Vinícius de Moraes está livre
Uma excelente notícia: Vinícius de Moraes está livre!... Toda a obra do poeta encontra-se agora disponível para consulta e download gratuito na Brasiliana, a Biblioteca Digital da USP.
O lançamento da colecção completa aconteceu esta segunda-feira, durante o Simpósio Internacional de Políticas Públicas Para Acervos Digitais, com direito a festa e um mini-bus equipado com iPads e Kindles, com o objectivo simbólico de levar os admiradores de Vinícius a darem uma 'voltinha' com a obra do poeta.
Leio no Link:
A obra de Vinícius livre na rede é excepção. A Brasiliana só conseguiu esse catálogo porque a família do poeta liberou. Essa não é a praxe. Segundo Pedro Puntoni, coordenador da biblioteca, os direitos autorais são um “gargalo”. “Temos obras raríssimas de Guimarães Rosa que não podemos digitalizar”, lamenta.
A lei 9610, de 1998, determina que uma obra fique protegida por 70 anos após a morte do autor. Mas o problema, segundo Puntoni, não é o tempo. “Não há nenhum dispositivo na lei que permita que bibliotecas públicas, instituições culturais e acervos digitalizem seus acervos mesmo que seja pra fins de preservação. Não estou falando nem em publicar isso na internet. A lei não permite que se faça reproduções do acervo nem para preservá-lo. Esse é um problema que complica o direito maior: a obrigação do estado de preservare garantir o acesso do cidadão à cultura”, disse ao Link o coordenador da Brasiliana.
Segundo ele, a lei acaba impedindo que “grande parte da literatura brasileira” recente fique de fora do projeto da Brasiliana. Puntoni que a Reforma na Lei de Direito Autoral contemple essas questões. “Senão teremos um grande gargalo ou um grande enfrentamento”, diz.”As universidades e bibliotecas são instrimentos de formação dos leitores, e também de formação de um mercado para as editoras. Elas já têm um apoio gigantesco do governo e poderiam ter uma relação mais pró-ativa com a cultura digital”, diz o coordenador da Brasiliana.
Leitora com a obra de Vinícius de Moraes
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Vinicius de Moraes (Rio de Janeiro, 1913-1980) é nome dos mais significativos na vida cultural brasileira do século XX. Além de poeta, bem acolhido pela crítica do tempo e festejado como poucos pelo público leitor, foi autor de teatro, com destaque para Orfeu da conceição (1956), e crítico de cinema e cronista de colaboração regular na grande imprensa do país. Com o advento da Bossa Nova, na segunda metade da década de 1950, intensificou sua atuação como compositor e letrista, tornando-se uma das figuras centrais da música popular brasileira.
Manuel Bandeira, apreciando Cinco elegias (1943), foi lapidar a respeito do autor: “Porque ele tem o fôlego dos românticos, a espiritualidade dos simbolistas, a perícia dos parnasianos (sem refugar, como estes, as sutilezas barrocas), e finalmente, homem bem do seu tempo, a liberdade, a licença, o esplêndido cinismo dos modernos.” Já na “Advertência” que abre sua Antologia poética (1954), Vinicius propunha a existência de duas fases na sua poesia: uma primeira, “transcendental, frequentemente mística, resultante de sua fase cristã”; e uma seguinte, “de aproximação do mundo material, com a difícil mas consistente repulsa ao idealismo dos primeiros anos”. De uma forma ou de outra, essas duas considerações ainda hoje conformam boa parte dos juízos da crítica a respeito dos desenvolvimentos de sua obra.
Vinicius de Moraes estréia na literatura com O caminho para a distância, em 1933, sob o influxo do catolicismo militante de Jackson de Figueiredo, Tristão de Athayde e Octavio de Faria. Predominam os poemas em versos longos e livres, à maneira de versículos bíblicos, de tom elevado e solene, às voltas com os temas do espiritualismo cristão caro àqueles escritores. Trata-se de uma poesia tributária da herança simbolista, programaticamente distante do humor e da irreverência do Modernismo de 1922. Os livros seguintes, Forma e exegese (1935) e Ariana, a mulher (1936), seguem, em linhas gerais, o mesmo caminho.
Uma transformação evidente se processa a partir de Novos poemas (1938) e se consolida com Poemas, sonetos e baladas (1946), Antologia poética (1954) e Novos poemas II (1959). A poesia torna-se formalmente multifacetada, com textos em versos livres e outros com base em metros e formas da tradição (como o decassílabo e a redondilha, a balada e o soneto). Ao mesmo tempo em que maneja os recursos expressivos da poesia moderna, torna-se um renovador dos antigos modos de poetar. Em Livro de sonetos (1957), reúne o que de melhor produziu dentro dessa forma, da qual se tornou um dos principais cultores em língua portuguesa no século XX. Na poesia madura de Vinicius de Moraes, o tom elevado dos primeiros livros convive com uma linguagem mais despojada e coloquial, que soube aprender as lições de Bandeira, Mário de Andrade e Drummond. São desses anos alguns de seus poemas mais conhecidos, como “Soneto de Fidelidade”, “Balada do Mangue”, “O Dia da Criação”, “Soneto de Separação”, “Pátria Minha”, “Poética”, “Receita de Mulher” e “O Operário em Construção”.
A partir de meados dos anos 50, a poesia passa a dividir com a música popular as energias criativas do autor. Na literatura, publica Para viver um grande amor (1962), que reúne crônicas e poemas; Para uma menina com uma flor (1966), com crônicas; A arca de Noé (1970), com poemas voltados ao público infantil; e outros volumes de poesia, em edições de pequena tiragem e mais restrita circulação, como História natural de Pablo Neruda (1974), A casa (1975) e Um signo, uma mulher (1975). Na música, paralelamente, Vinicius de Moraes projeta-se como o grande letrista da Bossa Nova e nome referencial da MPB dos anos 60 e 70, fazendo a ponte entre a poesia do livro e a letra de canção. A partir de Vinicius, compositores mais jovens, como Chico Buarque de Holanda, Caetano Veloso e Gilberto Gil, por exemplo, adentram o campo literário e passam a ser percebidos como “poetas” pelas novas gerações. A música popular atinge um estatuto de igualdade em relação à produção cultural mais crítica e criativa do país, num reconhecimento que chega ao meio acadêmico. A partir de Vinicius, e assim como ele, outros poetas vão transitar com desenvoltura entre o poema e a letra de música, como Torquato Neto, Cacaso, Wally Salomão, Paulo Leminski, Alice Ruiz, Antonio Cicero e Arnaldo Antunes, numa tendência viva até os dias de hoje.
por Marcelo Sandmannm
(professor adjunto do Departamento de Linguística, Letras Clássicas e Vernáculas da UFP)
Para ler na Brasiliana Digital:
- O caminho para a distancia (1933)
- Forma e exegese (1935)
- Ariana, a mulher (1936)
- Novos poemas (1938)
- 5 elegias (1943)
- Poemas, sonetos e baladas (1946)
- Pátria minha (1949)
- Orfeu da Conceição: tragédia carioca (1956)
- Livro de sonetos (1957)
- Receita de mulher: volante 1 (1957)
- Novos poemas: II (1949-1956) (1959)
- Antologia poética (1960)
- O mergulhador (1968)
- Um signo: uma mulher (1975)
- A casa (1975)
Outras sugestões de leitura:
- CASTELLO, José. Vinicius de Moraes: o poeta da paixão. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
- FERRAZ, Eucanaã. Vinicius de Moraes. 2ª ed. São Paulo: Publifolha, 2008.
- FERREIRA, David Mourão. “O amor na poesia de Vinicius de Moraes”. Repr. em MORAES, Vinicius. Poesia completa e prosa. 4ª ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2004.
- JUNQUEIRA, Ivan. “Vinicius de Moraes: língua e linguagem poética”. Em O signo e a sibila, Rio de Janeiro: Topbooks, 1993. Repr. em MORAES, Vinicius. Poesia completa e prosa. 4ª ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2004.
- RESENDE, Otto Lara. “O caminho para o soneto”. Repr. em MORAES, Vinicius. Poesia completa e prosa. 4ª ed. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 2004.


