Derivas buarquianas: Ó, por favor, 'Meu Caro Amigo'...!!
O fim-de-semana traz enfim algum tempo para ler o longuíssimo especial sobre Chico Buarque que aqui recomendei. No conjunto inclui-se uma entrevista ao próprio, conduzida pela dupla Daniel Cariello/Thiago Araújo, respectivamente editor e director da revista Brazuca.
A dada altura o assunto rasa a política e sobrevoa a orientação de voto nas eleições presidenciais que chegarão em Outubro.
Diz Chico:
(...) Não sou do PT, nunca fui ligado ao PT. Ligado de certa forma, sim, pois conheço o Lula mesmo antes de existir o PT, na época do movimento metalúrgico, das primeiras greves. Naquela época, nós tínhamos uma participação política muito mais firme e necessária do que hoje. Eu confesso, vou votar na Dilma porque é a candidata do Lula e eu gosto do Lula. Mas, a Dilma ou o Serra, não haveria muita diferença.
O voto é um direito inalienável de cada um. Pertence ao domínio da consciência do indivíduo e é, sob esse ponto de vista, absolutamente inquestionável. Nada a dizer, portanto, no que se refere ao candidato escolhido por Chico diante da possibilidade das urnas. Todavia, a partir do momento em que prescinde do direito que lhe assiste de o manter secreto, o torna não só do domínio do conhecimento geral como o argumenta publicamente, confere-nos a todos o direito de ajuizar sobre o que deixa expresso, nomeadamente da força e consistência das razões que aponta e da sua maior ou menor coerência quando cruzadas com a sua própria história de vida, pensamento, obra e demais trajectórias conhecidas.
Repito: não é o voto de Chico em Dilma que está ou alguma vez poderá legitimamente ser posto em causa. É a surpreendente fragilidade com que o sustenta e que lhe serve de argumento, de onde resulta um abissal contraste, difícil de enquadrar política, artística, social e civicamente, sobretudo se quisermos continuar a olhar o exílio político do final da década de 60 com a mesma seriedade que nos mereceu até aqui e não como um mero modismo ou um capricho afinal oco, moldado gratuitamente à semelhança do que eram as convicções intelectuais dominantes dessa época.
Sob esse ponto de vista é desconcertante, para não dizer chocante, a deriva de convicções que Buarque manifesta. Não, não acreditava que pudesse identificar-se com o grupo dos que acham que gostar de Lula é ter que gostar da 'mulher de Lula'. E não, muito menos o supunha tão confuso ou tão indiferente, ao ponto de achar que tanto faz comer carne como peixe, que é como quem diz, Dilma ou Serra. Como se alguma vez espinha e osso se mastigassem e digerissem da mesma maneira!...
* A partir de 3 de Maio, a desgravação completa da conversa fica disponível no site mas, por enquanto, este trecho está disponível no blog do Marcelo Souza.


