Oxalá Alegre resista à tentação
Oxalá Manuel Alegre resista à tentação de questionar a candidatura de Fernando Nobre com base no argumento da experiência política que lhe possa ou não ser atribuída. Tendo Alegre longa história na luta política portuguesa e papel de extremo relevo no derrube da ditadura e na afirmação do regime democrático em Portugal, temo bem que seja uma tentação demasiado forte.
Será um erro que lhe pode custar caro.
Primeiro porque perderia coerência: as pessoas dificilmente perceberiam o ataque a uma candidatura da esfera civil, por parte de alguém como Alegre que, nas últimas presidenciais se apresentou ao eleitorado reclamando exactamente essa mesma esfera de emanação. Mais: que a posicionou como uma vantagem, no sentido da imunidade à lógica espartilhada dos aparelhos partidários, tão carentes de autonomia e, como se constata, credibilidade junto dos cidadãos (a cada dia mais descrentes da classe politico-partidária).
Segundo porque desbarataria a franja mais promissora do seu eleitorado. Estrategicamente seria romper com um entendimento que tem colhido pela capacidade de saber interpretar, na hora certa e de forma mais consonante, aquilo que a vontade popular tem expressado ultimamente nas urnas. Os resultados de Helena Roseta à autarquia de Lisboa quando concorreu como independente, e os do próprio Manuel Alegre, nas presidenciais passadas atestam-no bem. Seria, não apenas irónico, como trágico que Manuel Alegre ou os seus apoiantes fizessem tábua rasa da fórmula de sucesso que eles próprios descobriram, na cegueira de angariar, desta vez, o apoio oficial dos socialistas.
Detestaria ver Manuel Alegre cair na armadilha, vestir a pele de Mário Soares nas últimas presidenciais e prestar-se a representar idêntico papel: o do candidato traído, maneatado pelo ressentimento da própria traição, sem dela se conseguir libertar e, consequentemente, agir.
Se Alegre olhar para Fernando Nobre como um candidato que lhe vem desafiar uma base de apoio comum, estará a proceder como Soares procedeu consigo em 2005. Pior: clamando por ela, estará a enclausurar-se na mesma horta política que custou a derrota a Soares, deixando o vasto terreno que lhe valeu uma impressionante percentagem do eleitorado, livre para quem quiser e souber ocupá-lo. Fernando Nobre, por exemplo.