteve “sempre, a preocupação com o ser humano, seja ele português ou universal” afirmando-se como “um processo de constante auto-superação estética, temática e mesmo, em certos aspectos, ideológica”, sustenta o académico Carlos Reis.
A acrescentar a estas marcas ao mesmo tempo individualizadoras e universalizadoras, eram-lhe apontadas como características singulares a escrita sem pontuação e sem maiúsculas nem discurso directo regulares; o imaginário, dominado pelo realismo fantástico; as personagens (além de Blimunda, Madalena, a quem atribui uma relação com Jesus, é também apaixonante); uma ironia permanente e acerada; e as histórias irrecusáveis. A que acrescentaremos, como motivo de fascínio junto de milhões de leitores, a forma como intervinha publicamente na defesa de grandes causas. Dos Sem Terra e do zapatismo ao movimento antiglobalização, à preservação do ambiente, à denúncia da guerra no Iraque e, mais recentemente, aos ataques frontais a Berlusconi, o primeiro-ministro italiano a quem chamava “a coisa”.
Amado e detestado
O Ministro da Cultura de Espanha, César António Molina, mostrou quanto o Estado espanhol apreciava a opção de Saramago por Lanzarote, ao referir “a sorte de podermos [os espanhóis] partilhar a existência do escritor”, na inauguração da exposição sobre a sua obra, em Novembro de 2007, na Fundação César Manrique, em Lanzarote. Molina não hesitou em dizer algo que nenhum homólogo seu de Portugal – país onde o romancista continuava a pagar impostos, mas sobre cujo futuro como nação independente expressava fortes dúvidas - se atrevera até então a dizer assim, em público: “Muitos de nós somos o que somos porque encontrámos no meio do caminho a sua obra e vida”. Numa declaração que soa hoje como epitáfio, Molina lembrou que o escritor “nunca se esqueceu de ajudar os mais desamparados e os que não têm voz e que através da sua obra ganharam um lugar”.
Antes e após a atribuição do Nobel da Literatura, em 1998, Saramago foi distinguido com muitas dezenas de doutoramentos honoris causa e proferiu centenas de conferências que atraíam multidões, especialmente nos países latino-americanos.
As suas declarações, tal como os livros, levantavam, não raras vezes, ferozes polémicas do lado daqueles que não apreciavam quer o seu estilo quer as suas posições políticas e religiosas.
O jornal oficial do Vaticano, L’Osservatore Romano, apelidou-o, na altura do Nobel, de “comunista inveterado”. Saramago retribuiu, considerando que não se podia ter confiança “nessa gente”. E que a Igreja Católica se confundiu “muitas vezes – demasiadas vezes – com uma associação de criminosos”. Não hesitou em definir-se uma vez, na Antena 2, como um “comunista hormonal” (“da mesma maneira que a barba me cresce, há uma hormona que fez de mim isto”). Tal não o impediu, porém, de preservar a autonomia de pensamento e uma liberdade crítica que, não raras vezes, o fizeram criticar figuras da iconografia comunista, como Fidel Castro, discordar de posições oficiais do PCP, e mesmo apoiar publicamente candidatos do PS (Mário Soares, nas presidenciais de 2005 e António Costa, nas autárquicas de 2009).
Muitos dos seus detractores encontravam-se em Portugal, reconhecia Saramago. “As pessoas param-me na rua. O que há é um sector oficial que realmente não tem muita simpatia por mim. E tem-no manifestado, ainda que agora já não tanto (…) Ninguém é profeta na sua terra mas também eu não quero ser isso. Provavelmente terá a ver com o público. E também com o acolhimento dos meios de comunicação”, explicou ao Público, em 2006. “Seco, duro, cara de pau, mas sentimental”, ao mesmo tempo, segundo ele próprio; generoso, segundo os amigos (que cultivava, mas em pequeno número); era comum apontarem-lhe, como principais defeitos, a vaidade e o egoísmo.
Admitia o segundo, não a vaidade. “Quando o vemos distante – e é a isso que chamam vaidade – é por um sentimento de incomodidade, de timidez, de estar a perder tempo, que para ele é um valor definitivo”, contesta a mulher, Pilar, que considerava a sinceridade e frontalidade do escritor fontes de algumas das acusações.
Infância rural
José de Sousa Saramago nasceu em 16 de Novembro (18, diz o registo oficial, erradamente) de 1922, em Azinhaga do Ribatejo, aldeia próxima da confluência do Almonda com o Tejo.
Filho e neto de camponeses sem terra, aos dois anos trocou a aldeia pela capital, acompanhando o pai, que se tornara guarda da PSP.
Viria a revelar, décadas mais tarde, no seu último livro, As Pequenas Memórias (2006), que continuou ligado até muito tarde à terra natal. Ali – “uma criança no meio do mundo olhando em redor e dizendo: ‘Estou aqui’” – sente que se construiu. Por influência inapagada dos avós maternos, com quem, já a residir em Lisboa, passou férias até ao fim da adolescência.
As origens humildes afastam-no do Liceu Gil Vicente, em que permaneceu dois anos, e conduzem-no para a Escola Industrial de Afonso Domingues, onde obtém 15 valores a Serralharia Mecânica, 15 a Francês e 11 a Português. Quedam-se por aqui as suas habilitações literárias. Tudo o mais – e foi mais do que qualquer outro escritor português do seu tempo, em termos de honrarias literárias e de reconhecimento público mundial – ganhou-o numa aprendizagem solitária, longa e persistente que o levou (observações de Gabriel Garcia Márquez no citado documentário televisivo) a começar a escrever quando os outros costumam terminar e a continuar a escrever na velhice como se tivesse 18 anos.
Depois de um primeiro emprego como serralheiro mecânico, nas oficinas dos Hospitais Civis de Lisboa, passa a auxiliar de escrita, desenhador, funcionário da Caixa de Abono de Família do Pessoal da Indústria da Cerâmica (de que será afastado em 1949, por apoiar o candidato da oposição a Salazar, Norton de Matos) e da Caixa de Previdência do Pessoal da Previdente. Torna-se colaborador de produção e, por fim, editor literário da Editorial Estúdios Cor. Traduz 48 livros entre 1955 e 1981, ano a partir do qual se dedicará a tempo inteiro à escrita literária.
Primeiro livro aos 25 anos
O primeiro livro que leu – O Mistério do Moinho, de J. Jefferson - foi-lhe oferecido pela mãe, aos 10 anos. Gostava de contar que na juventude se tornou “leitor compulsivo” na Biblioteca Municipal do Palácio das Galveias, que frequentava no período nocturno. Publicou aos 25 anos, na Minerva, o seu primeiro livro – A Viúva, reintitulado Terra do Pecado pela editora. Dois anos depois, uma editora recusou-lhe A Clarabóia, cuja publicação interditou enquanto fosse vivo. Os Poemas Possíveis, primeiro livro de poesia, é editado em 1966, pela Portugália. O segundo, Provavelmente Alegria, em 1970, na Livros do Horizonte.
No mesmo ano, a Arcádia reuniu em Deste mundo e do outro, crónicas que escrevera em A Capital e no Jornal do Fundão, num volume muito elogiado por Fernando Namora, em crítica na revista Seara Nova, de que Saramago fora colaborador entre 1967 e 1968.
Tornou-se jornalista profissional em 1972, como editorialista do Diário de Lisboa. Os textos, alguns deles notáveis, viriam a ser publicados em livro, em 1974.
Assumiu no Verão Quente de 1975 as funções de director-adjunto do Diário de Notícias. Veio a ficar ligado, no exercício deste cargo, ao processo de saneamento de 30 jornalistas, que haviam denunciado nas páginas do jornal a falta de pluralismo do matutino. O episódio imprimiu ao seu perfil uma marca de intolerância ideológica que contrasta com a tocante humanidade das grandes personagens da sua obra literária.
“Esquecimento” do PCP
A derrota da linha que apoiava sonoramente no Diário de Notícias, em 25 de Novembro, deixou-o no desemprego. Pouco depois, ao decidir procurar trabalho, constata que o PCP (partido a que aderira em 1969, a convite do director da Portugália, Augusto da Costa Dias), não o convidara para um novo projecto jornalístico já em marcha, O Diário, como fizera “a todos os outros jornalistas” que tinham saído daquele jornal.
“Na altura não gostei nada. Hoje continuo a não gostar, mas agradeço”, comentou um dia, lembrando que aquilo em que se tornou deve ter começado por alturas desses últimos dias de Novembro em que testemunhou a derrota do projecto de “construção do socialismo” de que o DN, onde exercia o cargo de director-adjunto, era “um instrumento”.
Até 1975, explicou, tinha livros mas não se via como um escritor. Decide ir para o Alentejo, aí vivendo, durante alguns anos, de traduções. Acolhido em casa por camponeses do Lavre, abre-se-lhe a porta para uma segunda vida, a da escrita literária.
Publica em 1977 o romance Manual de Pintura e Caligrafia, na Moraes Editores. Dois anos depois, A Noite, primeira de uma série de peças de teatro que inclui Que farei com este livro? (1980), A Segunda Vida de Francisco de Assis (1987) e In Nomine Dei (1993).
Em 1980, o romance Levantado do Chão, em que se liberta das regras da pontuação e das maiúsculas, substituídas por um fluir narrativo torrencial típico do discurso oral, define-lhe um estilo literário a que o Prémio Cidade de Lisboa dá maior repercussão.
Percorre o país, numa encomenda do Círculo de Leitores, de que resulta o precioso Viagem a Portugal, que Pilar del Rio considera “o livro perfeito”, apesar de “mal amado pelos media portugueses”.
Reconhecimento e exílio
Memorial do Convento, em 1982, confirma a sua forma original de narrar histórias, numa prosa “misteriosa, alusiva, poética” (Luciana Stegagno Pichio) em que se misturam erudição clássica e sabedoria popular.
O livro marca a consagração definitiva do autor no país e abre-lhe, aos 60 anos de idade, as portas do reconhecimento internacional. “É muito melhor do que O Nome da Rosa, de Umberto Eco”, chega a escrever um crítico no jornal italiano La Stampa.
Será adaptado a ópera e ao teatro, em Portugal e no estrangeiro. O autor recusa uma oferta de Hollywood para que seja posto em filme. E outra do Brasil para passar a telenovela. Segue-se, em 1986, O Ano da Morte de Ricardo Reis – para muitos dos seus leitores (parece que também para ele), o seu melhor livro.
Seis anos e três romances depois (Jangada de Pedra, História do Cerco de Lisboa e Evangelho Segundo Jesus Cristo), já famoso em Portugal e na Europa, onde multiplica edições e prémios, vê o seu nome riscado de uma lista de obras candidatas ao Prémio Literário Europeu. Decisão do sub-secretário de Estado da Cultura, Sousa Lara. O Evangelho atacava princípios que tinham a ver “com o património religioso dos portugueses”.
O acto censório leva-o a um processo de ruptura com o Governo de então, chefiado por Cavaco Silva. Fixa residência na ilha espanhola de Lanzarote, num processo de “exílio literário” que manterá até à morte, apesar de nos últimos anos ter adquirido uma pequena vivenda em Lisboa, onde se deslocava e permanecia com frequência.
“Maldição” do Nobel
Ensaio sobre a Cegueira (1995) e Todos os Nomes (1997) precedem a atribuição do Prémio Nobel da Literatura, em 1998. O primeiro virá a ser adaptado a teatro por O Bando e ao cinema pelo realizador brasileiro Fernando Meirelles, autor do filme Cidade de Deus. O segundo, nasce de uma pesquisa sobre a vida breve de seu irmão Francisco de Sousa, com vista à autobiografia que oito anos depois virá a publicar.
Como quase todos os livros anteriores, os dois títulos impuseram-se-lhe em circunstâncias nada comuns: o Ensaio, à mesa de um restaurante, quando se perguntava: “E se fôssemos todos cegos?”; o livro seguinte, no avião em que viaja para o Brasil, para receber o Prémio Camões.
Algo de semelhante acontecerá com a génese do seu penúltimo romance: em 2002, em Salzburgo, quando foi jantar a um restaurante chamado O Elefante. A curiosidade em volta de pequenas esculturas de madeira, a primeira das quais a portuguesíssima Torre de Belém, postas em fila no interior de um estabelecimento da cidade de Mozart, levou-o a troca de correspondência com uma leitora de Português na universidade local.
No material histórico por esta enviado sobre a embaixada que D. João III fez chegar ao arquiduque Maximiliano, em 1551, destacava-se um elefante trazido da Índia. A viagem de Salomão, que haveria de espantar as cortes europeias por cujas reinos a luzida delegação passaria inspirou-lhe uma história ficcionada que Pedro Mexia qualificou, nestas páginas, como “o melhor Saramago depois do Nobel”.
Ensaio sobre a Cegueira ter-lhe-á valido o Prémio Nobel de Literatura de 1998, tal a boa impressão que causou na Academia Sueca. Foi isso pelo menos o que um seu membro, o poeta e romancista Kjell Espmark, lhe revelou e Saramago contou anos mais tarde, no blogue que começou a escrever, já recomposto da doença, no Verão de 2008.
O anúncio do mais alto galardão literário do mundo foi feito, como habitualmente, em 8 de Outubro. O Nobel distinguira pela primeira vez um autor de língua portuguesa que “com parábolas sustentadas por imaginação, compaixão e ironia, continuamente nos permite captar uma realidade fugidia”. Na noite de 7 de Dezembro seguinte, em cerimónia televisionada, José Saramago apresenta-se ao Comité Nobel e ao mundo recuando a memória até aos tempos de infância: “O homem mais sábio que conheci em toda a minha vida não sabia ler nem escrever. Às quatro da madrugada, quando a promessa de um novo dia ainda vinha em terras de França, levantava-se da enxerga e saía para o campo, levando ao pasto a meia dúzia de porcas de cuja fertilidade se alimentavam ele e a mulher. (...) Chamavam-se Jerónimo Melrinho e Josefa Caixinha esses avós, e eram analfabetos um e outro. No Inverno, quando o frio da noite apertava ao ponto de a água dos cântaros gelar dentro da casa, iam buscar às pocilgas os bácoros mais débeis e levavam-nos para a sua cama. Debaixo das mantas grosseiras, o calor dos humanos livrava os animaizinhos do enregelamento e salvava-os de uma morte certa”.
Os livros que se seguem imediatamente ao mais famoso prémio literário do mundo – A Caverna (2000), O Homem Duplicado (2002), Ensaio sobre a Lucidez (2004) - são recebidos com reservas por parte da crítica portuguesa. Fala-se em “maldição do Nobel”. A série de diários Cadernos de Lanzarote é especialmente causticada pela exibição de prémios, de distinções, de ditirambos ao autor. Interrompe-a no quinto volume, publicado pouco antes da cerimónia de entrega do Nobel.
Publicado em finais de 2005, As Intermitências da Morte parte de uma hipótese improvável, neste caso impossível, tão ao gosto do escritor – um país cujos habitantes um dia deixam de morrer. O livro constitui um comovente hino testamentário (um violoncelista seduz a morte-mulher, para quem interpreta uma suite de Bach) ao amor e à música, isto é, à vida humana. Escrita “com larguíssimos intervalos” e longamente prometida sob um título que não veio a vingar (O Livro das Tentações), a autobiografia As Pequenas Memórias (1996) debruça-se sobre a infância e a adolescência, na Azinhaga e em Lisboa.
Na altura, disse-se tentado a fechar o círculo. Considerava que esgotara, de algum modo, os temas, embora, premonitório, admitisse escrever ainda “mais um livro ou dois”. Já depois do lançamento deste livro – apresentado, no São Carlos, em Lisboa, pela mulher, pela apresentadora televisiva Bárbara Guimarães e pela actriz brasileira Torloni – o escritor viria a assistir, neste mesmo teatro, à estreia de Don Giovani ou o Dissoluto Absolvido, ópera composta pelo italiano Azio Corghi sobre libreto seu.
Corghi colaborou igualmente com Saramago na ópera Blimunda, estreada no teatro Alla Scala de Milão, em 1990 (libreto extraído de O Memorial do Convento), e Divara, estreada em Münster, com base na peça In Nomine Dei. Anúncios a este livro, em 1993, foram proibidos de passar na TVI, que alegou que a peça não se inseria nos princípios da estação, então propriedade da Igreja Católica.
No Outono de 2008, evidenciando ainda fortes sinais de debilidade física, participou em numerosas sessões de lançamento de A Viagem do Elefante. Multiplica-se em entrevistas, em que conserva intacto o fio de raciocínio que lhe permitia enfrentar entrevistadores omnívoros.
O humor que nele colocou, delicia os leitores (80 mil exemplares em menos de um mês, tornando-se o livro mais vendido da quadra natalícia daquele ano) e intriga-o a ele, dadas as circunstâncias da sua criação. “Suponho que perdi uma excelente oportunidade de fazer da minha dor poesia, romance, ou, neste caso, conto, que é o que eu lhe chamo. É um bocado estranho, nem consigo explicar por que é que este livro é assim e não um reflexo do mau bocado que eu tinha passado”, disse no dia do lançamento, no Grande Auditório do Centro Cultural de Belém, em Lisboa.
Teatro e poemas inéditos
Para além da obra conhecida, a exposição A Consistência dos Sonhos, que esteve patente em Lisboa durante todo o Verão de 2008, revelou, entre outras novidades, um período “arqueológico”, “uma espécie de face oculta da lua” inspirativa do escritor. Dela constam cerca de 200 folhas manuscritas “com relatos inacabados, às vezes apenas esboçados”, identificados por títulos “certamente provisórios” – Os Emparedados, O Mel e o Fel, Rua (narrativa de quatro páginas para um romance) e O Sistema, estes dois últimos de início da década de 1950 –, como aconteceu com alguns dos seus romances da maturidade, segundo Carlos Reis, num artigo no Jornal de Letras.
O comissário da exposição, Fernando Gómez Aguilera, anota ainda quatro peças de teatro também daquela década e duas outras dos anos de 1970. Uma delas, A Lição de Botânica, representada em 1977 pelo Teatro A Barraca, apesar de nunca publicada; e 44 poemas, escritos entre 1944 e 1948. O seu valor literário é “muito relativo”, comentou o próprio Saramago e confirmou, naquele quinzenário, o comissário espanhol. Este sublinhou, porém, tratar-se dos “primeiros testemunhos da sua escrita e das suas preocupações centrais: as condições de vida das classes desfavorecidas nos bairros pobres de Lisboa, a evocação do lugar de nascimento e uma certa melancolia poética”.
O factor Pilar
José Saramago foi casado com a pintora, gravadora e escultora Ilda Reis, já falecida, de quem tinha uma filha, Violante, e viveu 16 anos com a escritora Isabel da Nóbrega (Prémio Castelo Castelo-Branco, 1965), com quem formou, segundo Fernando Dacosta, “um par fiel, glamorouso”, nos meios intelectuais lisboetas.
Aos 63 anos, “quando já não se espera nada”, encontrou “o que faltava para passar a ter tudo” – Pilar. Jornalista, Pilar del Rio chegara de Sevilha a Lisboa para fazer o percurso de Ricardo Reis, tal como descrito magistralmente pelo escritor, em O Ano da Morte de Ricardo Reis. Nada de bizarro: na semana a seguir, uma irmã e o marido fariam o mesmo; uns dias antes, tinham-no feito uns amigos. E a peregrinação prosseguiria, durante muito tempo, no seu círculo de amigos.
O café que tomaram em Lisboa e um novo encontro meses depois em Sevilha, por iniciativa de Saramago, que viajou de camioneta até lá, mudou a vida a ambos. Casaram em Lisboa, em Outubro de 1988. Ele em vésperas de fazer 66 anos, ela com 36; ambos com um casamento oficial anterior. Nunca mais deixaram de andar juntos. “Se tivesse morrido aos 63 anos, antes de a conhecer, morreria muito mais velho do que serei quando chegar a minha hora”, disse Saramago um dia, numa das várias muito belas declarações públicas de amor a Pilar.
A intensa ligação a Pilar (chegará a chamar-lhe, numa entrevista na Antena 2, o seu outro Prémio Nobel) levá-lo-á a apagar das reedições dos livros publicados até 1984 as dedicatórias a Isabel da Nóbrega: “À Isabel, sempre”, em Levantado do Chão (também dedicado a 16 elementos da União Cooperativa de Produção Boa Esperança, do Lavre, Montemor-o-Novo, que o acolheram e sem os quais, escreveu, “não teria sido escrito” o livro, mas cujos nomes foram igualmente suprimidos, ficando apenas em edição posterior, “À memória de Germano Vidigal e José Adelino dos Santos, assassinados”); “À Isabel, porque nada perde ou repete, porque tudo cria e renova”, em Memorial do Convento; e “À Isabel, outro livro, o mesmo sinal”, em O Ano da Morte de Ricardo Reis. Os adversários não lhe perdoaram a atitude. Amigos que muito o apreciam lamentaram-na profundamente.
Andaluza, a mais velha de 15 irmãos, Pilar declara-se comunista. “Ideológica e emocionalmente”. Sem prejuízo de votar “umas vezes no PSOE e noutras na Esquerda Unida” e de, em autárquicas em Portugal, se ver mais a votar em Manuel Maria Carrilho ou António Costa para assegurar que “fosse a esquerda” a governar. Tudo dito com a mesma convicção apaixonada com que confessa continuar a sentir-se, de alguma forma, “teresiana”, designação dos membros de um instituto secular ligado à figura de Santa Teresa de Jesus, que abandonou mas em cujos princípios de dedicação à vida dos outros continuou a acreditar.
Ouvi-la, por vezes, era ouvir Saramago. No conteúdo e na forma. Como quando respondeu à Pública, sobre a sua recusa em condenar expressamente o muro de Berlim: “Quero falar de todos os muros. Cada dia há mais ricos e mais pobres. O muro de Berlim, horrível, afectou muita gente. Os outros afectam milhões e milhões e ninguém fala deles. Ninguém deita abaixo os muros que separam a riqueza da pobreza”. É a tradutora para espanhol dos livros do marido — trabalho que fazia quase em simultâneo com o acto de criação do escritor. Mas assume-se como jornalista, acima de tudo. Manteve uma rubrica de intervenção cívica, durante anos, na rádio. Pôs-lhe o nome de "Blimunda não se rende".
Pilar corresponde aos elogios do marido: “É o companheiro ideal, o namorado que não desilude, o homem para compartilhar uma vida”. Entre as incumbências que competem a uma viúva, deverá agora (sugeriu Saramago numa entrevista a José Carlos de Vasconcelos, seu amigo de longa data) organizar, “para publicar”, juntando-os à obra já feita, “um ou dois” volumes com cartas de leitores, algumas delas “absolutamente extraordinárias, documentos humanos de uma profundidade, uma beleza e emoção raras”, que foram chegando “de toda a parte” ao escritor.
Provocador de ideias e céptico
Sem temer ficar isolado no debate, Saramago lançava no espaço público ideias fracturantes, quase sempre contra a corrente ou mesmo politicamente incorrectas – o voto em branco, a fusão de Portugal em Espanha, a irrelevância do 25 de Abril para atingir a democracia, a semelhança da ocupação israelita da Palestina com Auschwitz, a provocação a “deus, esse a quem chamamos senhor” e a quem “uma só criança das que morreram feitas tições em Sodoma bastaria para (…) condenar sem remissão”. Fazia-o de uma forma que surpreendia o leitor/ouvinte incauto: tirando das premissas as conclusões menos conformes com os cânones. O seu era – disse um dia numa entrevista na Antena 1 ao autor deste obituário – “o ponto de vista do galinheiro”. Referia-se aos tempos da juventude em que frequentou intensamente o Teatro Nacional de São Carlos, cujos espectáculos via, grátis, mercê da bondade de um porteiro amigo do pai. Longe e de cima (mesmo acima do “pó dos lustres” do magnífico teatro barroco), era-lhe dado ver e ouvir os espectáculos de ângulos diferentes dos que os viam da plateia ou dos camarotes, explicou.
Talvez por isso, prevalecia nele a distância do cepticismo: “tenho sempre um pé atrás [porque sei que] nada é definitivo e que o motivo do riso de hoje pode amanhã tornar-se em lágrimas”.
Não admirará assim que quando lhe perguntaram qual a personagem do século XX em que acreditava começasse por falar em Lenine, mas logo passasse a Churchil (“mas o Churchil que era trabalhista”) e se tivesse quedado em Martin Luther King, “a única ou uma das poucas figuras que poria assim em primeiro plano”. Além de Kafka, “o maior escritor” do século passado. Dotado de uma grande facilidade de expressão apesar da leve gaguez com que falava, deixou, além dos livros e das conferências, um extraordinário acervo de declarações em entrevistas.
Nelas podemos acompanhar e em certos casos completar, dito por outras palavras, normalmente mais directas, o essencial das preocupações e interrogações que foi semeando na obra literária. Sobre a democracia, a criação literária, o papel do escritor, o jornalismo, Portugal, o mundo, Deus. E sobre este mesmo acontecimento que aqui relatamos e em que é protagonista - o seu desaparecimento da terra e a perspectiva de uma outra vida, para lá da morte: “A finitude é o destino de tudo. O Sol, um dia, apaga-se”.
Fontes principais:
"Jornal de Letras", 26.3.1997; "Visão", 16.1.2003; PÚBLICO 3.4.2004, 12.11.2005, 16.1.2006, 7.11.2008, entre outros; e “Uma longa viagem com José Saramago”, João Céu e Silva, Porto Editora, 2009; várias entrevistas às Antena 1 e à Antena 2.
* Nota: texto colocado online 19.06.2010 às 07:54 e corrigido às 13h26
José Saramago, 87 anos, único escritor de língua portuguesa a quem foi atribuído o prémio Nobel da Literatura, morreu ontem, ao início da tarde, na sua na casa da ilha de Lanzarote, onde habitava com a terceira mulher, Pilar del Rio, desde que se auto-exilara de Portugal, em 1993, depois do governo português riscar o seu nome da lista dos candidatos oficiais ao Prémio Literário Europeu.
Visivelmente fragilizado desde o Verão de 2007, devido a doença cancerosa, a morte ocorreu na sequência de “múltipla falha orgânica”, segundo a Fundação José Saramago.
O Governo decretou dois dias de luto nacional, hoje e amanhã. O corpo chega hoje ao meio-dia e meia ao aeroporto de Figo Maduro, em Lisboa e será cremado no domingo.
Num documentário televisivo de Alberto Serra, estreado na RTP 1 em fins de 2008, Saramago exprimira o desejo de que o seu corpo fosse incinerado e as cinzas colocadas, sem qualquer inscrição, debaixo de uma pedra larga do jardim da casa de Lanzarote. O escritor terá mudado posteriormente este seu desejo, disse o administrador da Fundação Saramago, José Sucena, ao Público. A fazermos fé naquilo que o escritor previu em entrevistas dadas nos anos pós-Nobel, saiu “desta merda de mundo” profundamente dorido por saber que não terá “outra vida”, e sem “nenhuma esperança”. Mas saiu com a satisfação de que “disse o que queria, como queria, quando queria”, ainda que “com algumas incompreensões” de parte dos seus contemporâneos. Não partiu, contudo, apenas ele. “Quando me for deste mundo, partirão duas pessoas. Sairei, de mão dada, com essa criança que fui”, disse em 2006, referindo-se aos primeiros 14 anos de vida, profundamente ligados à aldeia natal, Azinhaga do Ribatejo.
Derradeira provocação
O seu último romance publicado em vida, Caim, foi escrito em quatro meses. Poucas semanas antes da sua saída, em Outubro de 2009, o escritor anunciou que ia deixar de publicar posts no blogue (intervenção pública a que entretanto aderira) porque começara outro livro e queria dedicar-lhe todo o seu tempo. Como se a “espécie de transe” o continuasse a possuir. Talvez mais avassaladoramente ainda, pois no livro anterior, como explicou publicamente no seu lançamento - em directo para a “página infinita da Internet”, em 25 de Junho de 2009 - ainda dizia que as 24 horas do dia lhe davam “perfeitamente” para manter a escrita de duas páginas diárias – que eram o seu regime.
Além da personagem bíblica que lhe dá o título, o livro tem como protagonistas nada menos do que a humanidade e o próprio Deus. A ideia surgira-lhe há muitos anos. As circunstâncias (ou a sua vontade?) tornaram-no o seu último livro. Como se de uma derradeira provocação se tratasse: “Que deus mande a Abraão matar o seu filho Isaac para provar a sua fé, só isto deveria apagar da nossa cabeça a ideia de Deus” (Público de 2.9.2009). Apesar de visivelmente fragilizado pela doença, desde 2007, publicará ainda A Viagem do Elefante, O Caderno e O Caderno II - estes dois últimos constituídos por textos escritos até Novembro de 2009 no blogue que levava o seu nome, blog.josesaramago.org (dois milhões de visitas nos primeiros nove meses).
A polémica irrompeu ainda antes da leitura de Caim, na sequência de declarações do seu autor, no dia do “lançamento mundial” de Caim, em Penafiel: “Caim nunca existiu”; “Sem a Bíblia seríamos outras pessoas – provavelmente melhores”; “Tudo aquilo é absurdo, disparatado”; “Um manual de maus costumes”.
Em contraste com a recepção fria dada a este e aos outros oito livros publicados depois da atribuição do Nobel da Literatura, em 1998, o seu anterior romance, A Viagem do Elefante, foi bem acolhido pela crítica portuguesa.
Uma doença de que se salvara graças à sua mulher, como escreveu na dedicatória deste livro (“ A Pilar, que não deixou que eu morresse”), interrompeu a escrita desta obra cerca da página 40, no Verão de 2007. A sua capacidade criativa pareceu ter redobrado nos anos que se seguiram, ainda que o corpo passasse a exibir marcas profundas da doença.
Individual e universal
José Saramago publicou 46 livros (16 romances, além de poesia, teatro, contos, crónicas, viagem, memória e diários), 41 dos quais na Editorial Caminho, comprada pelo Grupo Leya em 2007. Foi autor ainda dos libretos de três óperas.
A obra do escritor está traduzida em 42 línguas de 53 países. Não existem números seguros, mas dados apurados pelo PÚBLICO junto da editora, com base apenas nalguns países e regiões, apontam para próximo de 10 milhões de exemplares vendidos em Portugal (mais de três milhões), no Brasil (mais de um milhão e quatrocentos mil), em Espanha e países da América Latina (mais de quatro milhões) e nos EUA (mais de um milhão e 400 mil).
Entre as personagens mais fortes que criou, avulta, impressiva e encantatória, Blimunda, a dos poderes mágicos, imortalizada em O Memorial do Convento. O escritor e mulher deram o seu nome à residência que mantinham em Lisboa, num bairro discreto colado à Praça de Londres.
“Voz original, inconfundível “(Clara Ferreira Alves); apreciado em África como uma referência dos escritores que neste continente escrevem em português (Mia Couto elogia nesta edição o seu “empenho” em lhes dar “visibilidade”) e no Brasil como um autor em que os leitores se reconhecem como reconhecem em Vieira, Eça ou Pessoa (Eduardo Prado Coelho), o crítico literário norte-americano Harold Bloom considerou-o, em 2003, “o mais talentoso romancista vivo”. Eduardo Lourenço chama-lhe, nesta edição, um “ícone cultural português”.
No “núcleo duro” da sua obra, esteve “sempre, a preocupação com o ser humano, seja ele português ou universal” afirmando-se como “um processo de constante auto-superação estética, temática e mesmo, em certos aspectos, ideológica”, sustenta o académico Carlos Reis.
A acrescentar a estas marcas ao mesmo tempo individualizadoras e universalizadoras, eram-lhe apontadas como características singulares a escrita sem pontuação e sem maiúsculas nem discurso directo regulares; o imaginário, dominado pelo realismo fantástico; as personagens (além de Blimunda, Madalena, a quem atribui uma relação com Jesus, é também apaixonante); uma ironia permanente e acerada; e as histórias irrecusáveis. A que acrescentaremos, como motivo de fascínio junto de milhões de leitores, a forma como intervinha publicamente na defesa de grandes causas. Dos Sem Terra e do zapatismo ao movimento antiglobalização, à preservação do ambiente, à denúncia da guerra no Iraque e, mais recentemente, aos ataques frontais a Berlusconi, o primeiro-ministro italiano a quem chamava “a coisa”.
Amado e detestado
O Ministro da Cultura de Espanha, César António Molina, mostrou quanto o Estado espanhol apreciava a opção de Saramago por Lanzarote, ao referir “a sorte de podermos [os espanhóis] partilhar a existência do escritor”, na inauguração da exposição sobre a sua obra, em Novembro de 2007, na Fundação César Manrique, em Lanzarote. Molina não hesitou em dizer algo que nenhum homólogo seu de Portugal – país onde o romancista continuava a pagar impostos, mas sobre cujo futuro como nação independente expressava fortes dúvidas - se atrevera até então a dizer assim, em público: “Muitos de nós somos o que somos porque encontrámos no meio do caminho a sua obra e vida”. Numa declaração que soa hoje como epitáfio, Molina lembrou que o escritor “nunca se esqueceu de ajudar os mais desamparados e os que não têm voz e que através da sua obra ganharam um lugar”.
Antes e após a atribuição do Nobel da Literatura, em 1998, Saramago foi distinguido com muitas dezenas de doutoramentos honoris causa e proferiu centenas de conferências que atraíam multidões, especialmente nos países latino-americanos.
As suas declarações, tal como os livros, levantavam, não raras vezes, ferozes polémicas do lado daqueles que não apreciavam quer o seu estilo quer as suas posições políticas e religiosas.
O jornal oficial do Vaticano, L’Osservatore Romano, apelidou-o, na altura do Nobel, de “comunista inveterado”. Saramago retribuiu, considerando que não se podia ter confiança “nessa gente”. E que a Igreja Católica se confundiu “muitas vezes – demasiadas vezes – com uma associação de criminosos”. Não hesitou em definir-se uma vez, na Antena 2, como um “comunista hormonal” (“da mesma maneira que a barba me cresce, há uma hormona que fez de mim isto”). Tal não o impediu, porém, de preservar a autonomia de pensamento e uma liberdade crítica que, não raras vezes, o fizeram criticar figuras da iconografia comunista, como Fidel Castro, discordar de posições oficiais do PCP, e mesmo apoiar publicamente candidatos do PS (Mário Soares, nas presidenciais de 2005 e António Costa, nas autárquicas de 2009).
Muitos dos seus detractores encontravam-se em Portugal, reconhecia Saramago. “As pessoas param-me na rua. O que há é um sector oficial que realmente não tem muita simpatia por mim. E tem-no manifestado, ainda que agora já não tanto (…) Ninguém é profeta na sua terra mas também eu não quero ser isso. Provavelmente terá a ver com o público. E também com o acolhimento dos meios de comunicação”, explicou ao Público, em 2006. “Seco, duro, cara de pau, mas sentimental”, ao mesmo tempo, segundo ele próprio; generoso, segundo os amigos (que cultivava, mas em pequeno número); era comum apontarem-lhe, como principais defeitos, a vaidade e o egoísmo.
Admitia o segundo, não a vaidade. “Quando o vemos distante – e é a isso que chamam vaidade – é por um sentimento de incomodidade, de timidez, de estar a perder tempo, que para ele é um valor definitivo”, contesta a mulher, Pilar, que considerava a sinceridade e frontalidade do escritor fontes de algumas das acusações.
Infância rural
José de Sousa Saramago nasceu em 16 de Novembro (18, diz o registo oficial, erradamente) de 1922, em Azinhaga do Ribatejo, aldeia próxima da confluência do Almonda com o Tejo.
Filho e neto de camponeses sem terra, aos dois anos trocou a aldeia pela capital, acompanhando o pai, que se tornara guarda da PSP.
Viria a revelar, décadas mais tarde, no seu último livro, As Pequenas Memórias (2006), que continuou ligado até muito tarde à terra natal. Ali – “uma criança no meio do mundo olhando em redor e dizendo: ‘Estou aqui’” – sente que se construiu. Por influência inapagada dos avós maternos, com quem, já a residir em Lisboa, passou férias até ao fim da adolescência.
As origens humildes afastam-no do Liceu Gil Vicente, em que permaneceu dois anos, e conduzem-no para a Escola Industrial de Afonso Domingues, onde obtém 15 valores a Serralharia Mecânica, 15 a Francês e 11 a Português. Quedam-se por aqui as suas habilitações literárias. Tudo o mais – e foi mais do que qualquer outro escritor português do seu tempo, em termos de honrarias literárias e de reconhecimento público mundial – ganhou-o numa aprendizagem solitária, longa e persistente que o levou (observações de Gabriel Garcia Márquez no citado documentário televisivo) a começar a escrever quando os outros costumam terminar e a continuar a escrever na velhice como se tivesse 18 anos.
Depois de um primeiro emprego como serralheiro mecânico, nas oficinas dos Hospitais Civis de Lisboa, passa a auxiliar de escrita, desenhador, funcionário da Caixa de Abono de Família do Pessoal da Indústria da Cerâmica (de que será afastado em 1949, por apoiar o candidato da oposição a Salazar, Norton de Matos) e da Caixa de Previdência do Pessoal da Previdente. Torna-se colaborador de produção e, por fim, editor literário da Editorial Estúdios Cor. Traduz 48 livros entre 1955 e 1981, ano a partir do qual se dedicará a tempo inteiro à escrita literária.
Primeiro livro aos 25 anos
O primeiro livro que leu – O Mistério do Moinho, de J. Jefferson - foi-lhe oferecido pela mãe, aos 10 anos. Gostava de contar que na juventude se tornou “leitor compulsivo” na Biblioteca Municipal do Palácio das Galveias, que frequentava no período nocturno. Publicou aos 25 anos, na Minerva, o seu primeiro livro – A Viúva, reintitulado Terra do Pecado pela editora. Dois anos depois, uma editora recusou-lhe A Clarabóia, cuja publicação interditou enquanto fosse vivo. Os Poemas Possíveis, primeiro livro de poesia, é editado em 1966, pela Portugália. O segundo, Provavelmente Alegria, em 1970, na Livros do Horizonte.
No mesmo ano, a Arcádia reuniu em Deste mundo e do outro, crónicas que escrevera em A Capital e no Jornal do Fundão, num volume muito elogiado por Fernando Namora, em crítica na revista Seara Nova, de que Saramago fora colaborador entre 1967 e 1968.
Tornou-se jornalista profissional em 1972, como editorialista do Diário de Lisboa. Os textos, alguns deles notáveis, viriam a ser publicados em livro, em 1974.
Assumiu no Verão Quente de 1975 as funções de director-adjunto do Diário de Notícias. Veio a ficar ligado, no exercício deste cargo, ao processo de saneamento de 30 jornalistas, que haviam denunciado nas páginas do jornal a falta de pluralismo do matutino. O episódio imprimiu ao seu perfil uma marca de intolerância ideológica que contrasta com a tocante humanidade das grandes personagens da sua obra literária.
“Esquecimento” do PCP
A derrota da linha que apoiava sonoramente no Diário de Notícias, em 25 de Novembro, deixou-o no desemprego. Pouco depois, ao decidir procurar trabalho, constata que o PCP (partido a que aderira em 1969, a convite do director da Portugália, Augusto da Costa Dias), não o convidara para um novo projecto jornalístico já em marcha, O Diário, como fizera “a todos os outros jornalistas” que tinham saído daquele jornal.
“Na altura não gostei nada. Hoje continuo a não gostar, mas agradeço”, comentou um dia, lembrando que aquilo em que se tornou deve ter começado por alturas desses últimos dias de Novembro em que testemunhou a derrota do projecto de “construção do socialismo” de que o DN, onde exercia o cargo de director-adjunto, era “um instrumento”.
Até 1975, explicou, tinha livros mas não se via como um escritor. Decide ir para o Alentejo, aí vivendo, durante alguns anos, de traduções. Acolhido em casa por camponeses do Lavre, abre-se-lhe a porta para uma segunda vida, a da escrita literária.
Publica em 1977 o romance Manual de Pintura e Caligrafia, na Moraes Editores. Dois anos depois, A Noite, primeira de uma série de peças de teatro que inclui Que farei com este livro? (1980), A Segunda Vida de Francisco de Assis (1987) e In Nomine Dei (1993).
Em 1980, o romance Levantado do Chão, em que se liberta das regras da pontuação e das maiúsculas, substituídas por um fluir narrativo torrencial típico do discurso oral, define-lhe um estilo literário a que o Prémio Cidade de Lisboa dá maior repercussão.
Percorre o país, numa encomenda do Círculo de Leitores, de que resulta o precioso Viagem a Portugal, que Pilar del Rio considera “o livro perfeito”, apesar de “mal amado pelos media portugueses”.
Reconhecimento e exílio
Memorial do Convento, em 1982, confirma a sua forma original de narrar histórias, numa prosa “misteriosa, alusiva, poética” (Luciana Stegagno Pichio) em que se misturam erudição clássica e sabedoria popular.
O livro marca a consagração definitiva do autor no país e abre-lhe, aos 60 anos de idade, as portas do reconhecimento internacional. “É muito melhor do que O Nome da Rosa, de Umberto Eco”, chega a escrever um crítico no jornal italiano La Stampa.
Será adaptado a ópera e ao teatro, em Portugal e no estrangeiro. O autor recusa uma oferta de Hollywood para que seja posto em filme. E outra do Brasil para passar a telenovela. Segue-se, em 1986, O Ano da Morte de Ricardo Reis – para muitos dos seus leitores (parece que também para ele), o seu melhor livro.
Seis anos e três romances depois (Jangada de Pedra, História do Cerco de Lisboa e Evangelho Segundo Jesus Cristo), já famoso em Portugal e na Europa, onde multiplica edições e prémios, vê o seu nome riscado de uma lista de obras candidatas ao Prémio Literário Europeu. Decisão do sub-secretário de Estado da Cultura, Sousa Lara. O Evangelho atacava princípios que tinham a ver “com o património religioso dos portugueses”.
O acto censório leva-o a um processo de ruptura com o Governo de então, chefiado por Cavaco Silva. Fixa residência na ilha espanhola de Lanzarote, num processo de “exílio literário” que manterá até à morte, apesar de nos últimos anos ter adquirido uma pequena vivenda em Lisboa, onde se deslocava e permanecia com frequência.
“Maldição” do Nobel
Ensaio sobre a Cegueira (1995) e Todos os Nomes (1997) precedem a atribuição do Prémio Nobel da Literatura, em 1998. O primeiro virá a ser adaptado a teatro por O Bando e ao cinema pelo realizador brasileiro Fernando Meirelles, autor do filme Cidade de Deus. O segundo, nasce de uma pesquisa sobre a vida breve de seu irmão Francisco de Sousa, com vista à autobiografia que oito anos depois virá a publicar.
Como quase todos os livros anteriores, os dois títulos impuseram-se-lhe em circunstâncias nada comuns: o Ensaio, à mesa de um restaurante, quando se perguntava: “E se fôssemos todos cegos?”; o livro seguinte, no avião em que viaja para o Brasil, para receber o Prémio Camões.
Algo de semelhante acontecerá com a génese do seu penúltimo romance: em 2002, em Salzburgo, quando foi jantar a um restaurante chamado O Elefante. A curiosidade em volta de pequenas esculturas de madeira, a primeira das quais a portuguesíssima Torre de Belém, postas em fila no interior de um estabelecimento da cidade de Mozart, levou-o a troca de correspondência com uma leitora de Português na universidade local.
No material histórico por esta enviado sobre a embaixada que D. João III fez chegar ao arquiduque Maximiliano, em 1551, destacava-se um elefante trazido da Índia. A viagem de Salomão, que haveria de espantar as cortes europeias por cujas reinos a luzida delegação passaria inspirou-lhe uma história ficcionada que Pedro Mexia qualificou, nestas páginas, como “o melhor Saramago depois do Nobel”.
Ensaio sobre a Cegueira ter-lhe-á valido o Prémio Nobel de Literatura de 1998, tal a boa impressão que causou na Academia Sueca. Foi isso pelo menos o que um seu membro, o poeta e romancista Kjell Espmark, lhe revelou e Saramago contou anos mais tarde, no blogue que começou a escrever, já recomposto da doença, no Verão de 2008.
O anúncio do mais alto galardão literário do mundo foi feito, como habitualmente, em 8 de Outubro. O Nobel distinguira pela primeira vez um autor de língua portuguesa que “com parábolas sustentadas por imaginação, compaixão e ironia, continuamente nos permite captar uma realidade fugidia”. Na noite de 7 de Dezembro seguinte, em cerimónia televisionada, José Saramago apresenta-se ao Comité Nobel e ao mundo recuando a memória até aos tempos de infância: “O homem mais sábio que conheci em toda a minha vida não sabia ler nem escrever. Às quatro da madrugada, quando a promessa de um novo dia ainda vinha em terras de França, levantava-se da enxerga e saía para o campo, levando ao pasto a meia dúzia de porcas de cuja fertilidade se alimentavam ele e a mulher. (...) Chamavam-se Jerónimo Melrinho e Josefa Caixinha esses avós, e eram analfabetos um e outro. No Inverno, quando o frio da noite apertava ao ponto de a água dos cântaros gelar dentro da casa, iam buscar às pocilgas os bácoros mais débeis e levavam-nos para a sua cama. Debaixo das mantas grosseiras, o calor dos humanos livrava os animaizinhos do enregelamento e salvava-os de uma morte certa”.
Os livros que se seguem imediatamente ao mais famoso prémio literário do mundo – A Caverna (2000), O Homem Duplicado (2002), Ensaio sobre a Lucidez (2004) - são recebidos com reservas por parte da crítica portuguesa. Fala-se em “maldição do Nobel”. A série de diários Cadernos de Lanzarote é especialmente causticada pela exibição de prémios, de distinções, de ditirambos ao autor. Interrompe-a no quinto volume, publicado pouco antes da cerimónia de entrega do Nobel.
Publicado em finais de 2005, As Intermitências da Morte parte de uma hipótese improvável, neste caso impossível, tão ao gosto do escritor – um país cujos habitantes um dia deixam de morrer. O livro constitui um comovente hino testamentário (um violoncelista seduz a morte-mulher, para quem interpreta uma suite de Bach) ao amor e à música, isto é, à vida humana. Escrita “com larguíssimos intervalos” e longamente prometida sob um título que não veio a vingar (O Livro das Tentações), a autobiografia As Pequenas Memórias (1996) debruça-se sobre a infância e a adolescência, na Azinhaga e em Lisboa.
Na altura, disse-se tentado a fechar o círculo. Considerava que esgotara, de algum modo, os temas, embora, premonitório, admitisse escrever ainda “mais um livro ou dois”. Já depois do lançamento deste livro – apresentado, no São Carlos, em Lisboa, pela mulher, pela apresentadora televisiva Bárbara Guimarães e pela actriz brasileira Torloni – o escritor viria a assistir, neste mesmo teatro, à estreia de Don Giovani ou o Dissoluto Absolvido, ópera composta pelo italiano Azio Corghi sobre libreto seu.
Corghi colaborou igualmente com Saramago na ópera Blimunda, estreada no teatro Alla Scala de Milão, em 1990 (libreto extraído de O Memorial do Convento), e Divara, estreada em Münster, com base na peça In Nomine Dei. Anúncios a este livro, em 1993, foram proibidos de passar na TVI, que alegou que a peça não se inseria nos princípios da estação, então propriedade da Igreja Católica.
No Outono de 2008, evidenciando ainda fortes sinais de debilidade física, participou em numerosas sessões de lançamento de A Viagem do Elefante. Multiplica-se em entrevistas, em que conserva intacto o fio de raciocínio que lhe permitia enfrentar entrevistadores omnívoros.
O humor que nele colocou, delicia os leitores (80 mil exemplares em menos de um mês, tornando-se o livro mais vendido da quadra natalícia daquele ano) e intriga-o a ele, dadas as circunstâncias da sua criação. “Suponho que perdi uma excelente oportunidade de fazer da minha dor poesia, romance, ou, neste caso, conto, que é o que eu lhe chamo. É um bocado estranho, nem consigo explicar por que é que este livro é assim e não um reflexo do mau bocado que eu tinha passado”, disse no dia do lançamento, no Grande Auditório do Centro Cultural de Belém, em Lisboa.
Teatro e poemas inéditos
Para além da obra conhecida, a exposição A Consistência dos Sonhos, que esteve patente em Lisboa durante todo o Verão de 2008, revelou, entre outras novidades, um período “arqueológico”, “uma espécie de face oculta da lua” inspirativa do escritor. Dela constam cerca de 200 folhas manuscritas “com relatos inacabados, às vezes apenas esboçados”, identificados por títulos “certamente provisórios” – Os Emparedados, O Mel e o Fel, Rua (narrativa de quatro páginas para um romance) e O Sistema, estes dois últimos de início da década de 1950 –, como aconteceu com alguns dos seus romances da maturidade, segundo Carlos Reis, num artigo no Jornal de Letras.
O comissário da exposição, Fernando Gómez Aguilera, anota ainda quatro peças de teatro também daquela década e duas outras dos anos de 1970. Uma delas, A Lição de Botânica, representada em 1977 pelo Teatro A Barraca, apesar de nunca publicada; e 44 poemas, escritos entre 1944 e 1948. O seu valor literário é “muito relativo”, comentou o próprio Saramago e confirmou, naquele quinzenário, o comissário espanhol. Este sublinhou, porém, tratar-se dos “primeiros testemunhos da sua escrita e das suas preocupações centrais: as condições de vida das classes desfavorecidas nos bairros pobres de Lisboa, a evocação do lugar de nascimento e uma certa melancolia poética”.
O factor Pilar
José Saramago foi casado com a pintora, gravadora e escultora Ilda Reis, já falecida, de quem tinha uma filha, Violante, e viveu 16 anos com a escritora Isabel da Nóbrega (Prémio Castelo Castelo-Branco, 1965), com quem formou, segundo Fernando Dacosta, “um par fiel, glamorouso”, nos meios intelectuais lisboetas.
Aos 63 anos, “quando já não se espera nada”, encontrou “o que faltava para passar a ter tudo” – Pilar. Jornalista, Pilar del Rio chegara de Sevilha a Lisboa para fazer o percurso de Ricardo Reis, tal como descrito magistralmente pelo escritor, em O Ano da Morte de Ricardo Reis. Nada de bizarro: na semana a seguir, uma irmã e o marido fariam o mesmo; uns dias antes, tinham-no feito uns amigos. E a peregrinação prosseguiria, durante muito tempo, no seu círculo de amigos.
O café que tomaram em Lisboa e um novo encontro meses depois em Sevilha, por iniciativa de Saramago, que viajou de camioneta até lá, mudou a vida a ambos. Casaram em Lisboa, em Outubro de 1988. Ele em vésperas de fazer 66 anos, ela com 36; ambos com um casamento oficial anterior. Nunca mais deixaram de andar juntos. “Se tivesse morrido aos 63 anos, antes de a conhecer, morreria muito mais velho do que serei quando chegar a minha hora”, disse Saramago um dia, numa das várias muito belas declarações públicas de amor a Pilar.
A intensa ligação a Pilar (chegará a chamar-lhe, numa entrevista na Antena 2, o seu outro Prémio Nobel) levá-lo-á a apagar das reedições dos livros publicados até 1984 as dedicatórias a Isabel da Nóbrega: “À Isabel, sempre”, em Levantado do Chão (também dedicado a 16 elementos da União Cooperativa de Produção Boa Esperança, do Lavre, Montemor-o-Novo, que o acolheram e sem os quais, escreveu, “não teria sido escrito” o livro, mas cujos nomes foram igualmente suprimidos, ficando apenas em edição posterior, “À memória de Germano Vidigal e José Adelino dos Santos, assassinados”); “À Isabel, porque nada perde ou repete, porque tudo cria e renova”, em Memorial do Convento; e “À Isabel, outro livro, o mesmo sinal”, em O Ano da Morte de Ricardo Reis. Os adversários não lhe perdoaram a atitude. Amigos que muito o apreciam lamentaram-na profundamente.
Andaluza, a mais velha de 15 irmãos, Pilar declara-se comunista. “Ideológica e emocionalmente”. Sem prejuízo de votar “umas vezes no PSOE e noutras na Esquerda Unida” e de, em autárquicas em Portugal, se ver mais a votar em Manuel Maria Carrilho ou António Costa para assegurar que “fosse a esquerda” a governar. Tudo dito com a mesma convicção apaixonada com que confessa continuar a sentir-se, de alguma forma, “teresiana”, designação dos membros de um instituto secular ligado à figura de Santa Teresa de Jesus, que abandonou mas em cujos princípios de dedicação à vida dos outros continuou a acreditar.
Ouvi-la, por vezes, era ouvir Saramago. No conteúdo e na forma. Como quando respondeu à Pública, sobre a sua recusa em condenar expressamente o muro de Berlim: “Quero falar de todos os muros. Cada dia há mais ricos e mais pobres. O muro de Berlim, horrível, afectou muita gente. Os outros afectam milhões e milhões e ninguém fala deles. Ninguém deita abaixo os muros que separam a riqueza da pobreza”. É a tradutora para espanhol dos livros do marido — trabalho que fazia quase em simultâneo com o acto de criação do escritor. Mas assume-se como jornalista, acima de tudo. Manteve uma rubrica de intervenção cívica, durante anos, na rádio. Pôs-lhe o nome de "Blimunda não se rende".
Pilar corresponde aos elogios do marido: “É o companheiro ideal, o namorado que não desilude, o homem para compartilhar uma vida”. Entre as incumbências que competem a uma viúva, deverá agora (sugeriu Saramago numa entrevista a José Carlos de Vasconcelos, seu amigo de longa data) organizar, “para publicar”, juntando-os à obra já feita, “um ou dois” volumes com cartas de leitores, algumas delas “absolutamente extraordinárias, documentos humanos de uma profundidade, uma beleza e emoção raras”, que foram chegando “de toda a parte” ao escritor.
Provocador de ideias e céptico
Sem temer ficar isolado no debate, Saramago lançava no espaço público ideias fracturantes, quase sempre contra a corrente ou mesmo politicamente incorrectas – o voto em branco, a fusão de Portugal em Espanha, a irrelevância do 25 de Abril para atingir a democracia, a semelhança da ocupação israelita da Palestina com Auschwitz, a provocação a “deus, esse a quem chamamos senhor” e a quem “uma só criança das que morreram feitas tições em Sodoma bastaria para (…) condenar sem remissão”. Fazia-o de uma forma que surpreendia o leitor/ouvinte incauto: tirando das premissas as conclusões menos conformes com os cânones. O seu era – disse um dia numa entrevista na Antena 1 ao autor deste obituário – “o ponto de vista do galinheiro”. Referia-se aos tempos da juventude em que frequentou intensamente o Teatro Nacional de São Carlos, cujos espectáculos via, grátis, mercê da bondade de um porteiro amigo do pai. Longe e de cima (mesmo acima do “pó dos lustres” do magnífico teatro barroco), era-lhe dado ver e ouvir os espectáculos de ângulos diferentes dos que os viam da plateia ou dos camarotes, explicou.
Talvez por isso, prevalecia nele a distância do cepticismo: “tenho sempre um pé atrás [porque sei que] nada é definitivo e que o motivo do riso de hoje pode amanhã tornar-se em lágrimas”.
Não admirará assim que quando lhe perguntaram qual a personagem do século XX em que acreditava começasse por falar em Lenine, mas logo passasse a Churchil (“mas o Churchil que era trabalhista”) e se tivesse quedado em Martin Luther King, “a única ou uma das poucas figuras que poria assim em primeiro plano”. Além de Kafka, “o maior escritor” do século passado. Dotado de uma grande facilidade de expressão apesar da leve gaguez com que falava, deixou, além dos livros e das conferências, um extraordinário acervo de declarações em entrevistas.
Nelas podemos acompanhar e em certos casos completar, dito por outras palavras, normalmente mais directas, o essencial das preocupações e interrogações que foi semeando na obra literária. Sobre a democracia, a criação literária, o papel do escritor, o jornalismo, Portugal, o mundo, Deus. E sobre este mesmo acontecimento que aqui relatamos e em que é protagonista - o seu desaparecimento da terra e a perspectiva de uma outra vida, para lá da morte: “A finitude é o destino de tudo. O Sol, um dia, apaga-se”.
Fontes principais:
"Jornal de Letras", 26.3.1997; "Visão", 16.1.2003; PÚBLICO 3.4.2004, 12.11.2005, 16.1.2006, 7.11.2008, entre outros; e “Uma longa viagem com José Saramago”, João Céu e Silva, Porto Editora, 2009; várias entrevistas às Antena 1 e à Antena 2.
* Nota: texto colocado online 19.06.2010 às 07:54 e corrigido às 13h26
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(...)
"O que passa à eternidade é o talento, o trabalho e dedicação"
por Francisco José Viegas,publicado no Jornal i em 19 de Junho de 2010 - 23h
Lembro o cenário: uma casa tranquila onde os objectos essenciais eram a mesa de trabalho, um sofá, uma fotografia - e uma janela voltada para o mar. Estávamos na Ericeira e eu tinha combinado entrevistá-lo antes da edição de "O Evangelho Segundo Jesus Cristo", em 1991. José Saramago escrevera e reescrevera o livro num 'videowriter', moderno na época; nessa tarde fez a primeira impressão do texto em papel. Tinha exactamente 444 páginas. Saramago era cuidadoso com os seus livros - entregava os originais quase irrepreensíveis, sem rasuras. E falava sobre eles com uma notável clareza, muito rara. Recordo por isso quando me convidou para fazer a apresentação de "Ensaio sobre a Cegueira", de 1995 - e como falava sobre o livro como se o tivesse escrito há muito tempo. Esta aparente "facilidade" contrastava, no entanto, com a forma disciplinada - e até austera - que rodeava o seu processo de escrita. Foi já depois da atribuição do Nobel, em Lanzarote (repetia-se o mesmo cenário: mesa de trabalho, um sofá, uma fotografia - e uma janela voltada para o mar) que pude perceber o trabalho que acompanhou a escrita de "O Ano da Morte de Ricardo Reis" (que, juntamente com "Memorial do Convento" e "Ensaio sobre a Cegueira" constitui uma espécie de "trilogia do cânone"): uma agenda, dessas, antigas, domésticas, que Saramago tinha transformado num diário de Ricardo Reis escrito em Lisboa depois de regressar do Brasil, e que funcionaria como uma espécie de "segundo livro" que reuniria a parte estritamente documental do romance. Tudo tinha sido ali anotado, desde o preço do tabaco no Alentejo naquele ano, até à menção das crises diplomáticas que varriam a Europa e anunciavam o fascismo.
Esse trabalho oficinal sempre me apaixonou em José Saramago - e era justamente esse trabalho disciplinado que tornou possível uma obra monumental, escrita do ponto de vista da eternidade. Só um monumento pode fazê-lo.
A consagração de Saramago deve-se à literatura e à sua "intervenção cívica" ? mas só a literatura, que está ligada à eternidade, o irá transcrever mais tarde nas palavras da terra, no gigantesco poema do mundo, onde entrará "Manual de Pintura e Caligrafia", por exemplo, um livro injustamente esquecido, e essa "trilogia do cânone" onde estão inscritas as linhas de quase toda a sua obra: a atenção aos pequenos personagens (quase anónimos, quase insignificantes), o absurdo da História, a ideia de epopeia, a fragilidade do humano e do humanismo.
Tanto em "Levantado do Chão" como em "Memorial do Convento" ou em "Todos os Nomes", os seus grandes personagens são essencialmente humildes, anónimos e colhidos (e escondidos) da massa da multidão. Baltazar e Blimunda em vez do rei que manda construir o convento de Mafra; os camponeses e o cão atravessando os campos do Alentejo e ressuscitando no final, em vez dos "exemplos de classe"; uma mulher anónima e discreta que enfrenta a cegueira do mundo e interpreta as suas metáforas. Mesmo o amor, mesmo o amor: é uma das suas mais belas histórias de amor, a de "História do Cerco de Lisboa", a que é vivida pela editora e pelo revisor - ele, mais uma vez, o homem anónimo, humilde, modesto, que representa toda a modéstia e toda a humildade dos homens e mulheres sem história (à maneira de Gogol; ou encarando o absurdo, como Kafka).
Creio, acreditei sempre - e escrevi-o - que Saramago era um homem extremamente religioso. Só um homem religioso pode rondar a blasfémia e interrogar directamente a figura de um Deus "humanamente injusto". O resto é polémica, passagem, indignações. O que passará à eternidade é isso: talento, trabalho, dedicação.
* Em 1991, Saramago mostrou a Francisco José Viegas as 444 páginas da primeira impressão de "O Evangelho Segundo Jesus Cristo". O escritor e jornalista tornar-se-ia um dos maiores especialistas na obra do Nobel
Lembro o cenário: uma casa tranquila onde os objectos essenciais eram a mesa de trabalho, um sofá, uma fotografia - e uma janela voltada para o mar. Estávamos na Ericeira e eu tinha combinado entrevistá-lo antes da edição de "O Evangelho Segundo Jesus Cristo", em 1991. José Saramago escrevera e reescrevera o livro num 'videowriter', moderno na época; nessa tarde fez a primeira impressão do texto em papel. Tinha exactamente 444 páginas. Saramago era cuidadoso com os seus livros - entregava os originais quase irrepreensíveis, sem rasuras. E falava sobre eles com uma notável clareza, muito rara. Recordo por isso quando me convidou para fazer a apresentação de "Ensaio sobre a Cegueira", de 1995 - e como falava sobre o livro como se o tivesse escrito há muito tempo. Esta aparente "facilidade" contrastava, no entanto, com a forma disciplinada - e até austera - que rodeava o seu processo de escrita. Foi já depois da atribuição do Nobel, em Lanzarote (repetia-se o mesmo cenário: mesa de trabalho, um sofá, uma fotografia - e uma janela voltada para o mar) que pude perceber o trabalho que acompanhou a escrita de "O Ano da Morte de Ricardo Reis" (que, juntamente com "Memorial do Convento" e "Ensaio sobre a Cegueira" constitui uma espécie de "trilogia do cânone"): uma agenda, dessas, antigas, domésticas, que Saramago tinha transformado num diário de Ricardo Reis escrito em Lisboa depois de regressar do Brasil, e que funcionaria como uma espécie de "segundo livro" que reuniria a parte estritamente documental do romance. Tudo tinha sido ali anotado, desde o preço do tabaco no Alentejo naquele ano, até à menção das crises diplomáticas que varriam a Europa e anunciavam o fascismo.
Esse trabalho oficinal sempre me apaixonou em José Saramago - e era justamente esse trabalho disciplinado que tornou possível uma obra monumental, escrita do ponto de vista da eternidade. Só um monumento pode fazê-lo.
A consagração de Saramago deve-se à literatura e à sua "intervenção cívica" ? mas só a literatura, que está ligada à eternidade, o irá transcrever mais tarde nas palavras da terra, no gigantesco poema do mundo, onde entrará "Manual de Pintura e Caligrafia", por exemplo, um livro injustamente esquecido, e essa "trilogia do cânone" onde estão inscritas as linhas de quase toda a sua obra: a atenção aos pequenos personagens (quase anónimos, quase insignificantes), o absurdo da História, a ideia de epopeia, a fragilidade do humano e do humanismo.
Tanto em "Levantado do Chão" como em "Memorial do Convento" ou em "Todos os Nomes", os seus grandes personagens são essencialmente humildes, anónimos e colhidos (e escondidos) da massa da multidão. Baltazar e Blimunda em vez do rei que manda construir o convento de Mafra; os camponeses e o cão atravessando os campos do Alentejo e ressuscitando no final, em vez dos "exemplos de classe"; uma mulher anónima e discreta que enfrenta a cegueira do mundo e interpreta as suas metáforas. Mesmo o amor, mesmo o amor: é uma das suas mais belas histórias de amor, a de "História do Cerco de Lisboa", a que é vivida pela editora e pelo revisor - ele, mais uma vez, o homem anónimo, humilde, modesto, que representa toda a modéstia e toda a humildade dos homens e mulheres sem história (à maneira de Gogol; ou encarando o absurdo, como Kafka).
Creio, acreditei sempre - e escrevi-o - que Saramago era um homem extremamente religioso. Só um homem religioso pode rondar a blasfémia e interrogar directamente a figura de um Deus "humanamente injusto". O resto é polémica, passagem, indignações. O que passará à eternidade é isso: talento, trabalho, dedicação.
* Em 1991, Saramago mostrou a Francisco José Viegas as 444 páginas da primeira impressão de "O Evangelho Segundo Jesus Cristo". O escritor e jornalista tornar-se-ia um dos maiores especialistas na obra do Nobel
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Políticos evitam comentários directos a ausência de Cavaco
Os políticos que compareceram à cerimónia de homenagem a José Saramago preferiram não comentar a decisão do Presidente da República de não assistir às cerimónias fúnebres do escritor.
- As mais altas figuras do Estado não vão participar nas cerimónias fúnebres de hoje
- Chefe da Casa Civil da Presidência da República esteve no velório de Saramago
- Louçã apela a Cavaco para esquecer “mesquinhez do passado” e estar no funeral de Saramago
- Jornal do Vaticano define Saramago como “populista e extremista”
Várias centenas de pessoas no cemitério do Alto de São João
Várias centenas de pessoas estiveram no cemitério do Alto de São João para a despedida a José Saramago. No adeus ao escritor, a sua mulher Pilar fez um discurso dirigido à família antes da cremação.
- "Quando um escritor morre, é um mundo que desaparece"
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- Entrevista: "Como portugueses estamos cansados de viver. Se calhar, a nossa missão histórica acabou"
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- Ministro dos Assuntos Parlamentares: "Nobel enche o país de orgulho"
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- Cronologia: os prémios de Saramago
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Cavaco Silva afasta "polémica estéril"
Único Prémio Nobel da Literatura português faleceu, aos 87 anos, em Lanzarote. Muito debilitado fisicamente, José Saramago faleceu de "múltipla falha orgânica". O último adeus ao escritor decorreu hoje no cemitério do Alto de São João.
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adeus a Saramago
Catarina Cruz
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Jerónimo de Sousa cancelou agenda para estar presente nas cerimónias funebres
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"Era um comunista agnóstico. Era o seu próprio partido"
Baptista-Bastos acompanhou-o nos desacordos com o PCP, na atenção minuciosa às coisas da vida, nas conversas sobre o marxismo e o partido. De Saramago ficou a memória de um "desobediente" que nunca foi "dissidente". -
Conto "Embargo" de José Saramago chega aos cinemas em 2010
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Saramago: Centenas de pessoas na última cerimónia fúnebre do escritor
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Igreja manda trabalhos de casa para Saramago: ler a Bíblia
Católicos e judeus acusam Saramago de não entender a Bíblia. Vaticano não quer saber de "Caim" -
Deputado PSD quer que Saramago deixe de ser português
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Ausência de Cavaco Silva na cerimónia fúnebre de Saramago provoca críticas
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Edite Estrela acusa Mário David de "atitude inquisitorial" face a Saramago
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Caim é inspiração para novo livro de José Saramago
Próximo livro do Nobel da Literatura é nova viagem por temas religiosos. O romance é publicado em Outubro -
Corpo de Saramago sai amanhã de Lanzarote
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Saramago e a Igreja: história de amor e ódio
O bate-boca entre o Nobel autor de "Caim" e a Igreja Católica tem apoiantes de ambos os lados -
O homem que Cunhal recusou para director de "O Diário"
Foi o ideólogo do PCP no DN no Verão Quente. Depois, foi despedido e ficou desempregado, porque Cunhal não o quis à frente de "O Diário"
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Saramago. As obsessões de um génio - vídeo
Na véspera de "Caim" chegar às lojas, Saramago reacendeu a polémica com a Igreja: "a Bíblia é um manual de maus costumes, um catálogo de crueldade e do pior da natureza humana" Viagem ao universo do Nobel português
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Saramago divulga primeiro capítulo do novo livro em espanhol
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Após críticas de líderes religiosos, Saramago explica "Caim"
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Bispo do Porto diz que Saramago deve ser mais cuidadoso
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Conferência Episcopal defende que Saramago faz leitura ingénua da Bíblia
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Na biblioteca de José Mário Silva falam-se muitas línguas
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Carrilho: “Saramago era um homem controverso como todas as grandes personalidades”
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D. José Policarpo: "A maioria católica não tira o lugar a ninguém"
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Saramago, Rodrigues dos Santos, Agualusa e Milton Hatoum na lista do prémio Impac Dublin
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Teólogo acusa Saramago de fazer leitura "completamente unilateral" da Bíblia
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Igreja diz que livro de Saramago é "operação de publicidade"
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Comunidade Islâmica considera declarações de Saramago "um bocado ofensivas"
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D. José Policarpo lamenta pecados da Igreja, que "indignam o mundo"
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Saramago dá catequese para terminar polémica
Nobel não volta atrás nas afirmações polémicas e relembra os episódios violentos da Bíblia
# Dossier AQUI
# Canal de vídeos: Fundação Saramago
José Saramago, Prémio Nobel da Literatura 1998
Homenagem do Partido Comunista Português a José Saramago por ocasião do 10.º aniversário da atribuição do Prémio Nobel da Literatura.
Com a presença de José Casanova, Louzã Henriques, Fernanda Lapa, José Santa-Bárbara, Baptista-Bastos, Joaquim Benite, José Sucena, Maria do Céu Guerra, Carmen Santos, Carlos do Carmo e Jerónimo de Sousa.
1.ª parte | 2ª parte | 3ª parte
Vídeo: José Saramago no Jornal da Globo
Parte 1 e Parte 2
Centenas de pessoas escreveram último capítulo de José Saramago
Jornal de Notícias - há 41 minutos... em Lisboa, foi pequeno para acolher as largas centenas de pessoas que quiseram assistir à cerimónia fúnebre do escritor José Saramago. ...As cinzas de José Saramago vão ficar na cidade de Lisboa - RTP
«Saramago, a luta continua!» - Diário IOL
Cinzas de Saramago ficam em Portugal mas não há decisão sobre o local - Público.pt
O Globo - SIC Notícias
todas as notícias (1366) »"Polémica estéril" Cavaco Silva desvaloriza a sua ausência no ...
RTP - há 40 minutosO Presidente da República desvalorizou "alguma polémica estéril" em torno da sua ausência nas exéquias de José Saramago, garantindo que o Chefe de Estado ...Ramalho Eanes: Saramago "projectou a língua e cultura portuguesas ... - Jornal de Notícias
Cavaco chama “polémica estéril” a sua ausência do funeral de Saramago - Rádio Renascença
Saramago: Eanes salientou contributo para «património» lusófono - TVI24
i Informação - Estadão
todas as notícias (83) »Saramago: Jerónimo lembra escritor como protagonista de Abril
Diário Digital - há 5 horasO secretário geral do PCP, Jerónimo de Sousa, disse hoje que os comunistas estão de luto pela «morte do camarada José Saramago», que lembrou como ...Jerónimo de Sousa recorda José Saramago - RTP
Urbano Tavares Rodrigues: José Saramago eo Partido Comunista - Diário de Notícias - Lisboa
Velório de Saramago mantém vivas suas polêmicas - Opera Mundi
i Informação - Zero Hora
todas as notícias (20) »Seleção portuguesa homenageia José Saramago
Record - há 5 horas... junto da estátua do navegador Bartolomeu Dias na Cidade do Cabo, em homenagem ao escrito português José Saramago, falecido na sexta-feira, aos 87 anos. ...Matilde, a mulher-a-dias que leu Saramago «aos bocadinhos»
Diário IOL - há 3 horasMatilde cruzou-se com José Saramago, pela primeira vez, há «uns 10 anos». ... Recordações tem-nas também do dia em que conheceu José Saramago pessoalmente. ...Ministra da Cultura: "Não há palavras, Saramago levou-as todas"
i Informação - há 5 horas... António Costa, no qual explicou que as cinzas de Saramago ficarão em Portugal, seguiram-se as palavras do representante da Fundação José Saramago, ..."Saramago sabia que a sua obra e luta seriam sempre algo inacabado" - Portugal Digital
Ministra espanhola: Saramago aproximou Portugal e Espanha - Terra Brasil
Gabriela Canavilhas: "A força da literatura de Saramago a todos ... - Público.pt
Diário Digital - i Informação
todas as notícias (42) »Vaticano sem respeito por Saramago
Record - 1 hora atrásJosé Saramago era ateu. Mas não é por também fazer parte desse “clube” que o considero mais ou menos. Aliás, para que conste, nunca fui fiel apreciador da ...Jornal do Vaticano define Saramago como “populista e extremista” - Público.pt
Saramago: 'um populista extremista', 'um ideólogo antirreligioso ... - AFP
Jornal do Vaticano chama Saramago de "joio em meio ao trigo" - Terra Brasil
Diário Digital
todas as notícias (32) »Saramago: PCP e BE remetem para família decisão de colocar restos ...
Diário Digital - há 2 horasO PCP eo Bloco de Esquerda remeteram hoje para uma decisão da família a questão de colocar os restos mortais de José Saramago no Panteão Nacional, ...Mário Soares quer cinzas de Saramago no Panteão Nacional
A Bola - há 7 horasO antigo presidente da República, Mário Soares, defendeu, esta sexta-feira, que os restos mortais de José Saramago devem ficar no Panteão Nacional. ...Adeus Saramago: A melhor homenagem é a que o povo português está a ... - Diário de Notícias - Lisboa
Mário Soares, o primeiro a pedir a honra do Panteão - Diário de Notícias - Lisboa
Mário Soares "surpreendido e entristecido" defende declaração de ... - Diário de Notícias - Lisboa
todas as notícias (20) »Fidel Castro envia coroa de flores a funeral de Saramago
AngolaPress - há 18 horasLisboa - Filiado ao partido comunista português desde 1969, José Saramago recebeu também homenagem enviada por Fidel Castro e seu irmão, Raúl, presidente da ...«Sentida homenagem do Comandante Fidel» - Diário IOL
Fidel Castro homenageia Saramago com coroa de flores - A Bola
Portugueses se despedem de Saramago - Terra Brasil
Sol
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Posted by por AMC
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ESPUMAS,
gente que vale a pena,
made in portugal
.
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