13:42 | Posted by por AMC
por Ricardo Araújo Pereira
No ano de 1143, o Papa Inocêncio II reconheceu que Portugal era um  país*. Oitocentos e sessenta e sete anos depois, temo que Bento XVI  venha cá dizer-nos que talvez o seu antecessor se tenha precipitado. O  Papa visita Portugal numa altura em que, ao que dizem pessoas versadas  em economia, embora contradizendo outras pessoas igualmente versadas em  economia, o País está à beira da bancarrota. É inquietante não perceber  se o Papa vem abençoar-nos ou dar-nos a extrema-unção. Seria demasiado  atentatório do protocolo que o Presidente Cavaco Silva tentasse  convencer o Santo Padre a devolver-nos aquelas quatro onças de ouro que  D. Afonso Henriques começou a pagar anualmente à Santa Sé? Podia ser uma  boa ajuda para sair da crise, mas é provável que o Vaticano já tenha  gasto tudo em hóstias e talha dourada. 
Portugal pode ao menos aproveitar a visita do Papa para aprender com a  Igreja, sobretudo nesta altura em que o País parece condenado a fazer à  União Europeia o que a Igreja faz aos fiéis: pedir esmola. Na verdade,  dificilmente haverá país que viva mais de acordo com a lei de Cristo do  que Portugal: há anos que os portugueses têm vindo a despojar-se dos  bens materiais e a abdicar da riqueza. Se os países morressem (e não é  assim tão certo que o nosso não esteja com os pés para a cova), Portugal  seria certamente dos que iriam para o céu. 
Para o Papa, visitar Portugal é a decisão mais inteligente que poderia  ter tomado. A Igreja tem sido abalada pelo escândalo de pedofilia, e não  haverá nada mais sensato a fazer quando se está envolvido num escândalo  do que viajar para um país em que os escândalos são corriqueiros. De  todos os altos dignitários que vai encontrar, Bento XVI deve ser o que  está menos atormentado por escândalos. Portugal é a Brobdingnag dos  escândalos. Assim como Gulliver se sente mínimo em Brobdingnag, qualquer  escândalo estrangeiro se sente pequenino em Portugal. O périplo do Papa  pelo nosso país será o equivalente a uma pessoa que tem uma pequena  nódoa na camisa ir rodear-se de pintores de parede com os fatos-macaco  todos sarapintados. Quem se atreverá a censurar o Papa por comandar uma  instituição que só pediu desculpa a Galileu mais de 350 anos depois do  seu julgamento quando é essa, precisamente, a duração média de um  julgamento em Portugal? Aqui, qualquer um se sente impoluto. Deve ser  nisso que consiste a nossa celebrada hospitalidade.
* Mais ano menos ano, mais Papa menos Papa. Não me chateiem. O rigor  histórico atrapalha quem quer trabalhar.