A estreia de Portugal no Mundial 2010: euforia que promete trégua ao Governo
Capa da edição de hoje do jornal A Bola.
(...)
Avivo no teu rosto o rosto que me deste,
E torno mais real o rosto que te dou.
Mostro aos olhos que não te desfigura
Quem te desfigurou.
Criatura da tua criatura,
Serás sempre o que sou.
E eu sou a liberdade dum perfil
Desenhado no mar.
Ondulo e permaneço.
Cavo, remo, imagino,
E descubro na bruma o meu destino
Que de antemão conheço:
Teimoso aventureiro da ilusão,
Surdo às razões do tempo e da fortuna,
Achar sem nunca achar o que procuro,
Exilado
Na gávea do futuro,
Mais alta ainda do que no passado.
Miguel Torga, "Portugal" in Diário X
(...)
Segundo valores ontem divulgados a taxa de desemprego de Portugal é a quarta mais alta da OCDE, tendo atingido 10,8% da população. Para acrescentar ao cenário Portugal está entre os países com maiores quedas da produção industrial. De acordo com dados do Instituto Informador do Comercial, fecharam 1836 empresas em seis meses, ou seja, as falências aumentaram 10% no início deste ano. Isto para mencionar apenas alguns dos indicadores que actualmente afligem e afundam o quotidiano do País.
Não obstante a estreia da Selecção Nacional frente à Costa do Marfim no Mundial da África do Sul está hoje em todas as capas que sairam para as bancas, dos desportivos ao generalistas, com o destaque a valer igualmente nos principais jornais ditos de referência.
(...)
De tudo quanto entretanto se tem escrito e publicado, escolho este artigo do Diário de Notícias. Paradigmático, como a seguir se pode ler.
Mundial dá uma esperança de folga ao Governo
Os bons resultados da selecção, na última década, têm ajudado a recuperações da confiança dos consumidores. Em plena crise, Sócrates espera que a selecção volte a ser inspiradora para os portuguesesNo final de Maio, 300 mil pessoas estiveram na rua a protestar contra o Governo. Mas, a partir de amanhã, o primeiro-ministro, José Sócrates, vai poder respirar quando a selecção nacional entrar no Mundial de futebol. Especialistas, políticos e dados económicos indicam-no: vêm aí semanas de menor contestação ao Governo.
O sociólogo do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Elísio Estanque, não tem dúvidas de que "este entusiasmo colectivo em torno da selecção acaba por beneficiar o poder. E o Governo tem aqui um álibi".
A opinião é partilhada por Manuel Villaverde Cabral, politólogo do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, que alerta que esta situação poderá "agravar-se" caso Portugal não tenha sucesso. Ou seja, a contestação dependerá da sorte do jogo.
Elísio Estanque sublinha a racionalidade do fenómeno: "Se Portugal vencer, sobe o ego e a confiança das pessoas, mas se as coisas começarem a correr a mal, os portugueses podem exaltar as frustrações e lembrarem-se ainda mais da austeridade." Sócrates saberá disso. Quando foi despedir-se dos jogadores antes destes seguirem para a África do Sul, o Chefe do Governo reconheceu que "uma campanha bem-sucedida da selecção portuguesa é sempre inspiradora" para a auto-estima dos portugueses.
Há de facto uma ideia generalizada de que o País se torna, como lembram os especialistas, "mais tolerante" quando há europeus e mundiais de futebol. Embora ressalve "que se trata de um período de férias, em que as pessoas se tornam naturalmente mais descontraídas", Elísio Estanque recorda que "até os indicadores económicos melhoram".
Os dados confirmam-no. Consultando o índice de confiança do consumidor nos meses de Junho e Julho nos últimos dez anos (ver friso em baixo) verifica-se que - durante mundiais e europeus - os valores estiveram razoavelmente de acordo com o sucesso desportivo da selecção. Segundo dados do INE, a confiança dos consumidores subiu no Euro 2000 (pouco), Euro 2004 (muito) e Mundial de 2006 (pouco), em que Portugal teve boas prestações. Já no frustrante Mundial de 2002 e no último Europeu (2008), onde Portugal caiu nos quartos-de-final, o índice de confiança dos consumidores baixou - e bastante.
Coincidência ou não, os especialistas defendem-no, embora ressalvem que este estado de benevolência é efémero. Tanto Villaverde Cabral como o politólogo José Adelino Maltez utilizam a mesma expressão: "Bebedeira." Dura temporariamente, serve para esquecer o pior, mas passa pouco tempo depois.
Por outro lado, Villaverde Cabral compara o fenómeno com a expressão latina panem et circenses. Ou seja: "O futebol é pão e circo. O problema é que, neste caso, não há pão." Já Adelino Maltez considera que a situação não se resolve com futebol, mas faz jus à velha expressão dos mundiais que diz que "o futebol são onze contra onze e no final a Alemanha ganha sempre". "A Alemanha vai impor a maior derrota quando no final do Mundial disser a todos os países europeus que têm de tomar as mesmas medidas de austeridade que aplicou", preconiza Adelino Maltez.
Oposição tem um 'feeling' negativo
Num programa desportivo sobre o Mundial, na SIC Notícias, a conversa resvalou para política. E o ex-bastonário da Ordem dos Advogados Rogério Alves comentou: "Se Portugal for campeão, quando a equipa estiver a chegar ao Aeroporto, o Governo apresenta o PEC III." O que o jurista disse, de forma circunstancial, é algo que os partidos da oposição não descartam.
O líder parlamentar do Bloco de Esquerda, José Manuel Pureza, relembra "os factos recentes, mostram que o Governo quer suavizar o PEC em prestações e que apresentou as medidas durante a visita do Papa, o que é uma coincidência, no mínimo, interessante".
Também o secretário-geral do CDS-PP, João Almeida, afirma que "as medidas mais complicadas foram tomadas entre o Benfica se ter sagrado campeão nacional e a vinda do Papa, o que é um mau indício para o Mundial".
O sociólogo Manuel Villaverde Cabral também acredita que José Sócrates possa utilizar este "estratagema", embora duvide do seu sucesso, pois, "apesar de tudo, o feeling não é o mesmo de 2004, quando houve a fuga de Barroso".
Os deputados do CDS e Bloco de Esquerda são também defensores de que o Mundial de futebol ofusca a política. "O espaço mediático ocupado pelo Mundial passa, obviamente, as questões políticas para segundo plano", comenta João Almeida. Já José Manuel Pureza admite que os portugueses estejam a "abdicar de alguma inquietação", mas devido aos níveis de austeridade "a capacidade de distracção tende a ser menor do que era antes".
Quem considera que, neste momento, o Governo não terá grande folga, é o secretário-geral do PSD, Miguel Relvas, que diz que "os portugueses estão tão cansados, tão fartos da governação, que este Governo já não se salva com futebol, nem com nenhum dos três F [Fado, Fátima e Futebol]".
Por outro lado, questionado sobre se o Governo podia apresentar um PEC III durante o Mundial, o porta-voz social-democrata acredita que o facto de o Governo tomar medidas "à socapa" é algo da "política de antigamente". Miguel Relvas recorda que "há uma grande liberdade na comunicação" que não permite que as notícias sejam camufladas" e considera que a leitura de que o Governo podia fazê-lo sem o eleitorado perceber seria "estar a menorizar os portugueses".
Ocorre-me o slogan desta Selecção: «Vontade de Vencer». A seguir o 'hino' emprestado pelos Black Eyed Peas: I've got a feeling. E, depois, um pensamento fundo e sincero: mais do que o 'feeling' «de que este vai ser o ano da nossa Selecção» gostava, isso sim, que este fosse (finalmente!) o ano do meu País.
O líder parlamentar do Bloco de Esquerda, José Manuel Pureza, relembra "os factos recentes, mostram que o Governo quer suavizar o PEC em prestações e que apresentou as medidas durante a visita do Papa, o que é uma coincidência, no mínimo, interessante".
Também o secretário-geral do CDS-PP, João Almeida, afirma que "as medidas mais complicadas foram tomadas entre o Benfica se ter sagrado campeão nacional e a vinda do Papa, o que é um mau indício para o Mundial".
O sociólogo Manuel Villaverde Cabral também acredita que José Sócrates possa utilizar este "estratagema", embora duvide do seu sucesso, pois, "apesar de tudo, o feeling não é o mesmo de 2004, quando houve a fuga de Barroso".
Os deputados do CDS e Bloco de Esquerda são também defensores de que o Mundial de futebol ofusca a política. "O espaço mediático ocupado pelo Mundial passa, obviamente, as questões políticas para segundo plano", comenta João Almeida. Já José Manuel Pureza admite que os portugueses estejam a "abdicar de alguma inquietação", mas devido aos níveis de austeridade "a capacidade de distracção tende a ser menor do que era antes".
Quem considera que, neste momento, o Governo não terá grande folga, é o secretário-geral do PSD, Miguel Relvas, que diz que "os portugueses estão tão cansados, tão fartos da governação, que este Governo já não se salva com futebol, nem com nenhum dos três F [Fado, Fátima e Futebol]".
Por outro lado, questionado sobre se o Governo podia apresentar um PEC III durante o Mundial, o porta-voz social-democrata acredita que o facto de o Governo tomar medidas "à socapa" é algo da "política de antigamente". Miguel Relvas recorda que "há uma grande liberdade na comunicação" que não permite que as notícias sejam camufladas" e considera que a leitura de que o Governo podia fazê-lo sem o eleitorado perceber seria "estar a menorizar os portugueses".
(...)
Ocorre-me o slogan desta Selecção: «Vontade de Vencer». A seguir o 'hino' emprestado pelos Black Eyed Peas: I've got a feeling. E, depois, um pensamento fundo e sincero: mais do que o 'feeling' «de que este vai ser o ano da nossa Selecção» gostava, isso sim, que este fosse (finalmente!) o ano do meu País.
link
Que a Pátria me perdoe, mas se a vitória significar mais entorpecimento, mais distracção e anestesia, quase dou por mim a desejar que Mourinho esteja certo e que Portugal "volte já!", que é para ver se a folga é breve e curta porque o País não pode esperar mais. Não tarda chegam as férias de Verão e já basta, na reentré, que Outubro chegue envolto no fogo de artifício das comemorações do Centenário da República. Dois passinhos e vem o São Martinho, mais a água-pé, as castanhas e o Magusto e os feriados do começo de Dezembro. A seguir vem o Natal e depois, como sempre, é tempo de pausa para preparar o espírito e a fatiota para o Reveillon. Um tirinho e estaremos noutro ano que, como se sabe, entra sempre em banho-maria com o Carnaval no horizonte e a tal promessa de Terça-feira Gorda. A custo e de arrasto, só se arranca depois das cinzas.
Que Portugal "volte já!", nesse caso. Que é para ver se os portugueses se fixam em paixões mais reais e se mobilizam em torno de objectivos que garantam alegrias menos efémeras, capazes de fazer a diferença e de nos dar a todos outro futuro.Qualquer coisa mais a sério. Qualquer coisa menos risível.
É que precisamos desesperadamente de ser 'melhores' em tantas coisas mais!... Precisamos tanto de ser "melhores" em bem mais do que só no futebol!... E para sermos "melhores" temos mesmo que melhorar. E MUITO. Mas isso, como se aprende a observar o que se passa entre as quatro linhas, só mesmo com concentração e sem falhar os treinos. Dia após dia. Todos os dias.


