"E se isto nunca mudar?"
Não sou dado a discursos catastrofistas. Mas há dias em que se perde a esperança de dar a este País alguma dignidade. Em que se começa a acreditar que a nossa sina é viver num eterno atraso onde só os chicos-espertos podem vingar. Há dias em que pensamos que não vale a pena. Que a única forma de mudar é sair daqui e entregar isto aos névoas, aos ruis pedros soares , aos godinhos. Há dias em que sentimos que não temos direito à esperança de deixar um país decente aos nossos filhos e só nos resta esperar que eles consigam ir embora à primeira oportunidade.
Acordamos, no dia seguinte, e tentamos acreditar que, com muita persistência, a democracia, ainda sequestrada por gente sem valores nem escrúpulos, acabará por se impor. E conseguiremos estancar a sangria de recursos que a corrupção provoca. Temos de ser optimistas. Mas há dias em que custa acreditar que alguma vez vai ser diferente.
Daniel Oliveira
Leio o texto na íntegra e penso: podia ter sido eu a escrever estas linhas. Mas não. É um desabafo pouco comum no Daniel, reconheço, mas que infelizmente traduz à raiz o estado de espírito da grande maioria das pessoas que prezo e considero, em Portugal. E não é recente. Já leva uma bem medida década. E é por isso que temos que assistir impotentes à debandada geral. Não é só a 'fuga dos cérebros'. É a fuga de todos a começar pelo comum cidadão. Tentamos manter-nos firmes. Defendemos um discurso construtivo e resistimos aos lamentos. Esforçamo-nos por não desistir. De nós, dos que estão à nossa volta, do País que nos disseram que devíamos tomar conta por afinal nos pertencer. Acordamos um dia atrás do outro a acreditar que a política, o jornalismo, a arte, o conhecimento, a cidadania são armas bastantes. Mas a verdade é que a fatal pergunta nos assedia a todos em alguma hora e cada vez com mais frequência: «E se isto nunca mudar?». E é o obsidiante da pergunta, a saturante repetição da resposta que é sempre a mesma e coisa nenhuma que vai vencendo e ganhando terreno, quer queiramos ou não. Por mais que nos recusemos a admitir e não estejamos dispostos a aceitar. Desiste-se de Portugal e busca-se outro lugar à luta, onde construir valha a pena e algum eco se dê ao mérito e à vontade. De Angola à Austrália. Porque a verdade é que as pessoas já não suportam as injustiças do País e acreditam cada vez menos que chegue o prometido dia de virar a mesa e as regras do jogo, que é como quem diz, o dia em que sobre a mesa se volte a jogar de acordo com as regras do jogo. Sem batota.
O problema, a preocupação, o alarme maior é constatar que quanto mais Portugal enxota quem tem valor, mais o país fica entregue às sobras. Enquanto isso os 'chico-espertos' vão ganhando cada vez mais terreno e não tarda muito serão realmente a única opção possível. Porque, de facto, não terá restado mais ninguém por cá. Só eles: oportuna e 'oportunisticamente', claro está. Mas para bem da sua sorte e irremediável mal de Portugal e dos teimosos que insistem em cá quererem continuar: "fazendo força pra viver honestamente".


