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Uma vergonha muito, 'muito péssima' nas páginas desta edição da revista Veja II

A leitura deste artigo publicado pela revista Veja, suscitou-me desde logo uma indignação impossível de calar e que já aqui manifestei no Conexão.
Como se já não bastassem a forma e o conteúdo do artigo em questão – ambos condenáveis, volto a a sustentar – sou hoje alertada para o método que presidiu à sua elaboração. Ao que parece os autores inventaram entrevistas e declarações de especialistas que não só não ouviram, nem conversaram, como nunca chegaram sequer a contactar.
A provarem-se, estas acusações não só violam por completo o código deontológico do jornalismo como representam um crime gravíssimo a diversos outros níveis, da invocação abusiva das palavras de outrem à usurpação do pensamento alheio, passando pela desonestidade intelectual e falsificação de texto. É uma conduta a todos os títulos eticamente reprovável, intolerável num texto amador, num post de blog, num trabalho de estudante e sem sombra de dúvida inadmissível num orgão de comunicação social, esta que indicia a nota dirigida à revista por Eduardo Viveiros de Castro, antropólogo que integra a lista de especialistas que surgem citados no artigo.

Transcrevo-a na íntegra, tamanha a minha perplexidade:

Ao Editores da revista Veja:

Na matéria “A farra da antropologia oportunista” (Veja, ano 43 nº 18, de 05/05/2010), seus autores colocam em minha boca a seguinte afirmação: “Não basta dizer que é índio para se transformar em um deles. Só é índio quem nasce, cresce e vive num ambiente cultural original” .
Gostaria de saber quando e a quem eu disse isso, uma vez que (1) nunca tive qualquer espécie de contato com os responsáveis pela matéria; (2) não pronunciei em qualquer ocasião, ou publiquei em qualquer veículo, reflexão tão grotesca, no conteúdo como na forma. Na verdade, a frase a mim mentirosamente atribuída contradiz o espírito de todas declarações que já tive ocasião de fazer sobre o tema. Assim sendo, cabe perguntar o que mais existiria de “montado” ou de simplesmente inventado na matéria. A qual, se me permitem a opinião, achei repugnante.
Grato pela atenção,

Eduardo Viveiros de Castro
Antropólogo – UFRJ


O cientista que o artigo da revista Veja coloca em cheque e ao qual, a avaliar pelo pedido de esclarecimento que envia à publicação, atribui afirmações citadas na primeira pessoa que o próprio desconhece e assegura não ter produzido, garantindo jamais ter sido sequer contactado pela revista, é um dos mais respeitados nomes da Antropologia mundial.
No que se refere à credibilidade do cientista de que estamos a falar, basta uma rápida consulta na Wikipédia para que se dispense um conhecimento mais profundo dos meandros cientifico-académicos. É de supor que os autores do artigo disso tinham conhecimento pois consideraram de valia lançar mão ao seu nome insuspeito, ainda que a respeitabilidade do mesmo não lhes tenha sequer merecido o mais elementar apreço. Eduardo Viveiros de Castro é antropólogo e nasceu em 1951 no Rio de Janeiro. Os índios yawalapíti foram tema da sua dissertação de mestrado e os araweté da sua tese de doutoramento, ambas defendidas no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social do Museu Nacional (UFRJ), onde Viveiros de Castro é professor desde 1978. Leccionou na École des Hautes Études en Sciences Sociales de Paris e nas universidades de Chicago e Cambridge. Escreveu para as mais conceituadas revistas académicas, entre as quais a L’Homme e a Mana. É considerado internacionalmente um dos principais investigadores das etnias brasileiras. Publicou inúmeros artigos e livros, desde sempre considerados  importantes contributos para o entendimento da antropologia brasileira e da etnologia americanista, como por exemplo a obra From the enemy’s point of view: humanity and divinity in an Amazonian society, editado pela University of Chicago Press em 1992, Amazônia: etnologia e história indígena e A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. Uma das suas mais significativas contribuições refere-se, aliás, ao desenvolvimento do conceito de "perspectivismo amazônico".
Sobre ele, disse certa vez Claude Lévi-Strauss, seu colega e mentor: «Viveiros de Castro é o fundador de uma nova escola na antropologia. Com ele sinto-me em completa harmonia intelectual».
Apenas para que conste.

Posted by por AMC on 07:33. Filed under , , . You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Feel free to leave a response

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