Caymmi e o Cancioneiro da Bahia
“Conta a lenda que a lagoa de Abaeté, em Itapoá, é Mal Assombrada. Essa lagoa é uma das moradas preferidas de Yemanjá. Muita gente tem morrido nas águas dessa lagoa, afogada, desaparecida na lama do fundo da lagoa. Dizem na Bahia que na Lagoa do Abaeté, no mistério das suas águas, batem os espíritos dos pescadores, macumba em honra da mãe d’agua. Que pelas noites se ouve o batuque saudando a sereia. E que os homens ali afogados são aqueles por quem Yemanjá se apaixonou. Foram lá tomar banho, a sereia os viu, e levou-os consigo prô fundo da lagoa escura. É a lenda que corre na boca das lavadeiras que durante o dia estão estendendo a roupa lavada na areia da lagoa, tão alva que parece açúcar refinado, dunas que cercam a morada de Janaína.” [ Dorival Caymmi em O cancioneiro da Bahia ]
Com prefácio de Jorge Amado, o livro O cancioneiro da Bahia reúne histórias da Bahia das canções praieiras, e apresenta a "Preta do acarajé", "As lendas da Rainha do Mar e do Abaeté".
Publicado em 1947, ano do lançamento de "Marina", antes do disco Canções praieiras, o livro é Dorival Caymmi em suas primeiras rotações.
Nesta edição do 78 RPM, gravações históricas de Caymmi, como "O que é que a baiana tem?", o primeiro registro do baiano recém-chegado no Rio de Janeiro com a benção de Carmen Miranda, as duas faces do disco "O mar", tragédia praieira com orquestração de Radamés Gnatalli, e "Pescaria". Tudo contado pelo próprio Caymmi, em gravações do Bando da Lua, Anjos do Inferno, Trio de Ouro, Benedito Lacerda, Laurindo de Almeida, e violão do próprio compositor.
REPERTÓRIO DO PROGRAMA.
"O Mar", por Dorival Caymmi e Orquestra de Radamés Gnatalli (1940)
"O Que é que a baiana tem?", por Dorival Caymmi e Carmen Miranda, Garoto e o Bando da Lua (1939)
"A preta do acarajé", por Dorival Caymmi e Carmen Miranda (1939)
"Acontece que eu sou baiano", por Anjos do Inferno (1944)
"Vatapá", por Anjos do Inferno (1942)
"Balaio grande", por Dorival Caymmi e o Regional de Benedito Lacerda (1941)
"O dengo que a nega tem", por Carmen Miranda e conjunto Odeon
"É doce morrer no mar", por Dorival Caymmi
"A jangada voltou só", por Dorival Caymmi
"Roda pião", por Dorival Caymmi e Carmen Miranda (1939)
"História pro sinhozinho", por Trio de Ouro
"Noite de temporal", por Dorival Caymmi, Dilermando Reis, Laurindo de Almeida e Garoto (1940)
"Sodade matadeira", por Dorival Caymmi (1947)
"Pescaria", por Trio de Ouro (1944)
via Rádio CulturaBrasil 78rpm
A Rainha do Mar segundo o pintor, gravador e desenhista Clóvis Graciano (1907-1988) presentes na 4a edição do Cancioneiro da Bahia.
Uma das ilustrações do pintor, gravador e desenhista Clóvis Graciano (1907-1988) presentes na 4a edição do Cancioneiro da Bahia.
Página de abertura do capítulo Canções do Mar, do livro Cancioneiro da Bahia, desenhada por Clóvis Graciano (1907-1988).
Página de abertura do capítulo Sambas, do livro Cancioneiro da Bahia, desenhada por Clóvis Graciano (1907-1988).
Página de abertura do capítulo Do Folk-Lore, do livro Cancioneiro da Bahia, desenhada por Clóvis Graciano (1907-1988).
Vida & Arte
LANÇAMENTO
O velho e o mar
Stella Caymmi registrou a história do avô, autor de ''É doce morrer no mar'', ''Saudades da Bahia'' e ''Só louco'', entre outras 117 músicas. A biografia Dorival Caymmi - O Mar e o Tempo é lançada hoje, às 19 horas, na livraria Siciliano
Sílvia Bessa
Especial para O POVO
13 Mar 2002 - 00h36min
Especial para O POVO
13 Mar 2002 - 00h36min
Durante o longo período de pesquisa, a profissional colheu depoimentos do biografado (80 horas gravadas), de amigos, músicos, escritores, familiares. Entre os entrevistados estão personalidades diversas: Carybé, Jorge Amado, Jorginho Guinle, Joel Silveira, Sérgio Cabral, Tônia Carrero, Zélia Gattai, Braguinha, Caetano Veloso, Gilberto Gil, João Gilberto, Chico Buarque, João Ubaldo, Millôr Fernandes, Mário Lago.
E a neta recebeu os diários escritos por Dorival entre os anos 30 e 70, sua correspondência, músicas inéditas, fotos e documentos da família.
Há quem diga que, embora escrita por quem foi, a obra parece uma biografia não autorizada. Outros acham que o livro foi um pouco sacrificado pelo duelo entre a subjetividade e a objetividade, o relato pessoal e a narrativa em terceira pessoa. Mas não se discutem a qualidade do extenso trabalho e a importância de Dorival Caymmi para a música brasileira. Méritos que renderam a indicação ao Prêmio Jabuti de 2002 na categoria de Reportagem e Biografia.
O Mar e o Tempo é dividido em cinco partes. A primeira conta a origem da família Caymmi, a infância de Dorival em Salvador. Tempo em que ouvia o pai reclamar do seu jeito supostamente errado de tocar violão, jeito que lhe garantiria anos mais tarde um lugar único na música. ''Desde pequeno acho que o som deve ter outra beleza, além do acorde perfeito'', ensina.
A segunda parte do livro retrata a vida de Caymmi e do Rio de Janeiro nas décadas de 30 e 40. O compositor passa pelas três grandes rádios da capital, conhece a cantora Stella Tostes, casa-se, e tem sua música ''O que é que a baiana tem?' gravada por Carmem Miranda, cantora de maior sucesso no Brasil de então.
Aí Caymmi compõe as músicas ''Marina'' e ''Saudade'' que marcam uma nova fase de sua carreira, a das canções urbanas. A parte três do livro retrata este período entre 1947 e 1956, quando ele torna-se amigo de Jorge Amado e Carlos Lacerda, além de Jorginho Guinle e outros playboys que agitavam a Zona Norte do Rio.
Depois vem a bossa nova, na quarta parte da biografia. Novas amizades, os excessos alcoólicos, internações na Clínica São Vicente. Por fim o reconhecimento e as homenagens a partir da década de 70.
''Meu avô conseguiu se manter atual ao longo de todos esses anos. Perceba que quando veio a bossa nova - com uma nova proposta de canto, ritmo, harmonia - uma geração inteira foi esquecida e ele não. Tanto que João Gilberto gravou 'Rosa Morena' (música de Dorival) no primeiro disco Chega de Saudade'', ressalta, orgulhosa, Stella Caymmi.
Dorival Caymmi, hoje com 87 anos, também se orgulha. Leu as primeiras 100 páginas da biografia, deixou que a neta lesse para ele o que faltava. Gostou e elogiou o que leu e ouviu.
SERVIÇO:
Lançamento do livro Dorival Caymmi - O Mar e o Tempo e bate-papo com a autora Stella Caymmi. Na Livraria Siciliano, Shopping Iguatemi. Hoje, às 19 horas. O lançamento terá a presença da cantora Nana Caymmi, mãe de Stella e filha do biografado. Mais informações: (85) 241.3632.
Dorival Caymmi - O Mar e o Tempo, de Stella Caymmi. Rio de Janeiro, 2001. Editora 34. 630 páginas. Preço: R$ 75,00.
via O Povo Online
Cantor e Compositor brasileiro
Dorival Caymmi
30/04/1914, Salvador (BA)
16/08/2008, Rio de Janeiro (RJ)
16/08/2008, Rio de Janeiro (RJ)
Da Redação
Em São Paulo
Em São Paulo
Folha Imagem
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Com uma obra caracterizada pelos temas praianos e músicas que destacam a beleza de sua terra natal, Dorival Caymmi é considerado um dos maiores compositores da música popular brasileira.
Neto de italianos, seu avô veio para o Estado trabalhar na reforma do Elevador Lacerda, um dos principais cartões postais da capital baiana, Caymmi nasceu em Salvador no dia 30 de abril de 1914. Sua ligação com a música vem desde a infância. Seu pai trabalhava como funcionário público e era músico amador, tocando violão, piano e bandolim, e sua mãe cantava em meio aos afazeres domésticos.
Ao completar 13 anos, interrompeu os estudos, após concluir o 1° ano colegial, e foi trabalhar no jornal "O Imparcial", onde ficou até 1929, quando o veículo encerrou suas atividades. Com 16 anos, já sabia tocar violão, técnica que aprendeu sozinho, e compôs a sua primeira música, a toada 'No Sertão'. Quatro anos depois, estreou na Rádio Clube da Bahia cantando e tocando violão, até que em 1935 ganhou o seu próprio programa: 'Caymmi e suas Canções Praieiras'. Nesta época recebeu um abajur cor-de-rosa ao vencer um concurso de músicas de Carnaval com o samba 'A Bahia também dá'.
Dois anos depois, aos 23 anos, Caymmi pegou um ita (nome dado aos navios que faziam a rota Norte-Sul do Brasil) e foi para o Rio de Janeiro realizar um curso preparatório de Direito e tentar conseguir um emprego como jornalista. Morando em uma pensão e trabalhando em um jornal do grupo 'Diários Associados', continuou compondo e cantando. Em 1938, começou a se apresentar como calouro na rádio Tupi (RJ), de propriedade de Assis Chateaubriand, e, depois de algum sucesso, passou a cantar em um dos programas populares da época, o 'Dragão da Rua Larga'.
Sucesso Internacional
Foi nessa época, final dos anos 30, que Dorival Caymmi deu um grande salto para o sucesso mundial, ao interpretar no rádio uma de suas canções, 'O que é que baiana tem'. O estilo inovador chamou atenção de uma empresa de cinema que buscava uma música para substituir 'No Tabuleiro da baiana', de Ary Barroso, que foi recusada devido ao alto cachê cobrado pelo artista mineiro, então no auge da carreira. A música, tema do filme 'Banana da Terra', impulsionou a carreira de Caymmi e consagrou internacionalmente Carmem Miranda. O primeiro encontro entre os dois aconteceu na casa do compositor. Logo após ouvir a música que seria tema do filme, a cantora portuguesa criou o figurino de roupas rendadas e balangandãs que marcou definitivamente a sua carreira.
Em setembro de 39, Dorival Caymmi começou a compor e apresentar várias obras-primas com o mar como principal inspiração, como 'Rainha do Mar', 'Promessa de Pescador' e 'O Mar', música utilizada em um espetáculo coordenado pela então primeira-dama Darcy Vargas. Já trabalhando na Rádio Nacional (RJ), conheceu a cantora Stella Maris, com quem se casou e teve três filhos, todos músicos: Danilo, Dori e Nana.
A partir dos anos 40, o compositor baiano passou a se dedicar ao samba-canção, gênero musical que vinha sendo praticado desde Noel Rosa. A música emblemática desta fase é 'Marina', gravada em 1947, por Dick Farney. Também neste período conheceu um conterrâneo que se tornou um grande amigo, Jorge Amado. Os personagens do escritor serviram de inspiração para algumas de suas canções como 'É doce morrer no Mar', 'Modinha para Gabriela' e 'Retirantes'.
Em 45, musicou um hino para a campanha do líder comunista Luís Carlos Prestes ao Senado. Mantida em sigilo durante muitos anos, a letra foi publicada pela primeira vez no livro 'Dorival Caymmi, o Mar e o Tempo', de autoria da neta Stella Caymmi. 'Vamos votar/ com Prestes votar/ Para o Partido Comunista/ Vamos votar', dizia um dos trechos do hino.
Na década de 50 surgiu um outro baiano na vida de Caymmi. Com um estilo de cantar diferente, João Gilberto gravou 'Rosa Morena' e 'Saudade da Bahia', levando a música de Caymmi para a Bossa-Nova, ritmo que explodiu em todo o mundo e influenciou toda uma geração de artistas. Na Bossa-Nova, ele também conheceu um compositor que levaria a beleza da música brasileira para o mundo: Tom Jobim. Até a morte de Jobim, em dezembro de 94, os dois compositores mantiveram um forte laço de amizade.
Títulos e homenagens
Reconhecido e premiado em vários países, Dorival Caymmi ganhou a alcunha de 'preguiçoso' por demorar muito tempo para lançar discos e apresentar novas músicas. Nunca compôs sob pressões externas e chegou a levar anos na criação de algumas músicas. Conta-se que demorou nove anos para concluir esta estrofe da letra de 'João Valentão'. 'E assim adormece este homem/ Que nunca precisa dormir pra sonhar /Porque não há sonho mais lindo / Do que sua terra não há!'.
A obra de Caymmi não pode ser considerada extensa: aproximadamente 120 canções distribuídas em 20 discos, onde se destacam as melodias praieiras, as de inspiração no folclore da Bahia e os sambas-canções urbanos. Para isto, Caetano Veloso, outro baiano, tem uma explicação. "É verdade que Caymmi compôs pouco mais de 100 músicas, mas todas são obras-primas. Quem é o compositor que pode se dar a esse luxo? Eu queira ser um preguiçoso assim."
Ao completar 90 anos, em abril de 2004, ganhou uma grande homenagem de seus filhos: um show que percorreu as principais capitais brasileiras com as suas canções. Desde que deixou Salvador, Dorival Caymmi divide seu tempo entre a tranqüilidade da cidade natal de sua esposa, Pequeri, na região de Juiz de Fora, em Minas Gerais, e o Rio de Janeiro.
Símbolo de sabedoria e sucesso, coleciona homenagens, como títulos (Cidadão Honorário do Município do Rio de Janeiro e Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal da Bahia), comendas (Orde dês Arts et dês Letters e Ordem do Mérito Judiciário do Trabalho e Ordem do Mérito da Bahia), medalhas (Medalha do Mérito Castro Alves, Medalha Machado de Assis e Medalha do Mérito Santos Dumont), e um busto (modelado pelo escultor Bruno Giorgi nos anos 50) em Salvador, passando pela praça e avenida Dorival Caymmi em Itapuã, também na capital baiana. Outra grande homenagem à obra do compositor baiano aconteceu em 1986, quando a Escola de Samba Mangueira venceu o Carnaval carioca ao escolher como tema do seu samba-enredo a sua vida.
Caymmi morreu aos 94 anos de idade, de insuficiência renal e falência múltipla dos órgãos. O compositor estava em casa, mas, segundo declaração de familiares, sua saúde já estava abalada há algum tempo.
Neto de italianos, seu avô veio para o Estado trabalhar na reforma do Elevador Lacerda, um dos principais cartões postais da capital baiana, Caymmi nasceu em Salvador no dia 30 de abril de 1914. Sua ligação com a música vem desde a infância. Seu pai trabalhava como funcionário público e era músico amador, tocando violão, piano e bandolim, e sua mãe cantava em meio aos afazeres domésticos.
Ao completar 13 anos, interrompeu os estudos, após concluir o 1° ano colegial, e foi trabalhar no jornal "O Imparcial", onde ficou até 1929, quando o veículo encerrou suas atividades. Com 16 anos, já sabia tocar violão, técnica que aprendeu sozinho, e compôs a sua primeira música, a toada 'No Sertão'. Quatro anos depois, estreou na Rádio Clube da Bahia cantando e tocando violão, até que em 1935 ganhou o seu próprio programa: 'Caymmi e suas Canções Praieiras'. Nesta época recebeu um abajur cor-de-rosa ao vencer um concurso de músicas de Carnaval com o samba 'A Bahia também dá'.
Dois anos depois, aos 23 anos, Caymmi pegou um ita (nome dado aos navios que faziam a rota Norte-Sul do Brasil) e foi para o Rio de Janeiro realizar um curso preparatório de Direito e tentar conseguir um emprego como jornalista. Morando em uma pensão e trabalhando em um jornal do grupo 'Diários Associados', continuou compondo e cantando. Em 1938, começou a se apresentar como calouro na rádio Tupi (RJ), de propriedade de Assis Chateaubriand, e, depois de algum sucesso, passou a cantar em um dos programas populares da época, o 'Dragão da Rua Larga'.
Sucesso Internacional
Foi nessa época, final dos anos 30, que Dorival Caymmi deu um grande salto para o sucesso mundial, ao interpretar no rádio uma de suas canções, 'O que é que baiana tem'. O estilo inovador chamou atenção de uma empresa de cinema que buscava uma música para substituir 'No Tabuleiro da baiana', de Ary Barroso, que foi recusada devido ao alto cachê cobrado pelo artista mineiro, então no auge da carreira. A música, tema do filme 'Banana da Terra', impulsionou a carreira de Caymmi e consagrou internacionalmente Carmem Miranda. O primeiro encontro entre os dois aconteceu na casa do compositor. Logo após ouvir a música que seria tema do filme, a cantora portuguesa criou o figurino de roupas rendadas e balangandãs que marcou definitivamente a sua carreira.
Em setembro de 39, Dorival Caymmi começou a compor e apresentar várias obras-primas com o mar como principal inspiração, como 'Rainha do Mar', 'Promessa de Pescador' e 'O Mar', música utilizada em um espetáculo coordenado pela então primeira-dama Darcy Vargas. Já trabalhando na Rádio Nacional (RJ), conheceu a cantora Stella Maris, com quem se casou e teve três filhos, todos músicos: Danilo, Dori e Nana.
A partir dos anos 40, o compositor baiano passou a se dedicar ao samba-canção, gênero musical que vinha sendo praticado desde Noel Rosa. A música emblemática desta fase é 'Marina', gravada em 1947, por Dick Farney. Também neste período conheceu um conterrâneo que se tornou um grande amigo, Jorge Amado. Os personagens do escritor serviram de inspiração para algumas de suas canções como 'É doce morrer no Mar', 'Modinha para Gabriela' e 'Retirantes'.
Em 45, musicou um hino para a campanha do líder comunista Luís Carlos Prestes ao Senado. Mantida em sigilo durante muitos anos, a letra foi publicada pela primeira vez no livro 'Dorival Caymmi, o Mar e o Tempo', de autoria da neta Stella Caymmi. 'Vamos votar/ com Prestes votar/ Para o Partido Comunista/ Vamos votar', dizia um dos trechos do hino.
Na década de 50 surgiu um outro baiano na vida de Caymmi. Com um estilo de cantar diferente, João Gilberto gravou 'Rosa Morena' e 'Saudade da Bahia', levando a música de Caymmi para a Bossa-Nova, ritmo que explodiu em todo o mundo e influenciou toda uma geração de artistas. Na Bossa-Nova, ele também conheceu um compositor que levaria a beleza da música brasileira para o mundo: Tom Jobim. Até a morte de Jobim, em dezembro de 94, os dois compositores mantiveram um forte laço de amizade.
Títulos e homenagens
Reconhecido e premiado em vários países, Dorival Caymmi ganhou a alcunha de 'preguiçoso' por demorar muito tempo para lançar discos e apresentar novas músicas. Nunca compôs sob pressões externas e chegou a levar anos na criação de algumas músicas. Conta-se que demorou nove anos para concluir esta estrofe da letra de 'João Valentão'. 'E assim adormece este homem/ Que nunca precisa dormir pra sonhar /Porque não há sonho mais lindo / Do que sua terra não há!'.
A obra de Caymmi não pode ser considerada extensa: aproximadamente 120 canções distribuídas em 20 discos, onde se destacam as melodias praieiras, as de inspiração no folclore da Bahia e os sambas-canções urbanos. Para isto, Caetano Veloso, outro baiano, tem uma explicação. "É verdade que Caymmi compôs pouco mais de 100 músicas, mas todas são obras-primas. Quem é o compositor que pode se dar a esse luxo? Eu queira ser um preguiçoso assim."
Ao completar 90 anos, em abril de 2004, ganhou uma grande homenagem de seus filhos: um show que percorreu as principais capitais brasileiras com as suas canções. Desde que deixou Salvador, Dorival Caymmi divide seu tempo entre a tranqüilidade da cidade natal de sua esposa, Pequeri, na região de Juiz de Fora, em Minas Gerais, e o Rio de Janeiro.
Símbolo de sabedoria e sucesso, coleciona homenagens, como títulos (Cidadão Honorário do Município do Rio de Janeiro e Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal da Bahia), comendas (Orde dês Arts et dês Letters e Ordem do Mérito Judiciário do Trabalho e Ordem do Mérito da Bahia), medalhas (Medalha do Mérito Castro Alves, Medalha Machado de Assis e Medalha do Mérito Santos Dumont), e um busto (modelado pelo escultor Bruno Giorgi nos anos 50) em Salvador, passando pela praça e avenida Dorival Caymmi em Itapuã, também na capital baiana. Outra grande homenagem à obra do compositor baiano aconteceu em 1986, quando a Escola de Samba Mangueira venceu o Carnaval carioca ao escolher como tema do seu samba-enredo a sua vida.
Caymmi morreu aos 94 anos de idade, de insuficiência renal e falência múltipla dos órgãos. O compositor estava em casa, mas, segundo declaração de familiares, sua saúde já estava abalada há algum tempo.
via UOL Educação
Ao saber da intenção de Stella Caymmi de escrever a história de seu avô Dorival Caymmi, Jorge Amado decretou que o livro deveria ser o que o escritor baiano, jocoso, definiu como “biografia erótica”. Ciente do caráter mulherengo do autor de músicas como “Marina” e “Dora”, Stella soube transcender os pudores familiares em Dorival Caymmi – O Mar e o Tempo (Ed. 34, 632 págs., R$ 75). Não se trata de uma biografia erótica, como queria Amado, mas de um retrato nítido e isento da trajetória profissional e amorosa de Dorival.
O livro é saboroso como o vatapá cantado por Caymmi em uma de suas canções. Stella conseguiu imprimir em seu texto primoroso um tom ligeiramente poético, condizente com o refinamento da obra de Caymmi. Sem nunca abandonar o rigor jornalístico da informação objetiva e sucinta.
Estão relatados em O Mar e o Tempo todos os acontecimentos relevantes da vida de Caymmi, desde a infância – vivida com tranqüilidade nos mares da Bahia – até a meteórica ascensão no Rio de Janeiro. Como a autora reconhece logo na introdução do livro, muito do êxito de sua biografia se deve à memória prodigiosa de Dorival, que relembra detalhes de fatos ocorridos há mais de 50 anos.
Como bônus, o livro traz uma crônica inédita de Caymmi – “Dê Lembrança a Todos”, datada de 1971 – e um apêndice com as letras ainda inéditas do compositor. História de Pescador
Histórias de Caymmi
O MAR – O fascínio de Dorival Caymmi pelo mar começou em Amaralina, bairro baiano. Aos domingos, a caminho da casa dos avós, o então menino se deliciava com a batida das ondas no mar e do vento nos coqueiros. Mais tarde, já adolescente, Dorival dava suas escapulidas com os amigos para curtir a praia de Itapuã. Dali nasceria a inspiração para suas canções praieiras.
O AMOR – Caymmi conheceu no auditório da Rádio Nacional a mulher que ficaria ao seu lado a vida inteira. Stella Maris iniciava carreira de cantora e, ao entoar “Último Desejo”, fisgou na hora o coração do jovem Dorival. Já casados, ela mostraria seu temperamento forte para tentar, em vão, evitar diminuir as estripulias do marido.
DORA – Uma mulata de corpo escultural inspirou Caymmi a fazer os versos de “Dora”. A música nasceu em Pernambuco. Caymmi estava num bar quando avistou a mulata dançando frevo num cortejo carnavalesco.
via IstoÉ Gente
CAYMMI VOLTA PARA O MAR
O compositor baiano nos lega uma obra simples, compacta e precisa
POR PEDRO ALEXANDRE SANCHES
Em 1978, quando procurava traduzir seu ideário musical num texto explicativo, Dorival Caymmi cunhou uma definição precisa não só da obra iniciada em meados dos anos 30, mas de si próprio. Em raro momento de prosa, escreveu assim, no livro Cancioneiro da Bahia, de letras, cifras e comentários caymmianos: “Os negros e mulatos que têm suas vidas amarradas ao mar têm sido a minha mais permanente inspiração. Não sei de drama mais poderoso que o das mulheres que esperam a volta, sempre incerta, dos maridos que partem todas as manhãs para o mar”.
O mulato de sangue africano, italiano e português se referia ao imaginário norteador de parte substancial de sua criação, mas hoje parece nítido que oferecia também uma metáfora sobre o modo como ele enfrentou a vida, o trabalho e a arte. Nascido em Salvador, em 1914, e morto no Rio, no sábado 16 de agosto de 2008, ele lega ao Brasil um relicário musical compacto, conciso. Segundo documentou a neta Stella, na biografia O Mar e o Tempo (2001), são meras 101 canções, apresentadas ao longo de mais de sete décadas de presença na cultura local.
Cedo Caymmi descobriu-se pescador de canções. Fisgou-as em água salgada, na praia de Itapuã, e carregou-as na bagagem quando, aos 23 anos, pegou um ita no Nordeste e veio ao Rio morar, para sempre. A saudade da Bahia seria o eterno retorno do pescador musical, que faria fama e fortuna, aqui e alhures, a partir da associação com Carmen Miranda (1909-1955). Portuguesa criada carioca, a “falsa baiana” apanhou de Caymmi o samba O Que É Que a Baiana Tem? (1939) e os balangandãs que espalharia pelos filmes da Atlântida e, depois, de Hollywood.
São do Caymmi jovem e recém-exilado no Rio pedras fundamentais como Promessa de Pescador (1939), O Mar (1940), Noite de Temporal (1940), É Doce Morrer no Mar (1941, sobre texto de Jorge Amado) e A Jangada Voltou Só (1941), logo merecedoras da alcunha de canções praieiras.
O mar, como se sabe, foi o nutriente essencial do compositor-inventor que levantava vôo. Mas não era o único. Pouco se fala sobre isso, mas nas primeiras canções, como em muitas outras depois, a morte seria tema sempre à espreita, de a jangada saiu com Chico Ferreira e Bento/ a jangada voltou só a é doce morrer no mar/ nas ondas verdes do mar. Caymmi fazia-se porta-voz simbólico do operário braçal pobre e oprimido, e, nos cantos de trabalho que entoava, volta e meia a noite era de temporal.
A vida, o trabalho e a morte no mar voltariam de modo recorrente à voz de trovão de Caymmi. Outro ápice foi a aterrorizadora suíte História de Pescadores, que ocuparia metade do LP Caymmi e o Mar (1957). Ao mar, somaria um conjunto restrito e delimitado de temas, como a paixão pelo samba (O Samba da Minha Terra, 1940), as coisas e festas da Bahia (A Preta do Acarajé, 1939, Vatapá, 1942, Dois de Fevereiro, 1957) e, depois, os ritos do candomblé (Oração de Mãe Menininha, 1972).
Caymmi seguiu o curso da música gravada no século passado, da consolidação do disco como bem comercial na “era do rádio” à desmaterialização da música via iPod. Gravou nos modelos inaugurais as mais importantes criações. Quando, em meados dos anos 50, foi inventado o LP, de várias músicas reunidas num “álbum”, priorizou regravá-las, apenas as adequando aos novos figurinos. Lançado ao mar da indústria musical, foi à captura dos peixes-canções que já conhecia, e que não ficam em risco de extinção com sua morte.
Adquiriu pecha de autor “lento”, até “preguiçoso”, mas é que seu imaginário estava pronto, consolidado. A Caymmi, nunca interessou dourar pílulas de criatividade ou abundância.
O oceano musical ficava por vezes revolto e tornava instável a jangada caymmiana. Ele presenciou as rupturas que vieram, e até participou de algumas, numa química que nem sempre o artista mais velho e o mais novo conseguem (ou querem) produzir.
Nos anos 40, por exemplo, surgia uma antítese bombástica de Caymmi, chamada Luiz Gonzaga. Onde um era praia e mar, o outro era sertão e caatinga. Se um co-inventara o samba baiano, o outro esparramaria o forró pernambucano a partir do estrondo de Baião (1949). O que num era mansidão e idílio explodiu no outro como árida e bruta realidade. Pareciam incompatíveis, mas eram necessariamente complementares. Com Caymmi e Gonzaga (inclusive no patriarcalismo agudo de ambos), o Brasil teve de começar a compreender seu norte, seu Nordeste, suas entranhas.
Não se sabe se houve relação de causa e efeito, mas foi exatamente aí que a música de Caymmi sofreu a mais forte (talvez a única) virada. De repente se acariocou, abrandou o trovão e a veia social, foi cantar Copacabana. E cumpriu papel crucial na popularização do samba-canção, mais lento e menos marítimo que qualquer peça anterior. Nunca Mais (1949), Não Tem Solução (1950), Você Não Sabe Amar (1950), Sábado em Copacabana (1951), Nem Eu (1952) e Só Louco (1955) hoje soam como prenúncios em série da chegada da bossa nova, em 1958.
A guinada afastou-o da crueza de Gonzaga e o aproximou do futuro. João Gilberto tirou do baú de Caymmi vários dos sambas que vestiria de bossa, como Saudade da Bahia (1957) ou Doralice (1945). Caymmi apadrinhou o discípulo também baiano na gravadora Odeon. Nos anos 60, gravaria discos em parceria com Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Uma canção de Caymmi Visita Tom e Leva Seus Filhos, Nana, Dori e Danilo (1964) trazia a voz da cantora Stella Maris, que abandonara a profissão ao se casar com Caymmi. Ela não entrava no rol de convidados agraciados no título.
Idolatrado pelos tropicalistas de 1968, passaria mais ou menos ileso pelo próximo projeto arrasa-quarteirão de ruptura na música nacional. Nos anos 70, Gal Costa e Maria Bethânia popularizaram Oração de Mãe Menininha (as duas) e Modinha de Gabriela (a primeira).
O africanizado LP Caymmi (1972) foi o derradeiro a conter vários (e inspirados) temas inéditos. A partir daí, afastou-se progressivamente de nossa presença. Viveu a vida na brisa, com docilidade de pescador, um amanhecer após cada pôr-do-sol. Há três décadas já é história em estado bruto. Viveu 94 anos e foi descobrir (mas não nos contará) quão doce é morrer à beira do mar. O vento que o soprou ao encontro de Iemanjá foi o do mar adotivo, de Copacabana, não o de Itapuã.
BIOGRAFIA | 07/01/2002 |
Dorival Caymmi – O Mar e o Tempo Compositor baiano tem sua história de vida contada lindamente por sua neta
Mauro Ferreira
Américo Vermelho
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Caymmi: amor à música e às mulheres |
O livro é saboroso como o vatapá cantado por Caymmi em uma de suas canções. Stella conseguiu imprimir em seu texto primoroso um tom ligeiramente poético, condizente com o refinamento da obra de Caymmi. Sem nunca abandonar o rigor jornalístico da informação objetiva e sucinta.
Estão relatados em O Mar e o Tempo todos os acontecimentos relevantes da vida de Caymmi, desde a infância – vivida com tranqüilidade nos mares da Bahia – até a meteórica ascensão no Rio de Janeiro. Como a autora reconhece logo na introdução do livro, muito do êxito de sua biografia se deve à memória prodigiosa de Dorival, que relembra detalhes de fatos ocorridos há mais de 50 anos.
Como bônus, o livro traz uma crônica inédita de Caymmi – “Dê Lembrança a Todos”, datada de 1971 – e um apêndice com as letras ainda inéditas do compositor. História de Pescador
Histórias de Caymmi
O MAR – O fascínio de Dorival Caymmi pelo mar começou em Amaralina, bairro baiano. Aos domingos, a caminho da casa dos avós, o então menino se deliciava com a batida das ondas no mar e do vento nos coqueiros. Mais tarde, já adolescente, Dorival dava suas escapulidas com os amigos para curtir a praia de Itapuã. Dali nasceria a inspiração para suas canções praieiras.
O AMOR – Caymmi conheceu no auditório da Rádio Nacional a mulher que ficaria ao seu lado a vida inteira. Stella Maris iniciava carreira de cantora e, ao entoar “Último Desejo”, fisgou na hora o coração do jovem Dorival. Já casados, ela mostraria seu temperamento forte para tentar, em vão, evitar diminuir as estripulias do marido.
DORA – Uma mulata de corpo escultural inspirou Caymmi a fazer os versos de “Dora”. A música nasceu em Pernambuco. Caymmi estava num bar quando avistou a mulata dançando frevo num cortejo carnavalesco.
via IstoÉ Gente
Quarta-feira, Setembro 03, 2008
o mar e dorival caymmi
da "carta capital" 510, de 27 de agosto de 2008.CAYMMI VOLTA PARA O MAR
O compositor baiano nos lega uma obra simples, compacta e precisa
POR PEDRO ALEXANDRE SANCHES
Em 1978, quando procurava traduzir seu ideário musical num texto explicativo, Dorival Caymmi cunhou uma definição precisa não só da obra iniciada em meados dos anos 30, mas de si próprio. Em raro momento de prosa, escreveu assim, no livro Cancioneiro da Bahia, de letras, cifras e comentários caymmianos: “Os negros e mulatos que têm suas vidas amarradas ao mar têm sido a minha mais permanente inspiração. Não sei de drama mais poderoso que o das mulheres que esperam a volta, sempre incerta, dos maridos que partem todas as manhãs para o mar”.
O mulato de sangue africano, italiano e português se referia ao imaginário norteador de parte substancial de sua criação, mas hoje parece nítido que oferecia também uma metáfora sobre o modo como ele enfrentou a vida, o trabalho e a arte. Nascido em Salvador, em 1914, e morto no Rio, no sábado 16 de agosto de 2008, ele lega ao Brasil um relicário musical compacto, conciso. Segundo documentou a neta Stella, na biografia O Mar e o Tempo (2001), são meras 101 canções, apresentadas ao longo de mais de sete décadas de presença na cultura local.
Cedo Caymmi descobriu-se pescador de canções. Fisgou-as em água salgada, na praia de Itapuã, e carregou-as na bagagem quando, aos 23 anos, pegou um ita no Nordeste e veio ao Rio morar, para sempre. A saudade da Bahia seria o eterno retorno do pescador musical, que faria fama e fortuna, aqui e alhures, a partir da associação com Carmen Miranda (1909-1955). Portuguesa criada carioca, a “falsa baiana” apanhou de Caymmi o samba O Que É Que a Baiana Tem? (1939) e os balangandãs que espalharia pelos filmes da Atlântida e, depois, de Hollywood.
São do Caymmi jovem e recém-exilado no Rio pedras fundamentais como Promessa de Pescador (1939), O Mar (1940), Noite de Temporal (1940), É Doce Morrer no Mar (1941, sobre texto de Jorge Amado) e A Jangada Voltou Só (1941), logo merecedoras da alcunha de canções praieiras.
O mar, como se sabe, foi o nutriente essencial do compositor-inventor que levantava vôo. Mas não era o único. Pouco se fala sobre isso, mas nas primeiras canções, como em muitas outras depois, a morte seria tema sempre à espreita, de a jangada saiu com Chico Ferreira e Bento/ a jangada voltou só a é doce morrer no mar/ nas ondas verdes do mar. Caymmi fazia-se porta-voz simbólico do operário braçal pobre e oprimido, e, nos cantos de trabalho que entoava, volta e meia a noite era de temporal.
A vida, o trabalho e a morte no mar voltariam de modo recorrente à voz de trovão de Caymmi. Outro ápice foi a aterrorizadora suíte História de Pescadores, que ocuparia metade do LP Caymmi e o Mar (1957). Ao mar, somaria um conjunto restrito e delimitado de temas, como a paixão pelo samba (O Samba da Minha Terra, 1940), as coisas e festas da Bahia (A Preta do Acarajé, 1939, Vatapá, 1942, Dois de Fevereiro, 1957) e, depois, os ritos do candomblé (Oração de Mãe Menininha, 1972).
Caymmi seguiu o curso da música gravada no século passado, da consolidação do disco como bem comercial na “era do rádio” à desmaterialização da música via iPod. Gravou nos modelos inaugurais as mais importantes criações. Quando, em meados dos anos 50, foi inventado o LP, de várias músicas reunidas num “álbum”, priorizou regravá-las, apenas as adequando aos novos figurinos. Lançado ao mar da indústria musical, foi à captura dos peixes-canções que já conhecia, e que não ficam em risco de extinção com sua morte.
Adquiriu pecha de autor “lento”, até “preguiçoso”, mas é que seu imaginário estava pronto, consolidado. A Caymmi, nunca interessou dourar pílulas de criatividade ou abundância.
O oceano musical ficava por vezes revolto e tornava instável a jangada caymmiana. Ele presenciou as rupturas que vieram, e até participou de algumas, numa química que nem sempre o artista mais velho e o mais novo conseguem (ou querem) produzir.
Nos anos 40, por exemplo, surgia uma antítese bombástica de Caymmi, chamada Luiz Gonzaga. Onde um era praia e mar, o outro era sertão e caatinga. Se um co-inventara o samba baiano, o outro esparramaria o forró pernambucano a partir do estrondo de Baião (1949). O que num era mansidão e idílio explodiu no outro como árida e bruta realidade. Pareciam incompatíveis, mas eram necessariamente complementares. Com Caymmi e Gonzaga (inclusive no patriarcalismo agudo de ambos), o Brasil teve de começar a compreender seu norte, seu Nordeste, suas entranhas.
Não se sabe se houve relação de causa e efeito, mas foi exatamente aí que a música de Caymmi sofreu a mais forte (talvez a única) virada. De repente se acariocou, abrandou o trovão e a veia social, foi cantar Copacabana. E cumpriu papel crucial na popularização do samba-canção, mais lento e menos marítimo que qualquer peça anterior. Nunca Mais (1949), Não Tem Solução (1950), Você Não Sabe Amar (1950), Sábado em Copacabana (1951), Nem Eu (1952) e Só Louco (1955) hoje soam como prenúncios em série da chegada da bossa nova, em 1958.
A guinada afastou-o da crueza de Gonzaga e o aproximou do futuro. João Gilberto tirou do baú de Caymmi vários dos sambas que vestiria de bossa, como Saudade da Bahia (1957) ou Doralice (1945). Caymmi apadrinhou o discípulo também baiano na gravadora Odeon. Nos anos 60, gravaria discos em parceria com Tom Jobim e Vinicius de Moraes. Uma canção de Caymmi Visita Tom e Leva Seus Filhos, Nana, Dori e Danilo (1964) trazia a voz da cantora Stella Maris, que abandonara a profissão ao se casar com Caymmi. Ela não entrava no rol de convidados agraciados no título.
Idolatrado pelos tropicalistas de 1968, passaria mais ou menos ileso pelo próximo projeto arrasa-quarteirão de ruptura na música nacional. Nos anos 70, Gal Costa e Maria Bethânia popularizaram Oração de Mãe Menininha (as duas) e Modinha de Gabriela (a primeira).
O africanizado LP Caymmi (1972) foi o derradeiro a conter vários (e inspirados) temas inéditos. A partir daí, afastou-se progressivamente de nossa presença. Viveu a vida na brisa, com docilidade de pescador, um amanhecer após cada pôr-do-sol. Há três décadas já é história em estado bruto. Viveu 94 anos e foi descobrir (mas não nos contará) quão doce é morrer à beira do mar. O vento que o soprou ao encontro de Iemanjá foi o do mar adotivo, de Copacabana, não o de Itapuã.
por Pedro Alexandre Sanches
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