Coisa rara: a Amazónia e os povos indigenas são 'notícia' no site de 'O Expresso'
A meio da manhã, muito lá no fundo do site do O Expresso vejo o link: Brasil: Povos indígenas insurgem se contra terceira maior barragem do mundo
Por instantes fico animada, embora inevitavelmente me pergunte a que se deverá o milagre. É raríssimo a Amazónia ser notícia em Portugal, a não ser nas secções de turismo e viagens (e mesmo assim...!). No que respeita aos povos indígenas, então, a raridade é maior ainda: só se for uma grande tragédia ou a coisa for muito folclórica. Bom, se o assunto forem os índios mas eles vierem na bizarra, porém, famosa companhia do Sting ou da Gisele Bündchen, aí então a gente interessa-se pela coisa, mas é preciso que tenha foto. Se valer até talvez tenha chance de dar capa, mas só nessa condição.
Clico no link para ler, mesmo sabendo que, infelizmente, o caso não é de hoje. Bem pelo contrário: tem barbas, bem como o histórico das múltiplas ondas de protesto que tem levantado, tanto no Brasil como no exterior. Mas enfim: 'mais vale tarde que nunca', digo para comigo, ao menos o assunto chega por fim aos jornais de Portugal. Muito atrasado, mas chega.
Enquanto a página abre e não abre, faço aquele exercício mental que resulta do vício da profissão e vou tentando adivinhar de que modo a questão será abordada, enqunato penso na trabalheira que será contextualizar um caso tão imbricado, que tem barbas e já conheceu mil desenvolvimentos, de forma a que os leitores portugueses o entendam, quando nunca se falou dele anteriormente.
Entretanto a página carrega e quando abre, qual não é o meu espanto, a tal notícia sobre a Amazónia e os povos indígenas que merecia chamada na homepage (cá bem ao fundo, é certo!) do site do principal semanário do país resume-se a esses dois parágrafos:
Os povos indígenas "não estão a ser ouvidos" sobre a construção de uma das maiores hidroeléctricas do mundo na Amazónia, critica o líder da etnia Juruna, que se opõe ao projeto. "Estamos a ter os nossos direitos desrespeitados. Queremos que o povo indígena seja ouvido para colocar a nossa opinião contrária", afirma Sheila Juruna.
O Governo brasileiro planeia construir a terceira maior hidroelétrica do mundo na floresta amazónica, na região conhecida por Volta Grande do Xingu.
A notícia é dada assim, sem mais nem menos. E pronto. Ora eu duvido que, atirada dessa forma, adiante de alguma coisa. Já nem falo do ponto de vista dos povos indígenas e da divulgação do seu protesto, falo do interesse que possa ter para os leitores. Duvido que tenham entendido seja o que for e mais ainda que ler essa "nota" os tenha deixado mais esclarecidos.
Convenhamos, 'Volta do Grande Xingu' para a maioria dos portugueses, até para os que somam férias no nordeste brasileiro, no mínimo é nome de filme classe D comprado em pacotes a saldo no refugo de Hollywood, episódio de série de domingo à tarde e, assim mesmo, sem grande pista se será de ficção ou comédia ligeira. 'Volta do Grande Xingu'?? O que é isso?
E a verdade é que nenhum leitor de O Expresso tem obrigação de ter que alguma vez ter pisado a Amazónia para poder entender o que vem escrito no site do jornal que acessa e lê, ao que tudo indica porque busca ser informado.
Não é o que sucede ao ler esta notícia. Se nada se sabia, nada se fica a saber. A não ser que se considere importante saber que uma tal Sheila Juruna e mais uns quantos indígenas se sentem desrespeitados porque a sua opinião não foi ouvida pelo Governo brasileiro sobre a construção da 3ª maior hidroeléctrica do mundo na Amazónia. (Tchiii... e não é que melhorei o recorde? Consegui dizer o mesmo ainda em menos palavras!).
De que hidroelétrica estamos exactamente a falar? Que projecto é esse? Que pretende o Governo com ele? Quais as razões que levam os indígenas a se lhe oporem? Porque é que existem opiniões contrárias? O que tem de especial essa região?
Que, no final, estas e outras perguntas fiquem a bailar sem resposta na compreensão de quem leu e ficou ainda mais confuso, parece não importar rigorosamente para nada.
Pesquiso um pouco e descubro que a notícia estava na Agência Lusa.
Isso, somado talvez ao facto de ser Domingo (coisa trágica para quem tem que fazer jornais e alimentar-lhes os sites, não é?! De tanto que nunca acontece nada, qualquer coisa passa logo a ser boa...até o que de outra forma nunca valeria o suficiente para ser noticiado!) explica, provavelmente, o milagre de a Amazónia e os povos indígenas terem merecido uma chamada na página de entrada do site de O Expresso. Só não explica é porque razão, tratando-se de um mero 'copy+paste' da Agência Lusa, não se colocou a totalidade do artigo e se achou que o parágrafo de introdução bastava.
Aliás, além dessa descoberta faço uma outra: a de que tenho estado a ser injusta com O Expresso porque, afinal de contas, o Diário Digital, a RTP, a Visão, o Sapo Notícias, o Destakes, o Portal da Madeira, etc, etc, etc fazem exactamente o mesmo.
Salva-se o site da SIC, o único onde a informação surge com pés e cabeça.
Passo a transcrever na íntegra para fazermos um teste:
Os povos indígenas "não estão a ser ouvidos" sobre a construção de uma das maiores hidroelétricas do mundo na Amazónia, critica o líder da etnia Juruna, que se opõe ao projeto. O Governo brasileiro planeia construir a terceira maior hidroelétrica do mundo na floresta amazónica, na região conhecida por Volta Grande do Xingu.
"Estamos a ter os nossos direitos desrespeitados. Queremos que o povo indígena seja ouvido para colocar a nossa opinião contrária", afirma Sheila Juruna.
Indígenas, agricultores e ribeirinhos temem que o desvio do curso do rio acabe com a vida na localidade por falta de água.
Xingu, na língua kamaiurá, quer dizer água limpa. É também o nome deste rio, no coração da Amazónia brasileira, por onde percorre cerca de dois mil quilómetros até ao litoral do estado do Pará.
Nas suas margens vivem mais de duzentas mil pessoas para quem o rio Xingu é fonte de alimentos, transporte e lazer.
A construção da mega hidroelétrica de Belo Monte está a mobilizar esforços de ambientalistas e povos indígenas para impedir o empreendimento.
Na última semana, povos indígenas e dezenas de representantes de organizações locais, nacionais e internacionais reuniram-se na cidade de Altamira, no Pará, para discutir estratégias para travar o leilão previsto para abril.
O principal problema, segundo o advogado do Instituto Socioambiental, Raul do Valle, é que a licença prévia de construção "desconsidera" a análise da equipa técnica do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
De acordo com um documento de novembro passado, técnicos da agência ambiental admitiam desconhecer se os peixes do Xingu sobreviveriam à canalização do rio, qual o volume de água que sobraria para a região de Volta Grande e o total de pessoas que migrariam em busca de empregos gerados na construção da central.
Há pouco mais de um mês, quando a licença ambiental foi emitida, eles continuavam a duvidar da viabilidade de Belo Monte.
Falta de diálogo
A falta de diálogo e a pressa para o início da obra, sem ter sido esclarecido o destino a dar às pessoas atingidas pelo projeto, também gerou protestos.
Antónia Pereira, líder do movimento de mulheres de Altamira, critica que a Amazónia não tem as "políticas públicas necessárias nem para os que lá vivem", tão pouco para as mais de 200 mil pessoas que serão atraídas para a obra da hidroelétrica.
Os ambientalistas afirmam que a energia gerada por Belo Monte levará poucos benefícios à região e que será quase toda utilizada por empresas que exportam a sua produção para outros países.
"É um projeto pensado exclusivamente para as grandes empresas que já estão instaladas na Amazónia ou querem expandir o seu negócio basicamente na mineração", contesta Ana Paula Souza, coordenadora da Fundação Viver, Produzir e Preservar, que promove políticas de desenvolvimento sustentável na Amazónia.
Segundo a responsável, a maioria do aço produzido naquela região é exportada para o sudeste asiático e Europa.
Apesar dos protestos, o projeto orçado em pelo menos 20 mil milhões de reais (cerca de 8 mil milhões de euros) avança rápido.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social (BNDES) já anunciou que irá financiar o vencedor do leilão até 80 por cento da obra.
E então?! Desapareceram as perguntas básicas, certo? Pelo menos os povos indígenas já não parecem apenas uns chatos birrentos e afinal os jornalistas sempre sabem escrever. Faz algum sentido agora, não é assim?! Pois é... Também me parece que sim.
Posted by por AMC
on 11:25. Filed under
cadernos da amazónia,
coisas que dão que pensar,
ESPUMAS
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