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Madrugada de 25 de Agosto de 1988: «notícia de última hora: o Chiado está a arder»

Alguns e-mails a perguntar por essa tragédia de 25 de Agosto de 1988, a que há dias fiz referência aqui. Às vezes não ocorre que nem todos os leitores do blog são portugueses ou lisboetas.
Nesse sentido, aqui fica então um contributo abreviado ao enquadramento da dimensão do Incêndio do Chiado na história da cidade de Lisboa.



Compilação da emissão especial desse dia, com a cobertura de reportagem da RTP.

Convém recordar que, por essa altura, não existiam canais privados de televisão em Portugal e que a TV por cabo era ainda uma miragem da ficção. O primeiro, a SIC, só haveria de estrear em Outubro de 1992. Catorze anos mais tarde. Até lá, a RTP continuou a ser a nossa única estação, ainda que desdobrada no canal 1, generalista, e no canal 2, de vocação mais cultural.

(...)

Lisboa era a imagem dantesca do caos. A cortina de fumo estendia-se até ao Estoril e os farrapos das cinzas atravessavam o Rio Tejo e chegavam às encostas da Serra da Arrábida, sopradas pelo vento de um Verão quente que só contribuía para agravar as chamas. A estreiteza dos becos e travessas das ruas que o Marquês de Pombal quis traçar largas e geométricas – para espanto do séc. XVIII, que tanto lhe criticou a megalomania – revelava-se demasiado apertada à compressão das labaredas. Para agravar, um dos acessos mais imediatos ao foco principal do incêndio, a Rua do Carmo, estava completamente vedada à circulação, atravancada pelos célebres e tão contestados canteiro de cimento, com dimensões gigantescas, que Nuno Abecassis (então presidente da Câmara) permitira no local. Os carros dos bombeiros não conseguiam rasgar passagem e o obstáculo que se revelaram no combate às chamas deu origem a uma polémica inflamada. Abecassis perderia logo em seguida a autarquia para João Soares, aliás, muito por conta disso.
Tudo ardia. As frentes do fogo deflagravam em todas as direcções e a confusão era total. Tanta que me recordo que só perto do meio-dia é que a polícia começou a aperceber-se que havia gente por todos os lados e a interpor barreiras para manter a população à distância. Até lá andava-se por onde se queria e as chamas permitiam, numa irresponsabilidade que só o pânico e o desespero de ver uma parte capital do património da cidade a arder desenfreadamente explicam. Eu mesma andei por lá, como uma barata tonta, o apego às memórias em combustão a misturar-se ao bichinho do jornalismo, apesar de ter só 17 anos e todos aqueles testemunhos e fotos recolhidos não terem nenhum destino à publicação.

Era esse marasmo de moradores e não moradores, polícia, bombeiros, protecção civil, mangueiras, carros de incêndio e uma parafernália sem fim, que se tornava difícil romper, sobretudo à televisão que ainda desconhecia as maravilhas da técnica que hoje a libertam e lhe dão mobilidade nos terrenos mais sinuosos da acção. Não era assim naquela época e as notícias acusavam o empecilho de uma máquina demasiado pesada de constrangimentos múltiplos.
Foi nesse cenário que a rádio, a mesma que tinha dado laivos do seu imenso alcance, quer durante a resistência à ditadura, com as suas emissões clandestinas, quer na madrugada do 25 de Abril, para deixar passar a Revolução, se revelou de uma eficácia e utilidade magistrais. Porque a rádio dispensava cabos e câmaras e tripés e carros de exteriores e etc, etc. O repórter bastava-se a si próprio. Sozinho, com um aparelho transmissor à tiracolo e um microfone na mão, ganhava uma agilidade que lhe permitia chegar a todo o lado primeiro que toda a gente. Depois era entregar à voz e ao génio essa capacidade para dar a ver través da palavra, que só ela tem. Céus, e como se tornaram míticos os relatos de José Manuel Mestre, por exemplo. Era como se o próprio funcionamento do organismo humano se revertesse em função da necessidade de adaptação exigida pela ocasião e, em realidade, aquilo que se experienciava fosse directamente do olho à boca, encontrando canal aberto e absoluto na voz, por obra de uma misteriosa comutação da habituais vias de processamento da informação na percepção humana.

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Alguns excertos desses múltiplos directos estão compilados no Dossier TSF: 'Incêndio no Chiado - 20 anos depois'.
Para escutar AQUI

António Pinto Rodrigues foi o primeiro jornalista a chegar ao local, apenas com «uns trocos para o telefone» que Sena Santos, o editor, lhe deu à pressa, à saída da redacção (a era dos telemóveis também ainda estava por acontecer). A TSF tinha, então, apenas 6 meses e afirmou-se como a primeira rádio de informação portuguesa justamente a partir dessa maratona de 54h ininterruptas de reportagem, veloz e certeira como o país nunca tinha assistido.
Essas memórias do repórter em revista AQUI

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 Dossier AQUI

Cf. também:
  • Especial publicado pelo Jornal de Notícias para evocar a efeméride. E depois este texto e este sobre a reconstrução do Chiado.
  • Blog do DN dedicado ao debate público promovido, em 2006, sobre o plano de Revitalização da Baixa-Chiado, onde constam alguns textos de reflexão interessantes
  • Candidatura da Baixa Pombalina a Património Mundial
  • A Baixa Pombalina, um R.I.P. blog (é pena!) que, todavia, conserva online um arquivo de vários materiais sobre esta região da ciadde

Posted by por AMC on 10:03. Filed under , , , . You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Feel free to leave a response

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