Sugestão de revistas: 'Textos e Pretextos' nº12, dedicado à escritora Agustina Bessa-Luís

Agustina Bessa-Luís
Textos e Pretextos Nº 12
Data:
2009
Edição: Lisboa/CEC e Livro do Dia

Com esperança que alguma vez venha a estar disponível aqui, embora a actualização tenha parado em 2006, como o nº8.
Por enquanto, pode adquirir-se via Fnac.



Índice
Texturas [Ensaios]
  • Marina Graça Martins, "A Ronda da Noite: o diálogo artístico na construção da identidade em Rembrandt e Agustina Bessa-Luís"
  • Paulo Motta Oliveira, "O Olhar múltiplo de Agustina: de Florbela a Garrett"
  • Rita de Brito Benis, "Agustina, Camilo e Oliveira: Uma aproximação de artes e temas a propósito das circunstâncias do caso Fanny Owen"
  • Sofia Andrade, "O complexo de Rodia"
Contra-Senha I [Testemunhos]
  • Catherine Dumas
  • Maria Alzira Seixo
  • Maria de Fátima Marinho
  • Rebordão Navarro
Inédito
  • Os Lilazes florescem em São Petersburgo
Entrevista
  • Conversa com Agustina Bessa-Luís, conduzida por Arnaldo Saraiva
Cronologia, texto de Sofia Andrade
Textualidades [Bibliografia]
  • Bibliografia Seleccionada

14:20 | Posted in | Read More »

Entrevista | Conversa inédita com Tim Maia

De uma longa entrevista, só um trecho muito pequeno havia sido publicado. Durante a conversa, em 1995, o cantor não poupou ninguém. Sobrou para Roberto Marinho, Boni, Jorge Ben Jor, Roberto Carlos, Fausto Silva, Silvio Santos, João Gilberto, Marisa Monte, Lulu Santos, Sandra de Sá, Ed Motta, Fernando Gabeira, Jair Rodrigues, o Santo Daime e até para a própria banda.


Era o início do primeiro mandato de Fernando Henrique Cardoso como presidente. O Plano Real completava um ano, com governo e população comemorando a queda da inflação − de 40% para os então quase inacreditáveis 2% ao mês; o real em paridade com o dólar e a consequente farra da classe média no exterior. Era 1995 e a música brasileira chorava a recente perda de Tom Jobim (em dezembro de 1994), enquanto os Mamonas Assassinas dominavam o rádio e a TV. Em um apart-hotel dos Jardins, em São Paulo, Tim Maia recebia os jornalistas Marcio Gaspar e Lauro Lisboa Garcia para uma entrevista cujo mote era o lançamento do disco Nova Era Glacial. Lauro, repórter do "Caderno 2" de O Estado de S. Paulo, que publicaria poucos dias depois alguns trechos da conversa; e Marcio, da Qualis, efêmera revista especializada em música, que fecharia suas portas antes da publicação da entrevista.

A maior parte da memorável conversa com Tim Maia, que morreria três anos depois (em 15 de março de 1998, aos 56 anos), permanecia inédita até agora. É possível ouvir trechos da entrevista no www.revistabrasileiros.com.br e no blog www.afroencias.com.br. Os jornalistas encontraram um Tim Maia surpreendentemente bem disposto às 9 horas daquela manhã. E como era de seu feitio, o cantor não mediu as palavras. Além do imenso talento musical, a autenticidade de Tim Maia era outra de suas melhores qualidades.

Marcio Gaspar - Que história é essa de acordar tão cedo? Nova fase, bem mais saudável?
Tim Maia -
Não, sempre acordei cedo. Mas agora, tô acordando cedo mesmo porque... eu acho que isso é negócio de velhice, sabia? Que nem galo. Galo velho empoleira cedo, né? E acorda mais cedo. Acho que é isso, deve ser a idade. Eu sempre acordei cedo... às vezes, nem dormia (risos).

M.G. - Você costuma ouvir seus discos antigos?
T.M. -
Tô ouvindo agora... É o maior barato, sabia? Como sou um cara que sempre grava músicas falando de algo que aconteceu, aí dá pra lembrar. Lembrar das "cumadizinhas", dos momentos legais e dos momentos tristes também.

M.G. - Entre esses discos, qual você acha o mais legal?
T.M. -
O cantado em inglês (Tim Maia, 1978) é o que eu gosto mais.

Lauro Lisboa Garcia - Nesse novo disco, você gravou "Corcovado" e "Meditação" em inglês, e já tinha gravado as duas em português. Por que gravar em inglês?
T.M. -
Foi uma homenagem ao Antonio Carlos Jobim. Essa versão que está saindo aí tem cinco anos. A voz em português, gravei em cima da voz que havia colocado em inglês. É essa aí, no Tim Maia Bossa Nova. Eu tenho isso em CD também, mas lancei pela Vitória Régia (selo do próprio Tim). Foi o único disco que não dei pra Continental. Aquilo ali é minha aposentadoria, entendeu?

L.L.G. - Vendeu bem esse disco?
T.M. -
Vendeu. Eu sempre digo que vendeu menos, que nem as gravadoras falam pra não pagar direitos autorais. Eu também digo que vendeu menos. E não tem jeito de provar, né? Nem eles.

M.G. - Quantos discos você calcula que já vendeu até hoje?
T.M. -
Acho que bem menos que Chitãozinho e Xororó, viu? O Roberto (Carlos) também vende mais. Mas, mais ou menos que nem Jorge Ben, Fábio Jr., a gente vende assim, igual, na mesma base. Cem mil discos, cada disco. Ainda bem.

M.G. - Aquela fase da BMG vendeu pra caramba, né?
T.M. -
Não. Vendeu mais ou menos porque a BMG é que nem aquele produto, Denorex (xampu anticaspa): "É, mas não é". A BMG faz mais disco pra outras pessoas. Aquela fábrica de discos que fabrica para outros, já não é mais aquela coisa do idealismo... Quer dizer, idealismo artístico nenhuma delas tem mais.

L.L.G. - Tim, como ficaram os seus direitos em relação aos discos que você produziu pela Seroma (a editora do cantor)?
T.M. -
Olha bem, esses discos que estão sendo lançados pela Continental/Warner são discos que eu autorizei e estou ganhando uma mínima porcentagem, aquele levadinho que a gente ganha sempre. A Polygram lançou sem autorização. Eu tô com duas ações contra a Polygram. Uma pro primeiro disco, aquele A Arte não sei quê (A Arte de Tim Maia, 1988). E agora, onze CDs... Eles lançaram um CD meu agora..., meu não, nosso, é do Cassiano, Hyldon e eu. São os "reis do grilo". Esse disco devia se chamar "Os reis do grilo", porque eu sou o rei do grilo, o Cassiano é o deus do grilo e o Hyldon é o grilo (gargalhadas). E agora, lançaram mais um grilado também, botaram mais um: Luiz Melodia. Aliás, esse CD - foi disco e virou CD -, Tim Maia, Hyldon e Cassiano, tem na capa uma fotografia de natureza. Interessante... acho que acharam a gente feio demais, acharam parecido com assaltante. Sei que, porra... não colocaram nem a cara da gente, achei aquilo tão... a Polygram... eles fazem isso. A Sony Music também. A Sony pegou agora uns direitos que tinha que pagar para a Seroma e pagou diretamente aos compositores, o Michel e o Gilson (Mendonça, autores de "Descobridor dos Sete Mares"). Pô, deu mó confusão, tive de acionar eles também, briguei com os compositores. Logo após, o Lulu Santos grava a mesma música, estoura. Washington Olivetto colocou num negócio da Rider aí, tocou. É muito relativo isso, entendeu?

L.L.G. - Mas, você não achou ruim o Lulu Santos regravar "Descobridor dos Sete Mares", né? Você já tinha gravado uma música dele ("Como uma Onda")...
T.M. -
Não, não. Quer dizer, esse lance da W/Brasil era isso: eu gravaria uma música do Lulu Santos, depois ele gravaria uma música minha. Só que o Washington escolheu essa música e não procurou saber se a música era minha ou não. A música é de Gilson e Michel. Aí, deu uma confusão e eu já tava em atrito com eles, né? Devido a uma gravação da Deborah Blond, Bland, Blondor...

M.G. - Deborah Blando.
T.M. -
Deborah Blando. Ela gravou essa música num disco promocional da Coca-Cola, que vendeu cem mil cópias e criou lá R$ 13 mil, R$ 15 mil de direitos. Eles teriam de pagar pra mim os R$ 15 mil para eu tirar meus 25% da editora e pagar aos compositores. Aí, eles pagaram direto. Aconteceu a mesma coisa com a Som Livre, na música "Paixão Antiga", que é do Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle. Então, tem esse lance do desrespeito das gravadoras com os compositores e artistas. Por isso, eu tô acionando o Bonifácio Sobrinho (Boni, então diretor de programação da Rede Globo). E em todas as ações que estamos movendo contra o Bonifácio Sobrinho, o senhor Roberto Marinho está sendo arrolado.

M.G. - Você está banido da Globo?
T.M. -
Eu acho que eles tentaram me banir por algum tempo, mas agora não vai acontecer mais porque eu cheguei à conclusão que tenho de lutar pelos meus direitos. Eu quero que isso seja um exemplo pra outros artistas. Tô movendo uma ação criminal e uma ação cível contra o Bonifácio Sobrinho. Porém, eu me comuniquei com ele antes, dizendo que nós iríamos mover a ação, como se faz. É de praxe você chegar e diplomaticamente avisar o cara: "Ou dá ou desce!", entendeu? Mandei uma carta pra ele; ele não falou nada. A mesma carta nós endereçamos pro Roberto Marinho; ele também não falou nada. Aí, mandamos uma outra carta... Todas essas cartas, registramos em cartório, pra valer na ordem judicial também. Eles não deram a mínima. Então, agora estamos entrando com uma ação cível e uma criminal. Porque eu acho que o que ele tá fazendo é crime, entendeu? Tá me boicotando. E é um boicote assim vitalício, sacumé? Não é um boicote tipo: "Você não vai cantar aqui durante três meses porque você nos sacaneou". Eles alegam que eu não fui no programa do Fausto Silva e isso tira a moral dele... Não tira, ele é um ditador. O Boni é um ditador. Ele pode me acionar por eu estar chamando ele de ditador, mas tudo bem. O Mariozinho Rocha (na época, diretor musical da Rede Globo) já me acionou duas vezes. Me acionou criminalmente porque eu falei que ele recebia R$ 10 mil por cada música que se coloca na novela. Aí, um cara lá do Jornal do Brasil - eu sempre me esqueço o nome dele, o filho da puta do... - me perguntou: "É verdade que o Mariozinho recebe dez?"; falei: "Não, recebe quinze!" (gargalhada). Quer dizer, eu vou acionar eles pra acabar com essa farsa, com essa mentira, que o mundo todo sabe que todo mundo recebe jabaculê no Brasil, né?

M.G. - Mas ninguém fala.
T.M. -
É aquele negócio da minha música ("Nova Era Glacial"), né? "Todo mundo sabe, mas ninguém quer dizer." Então, por exemplo, o Lauro tava falando: "Pô, você lançou esse disco (Voltou Clarear, 1994) meio na incógnita, meio na moita".

L.L.G. - Não, é que o disco saiu e não teve grande repercussão.
T.M. -
Não teve nada de repercussão porque... você vê a coisa? Essa música ("Voltou Clarear") tá tendo a maior repercussão nos shows. O apelido dessa música é "melô do último a saber". Acho que todo mundo se identifica com esse negócio de corno; o brasileiro é o rei do chifre. As mulheres, principalmente, se identificam, porque são chifradas também, né? Essa música não tocou porque não paguei jabá pra ninguém. Inclusive, a música anterior, "Como uma Onda", tocou pra cacete. Aí que eu fiquei sabendo também quanto custa o jabaculê, né? Os jabás são fortes, cara...

L.L.G. - De rádio?
T.M. -
Rádio... rádios que nem tinham isso vivem exclusivamente de jabaculê. Porque não é a rádio que vive. Quem vive disso são os programadores e os próprios locutores de cada horário. Acho que o dono da rádio nem ganha nenhum tostão com isso..., mas é demais, cara. Tem rádio que pede R$ 40 mil por uma música.

L.L.G. - Pra tocar por quanto tempo?
T.M. -
Um mês. Trinta dias, quarenta mil reais. Mas aí, estoura a música, né? Porque ele executa dez vezes por dia, aquela porra "nhem, nhem, nhem" no ouvido do cara... Nas televisões, a mesmíssima coisa. É jabá pra todo mundo... O Silvio Santos tem menos. Acho que os programas dele são muito ruins, então não dá pra ele, entendeu (gargalhadas)? O Silvio Santos é ruim demais. O Show do Silvio Santos, meu amigo... Outra coisa que eu gostaria de falar, quero mandar um recado pro Caçulinha. O Caçulinha tinha um conjunto maravilhoso no Canal 7; porra, acompanhava aqueles artistas todinhos: Elis Regina, Jair Rodrigues, esse pessoal todinho. Pô, um cara muito simpático... o Caçulinha é super benquisto no meio artístico. Não sei por que ele atura aquilo, cara! Agora, colocaram ele com um negócio de chifre, já viu? Tem um chifre na cabeça dele, cara! Você não viu não? Uma vez, botaram ele na geladeira, não sei se você viu, botaram na geladeira! É, um pinguim na geladeira,com aquele pianinho. E fica o Faustão, o programa inteirinho sacaneando o "coiso"... E ele mesmo não toca nada naquele programa! Tem uma hora que ele faz: "Toca, Caçulinha"! (imitando o Fausto Silva): "Ó o nariz do Caçulinha! O Caçulinha é um babaca!". O Caçulinha é o saco de esporro, o saco de pancada... Pô, por quê? Gostaria até de convidar o Caçulinha pra tocar com a gente na banda Vitória Régia; a gente arruma uma sanfoninha pra ele, pode até vir com o pianinho dele, coitado... Ele não precisa daquilo, é um cara de renome! Antes do Fausto Silva chegar, o Caçulinha já estava aí há anos... Acho aquilo tão ridículo... Deviam botar o Bonifácio Sobrinho lá de chifre e o Roberto Marinho dentro da geladeira. Isso eles não fazem. Fica lá o Faustinho puxando o saco do Roberto Marinho. "Oi, seu Robertinho. Como vai, tudo bem? Tudo bem, seu Roberto?" Isso é uma coisa que denigre a imagem de um músico, saca? O músico fica esculachado, o músico é um saco de piadas. Músico é pra tocar música! Não pra ficar ali, sendo motivo de chacota.

M.G. - Você sempre batalhou pelo reconhecimento do músico, sempre exigiu a banda Vitória Régia em todos os seus shows, contratos, créditos, etc. Mas, ao mesmo tempo, se o cara erra num show, você já: "Porra, não sei o quê...". Roupa suja não se deve lavar em casa?
T.M. -
É totalmente espontâneo. Não tem nada de esporro, não. É um toque na hora que me fere. Aquilo me fere. Não tem esse negócio de esporro no músico, isso é mais folclore. O lance é mais com técnico de som; o músico, não. Agora, quando tem uma mancadinha... Cara, isso é totalmente espontâneo.

M.G. - É que você toca tudo também, né?
T.M. -
Toco uns instrumentozinhos. Hoje mesmo estamos com um problema aqui pra programar uma bateria, que é mó merda. Temos que programar uma bateria porque o baterista "sartou de banda"... Esses esporros todinhos que eu dei em músico não chegam nem à milésima parte que cada um fez comigo. Oito músicos me acionaram! Só um me levou R$ 117 mil, de uma vez só! Cento e doze mil reais porque eu perdi a causa, mais cinco de FGH... FG... FGTS. Outro, que é trompetista, é sargento dos bombeiros até hoje, me acionou também e já levou R$ 100 mil. Tentei lutar e tudo mais... E teve um bebum que chegou agora. Entrou ano passado, totalmente bêbado, caído na vala... e eu ainda gastei R$ 5 mil com o advogado do cara. Tem de ver os advogados! Eles achacam mais que os próprios caras! Aí, o advogado chega: "Vai dar cinquinho". Cinquinho, filho?! "Você sabe como é que é." Eu fui acionado por oito músicos! Eu falava com a mãe de um deles no telefone: "Oi, como vai a senhora?"; (fazendo voz de mulher) "Oi, Tim Maia! Toma conta do meu filho". "Pois não, minha senhora. Se a senhora soubesse... já tinha matado e entregado num caixãozinho: seu filho tá aí, eu tomei conta dele." Tinha outro, trombonista, que eu levava o filho em casa. Me acionaram...

M.G. - Mas tem também aqueles que estão com você há bastante tempo, né?
T.M. -
Agora não tem mais. Só tem o Chumbinho (Paulo Roberto, baixista), porque o Tinho (João Batista Martins, saxofonista), que estava há dez anos, saiu semana passada. Porque tinha o show do Tim e tinha o show do Tinho. Isso é um problema, sabe? Músico... raro é o músico amigo, entendeu? Por exemplo, vou gravar com Os Cariocas agora, semana que vem. Os Cariocas... trinta anos cantando juntos. Cantam porque gostam de cantar, sabe? Eles ensaiam o dia inteiro. Trinta anos juntos e aquele negócio ali, tudo por música. Não é de mentira não, é tudo por música, coisa seriíssima, cara! Isso é músico, entendeu? E tem gente que toca há não sei quantos anos... por exemplo, o caso do Caçulinha. É um ótimo músico, mas não evoluiu porque só agora começou a comprar uns tecladinhos. Mas também, como é que faz? Se sujeita a um negócio daqueles...

L.L.G. - E o público da televisão acaba nem sabendo o valor que ele tem.
T.M. -
É, ele toca bem, é um cara musical pra caralho. Então... o negócio do músico é relativo pra caramba, entendeu? Tem uma amiga minha que fala que músico, advogado e pedreiro é foda (gargalhada). E é verdade, cara! E o único que trabalha deles - mas que enrola um pouco - é o pedreiro. Porque esse ainda faz, pelo menos, o cara faz. Te enrola, mas é uma pessoa humilde, que quer te dar uma facadinha a mais porque você tem mais que ele, né? Mas, advogado e músico, meu filho... Outro dia, numa matéria o cara perguntou: "E o negócio dos advogados, como é que você faz?". "Ah, tô com três agora. Eu mando um, outro pra vigiar aquele e aquele pra vigiar o que eu mandei depois." Pô, os caras ficaram putos comigo lá no Rio! A Ordem dos Advogados falou: "Ô, Tim Maia, que negócio é esse, rapaz? Você faz uma declaração dessa, é brincadeira". Mando logo três. E mesmo assim, ainda é bem difícil.

M.G. - Você vai fazer seu songbook ou ainda acha que isso é pé na cova?
T.M. -
É meio, né? Songbook não é tanto não, mas biografia... É que nem aquele especial da Globo que tinha antigamente. Quando o cara já tava bem baleado, a Globo fazia um especial com o cara. Aí, semana que vem o cara, bum!. Aí solta o especial, né? O cara morreu uma semana antes, deve estar fresquinho...

M.G. - Como você entrou naquela história da seita Cultura Racional, do livro Universo em Desencanto?
T.M. -
Fase mística, né (risos)? Tomei cinquenta mescalinas e queria ser sócio de São Francisco de Assis (gargalhadas), paz e amor, aquele negócio de hippie: todo mundo ia a pé pra Bahia, aquele negócio "paz e amor, muito LSD"... Eu entrei naquela pra tomar umas mescalinas. Papei cinquenta. Aí, viajei pra cacete e no meio da viagem falei: "Ah, vou virar pra Jesus, Ave Maria" (gargalhadas)... Aí, entrei nessa. A Cultura Racional falava que era uma preparação para a gente entrar em contato com os seres extraterrenos. Eu, como gosto de negócio de ufologia... Sou ligado nessas desde garoto e entrei naquela lá pra ver se era isso mesmo, mas não era. Era um negócio de espiritismo, entendeu? Tinha outros artistas: Jackson do Pandeiro, até o Procópio Ferreira, coitado, antes de falecer, entrou na onda do Universo em Desencanto. Aquilo é uma loucura... O Lúcio Mauro, um bocado de artista, sabe? Altamiro Carrilho... Todo mundo na jogada.

M.G. - Você não acha que você deve atrair quem quer armar pra cima de você por causa da fama de maluco?
T.M. -
Claro, justamente. Eles pensam que a gente tá dormindo, mas tá sempre acordado. Existem vários empresários que já armaram pra ganhar dinheiro comigo. Teve um empresário uma vez, em Campinas, que na hora de entrar no palco, ele falou: "Tim Maia, é o seguinte, aí" - naquela época o show era duzentos, não sei o que era, mas era duzentos - "te dou cenzinho agora e tu volta pro hotel...". Eu: "Tu tá maluco, cara? São quatro da manhã!". Nesse dia, foram 32 mulheres pro hospital e nós fomos retirados lá do ginásio no tal do tático móvel. Pessoal muito educado que vai chegando assim: "Filho da puta!". Isso é o mínimo que eles falam, né? Era tudo preto ainda. "Vai, crioulo filho da puta!" E isso tudo com um cassetete que dá choque. Eles encostam o cassetete na pessoa e "tchen!". Mas nós fomos retirados desse clube por um tático móvel, às cinco horas da manhã, porque teve uma porrada geral no clube, porque o cara armou duzentos e no final queria cenzinho, metade do cachê. Tem uns caras de show aí que são meus amigos até hoje, mas que fizeram um boato que porra... Minha mãe ainda era viva, foi mó problema, minha mãe passou mal. Disseram que eu tava com câncer no cérebro. As pessoas ligavam pra minha casa, uma loucura, até o dia que me mataram mesmo: "Tim Maia morreu". Falaram pra minha irmã: "A senhora sabia que seu irmão faleceu?". (Ela): "Meu irmão tá dormindo aqui, doidão!". Tem essse folclore que é uma merda. É que nem aquele negócio de dar esporro nos músicos. O que os músicos arrumaram de confusão ninguém fala. Eles já me levaram quase R$ 400 mil, cara. Troço pra você comprar três apartamentos. O meu carro é um Monza, cara. Poderia estar com um Mitsubishi 446, um BMW, blá blá blá, e tô pagando músico, R$ 100 mil cada um. Esse dos R$ 117 mil foi foda. Sabe o que é o cara te levar R$ 117 mil? Dinheiro que eu economizei minha vida inteira! Fui acionado por oito músicos. Eu tentei tudo. Sabe o que eles falaram pra mim? "Tim Maia, você perdeu o prazo." Prazo?! Tinha vez de ter dois julgamentos numa tarde só. Tinha de arrumar dois advogados...

L.L.G. - Seis, no caso, né?
T.M. -
Seis! Só com esse processo aí dos músicos, eu já me envolvi com uns 12 advogados. A gente vai tentando empurrar com a barriga, né? Mas não tem jeito.

L.L.G. - Você tem composto mais. Queria que falasse um pouco dessas últimas músicas e principalmente dessa "Nova Era Glacial".
T.M. -
"Nova Era Glacial" é uma música que fala sobre uma possível ou provável era glacial. Acredito que vai esfriar porque a gente vê as notícias aí e nota que o negócio tá mudando. Eu acho que nós estamos entrando numa nova era glacial. Existe até uma polêmica entre os cientistas aí: uns dizem que a Terra está esquentando. Mas eu acho que está esfriando. Esse aquecimento é justamente um aquecimento pra vir o frio. E parece que o negócio vai esfriar mesmo. Não sei daqui a quanto tempo, entendeu? É nesse milênio agora. Eu não tô prevendo nada, mas "derrepentemente" nesse milênio eu tenho certeza que vai ter uma nova era glacial. Mas tem tempo pra caralho.

L.L.G. - De onde você concluiu isso?
T.M. -
Os cientistas, esses arqueólogos, esse pessoal aí, acham que nós já passamos por uma era glacial. Outros dizem que passamos por... Eu acredito que nós já passamos por umas quatro ou mais, devido ao tempo que o mundo tem. O ser humano tem 60 mil anos. A Terra tem quatro bilhões. Então, eu acredito que nós já passamos por várias eras glaciais, dilúvio, Arca de Noé. Arca de Noé foi um grande dilúvio, né? E me parece que está acontecendo a mesma coisa. Esse efeito estufa, esse negócio de camada de ozônio, sabe como é que é? Isso tá esquentando pra depois esfriar. Eu acredito que seja isso. É uma coisa intuitiva, né? Mas também muitas pessoas defendem essa tese; não sou eu só. Existem milhares de cientistas que acreditam que o mundo está entrando numa nova era glacial.

L.L.G. - Você tem interesse por ciência?
T.M. -
Meu interesse é totalmente ufológico, transcendental. Eu não tenho interesse por nada daqui. Acho que aqui tá muito confuso... Eu tava falando ontem aqui com outros repórteres de uma outra revista aí, que existem seres intraterrenos, cara. Isso aí é comprovado, isso aí todo mundo sabe. Existem seres que habitam o centro da Terra. Existem pessoas que acreditam em astrologia, essas coisas que não têm nada a ver. Astrologia não tem nada a ver com nada! Porra, astrologia é uma coisa árabe, eles olharam para as estrelas e concluíram que não sei que lá, não sei que lá, baseados em quê, cara? Que a Terra seria o centro do Universo. Aí, viram que não é nada disso, é apenas um Roberto Marinho, um Paulo Maluf, um Roberto Carlos, um Tim Maia, um Maguila, é um ninho onde moram essas coisas, essas pessoas. Pô, Erasmo Carlos, esses negócios assim. É um ninhozinho, um negocinho, uma bolinha onde moram esses bobões aí. E o troço é grande. Eu falei aqui ontem disso para os repórteres: nós somos visitados por noventa seres diferentes, de diversas galáxias, diversas dimensões e existem outras coisas! Existem seres do futuro, mas aí já é uma outra coisa. O que eu tô falando é coisa atual, seres extraterrenos de outras galáxias. E seres que vêm da nossa própria Terra, que habitam o centro da Terra. Eles se chamam os lunares. São seres brancos porque eles não veem o Sol. O que não é verdade mesmo é tomar ayahuasca e dizer que é Santo Daime - isso aí é mó mentira, viu (risos)? É ayahuasca mesmo, aquilo é mó viagem! Sorvete vira beterraba, helicóptero vira máquina de passar roupa, morou? E dão pra criança. Isso aí, não. Faz um mal tremendo ao fígado! Pior troço que tem pro fígado é a chacrona, que eles chamam de Santo Daime. De Santo, o Daime não tem nada! Chama-se ayahuasca, os índios adoram! Toma aquela porra, fica viajando pra caralho. Aí, isso não tem nada a ver com a realidade, isso aí já é uma coisa totalmente mística mesmo - uma erva que faz você viajar, pensando que aqui tá aqui e aqui não tá, tá lá. E fica aquela confusão do cacete. Eu digo assim, conscientemente, caretinha, sem tomar nada, sem nenhum ritual, sem incenso - também não tem incenso - nem batidas de matraca. Então, o negócio é totalmente cosmológico, é verdade mesmo. Eu tava falando pros caras ontem que existem mulheres aí que já transaram com seres estranhos, tem de tudo por aí.

L.L.G. - Eu achei um compacto simples seu, em inglês. Era só Tim. Sem sobrenome. Aquele foi seu primeiro disco?
T.M. -
Foi o primeiro, gravado aqui em São Paulo, pela Fermata.

L.L.G. - Isso foi antes de você ir para os Estados Unidos?
T.M. -
Não, foi quando eu voltei.

M.G. - Quando você foi pra lá, afinal?
T.M. -
Fiquei três anos sem falar uma palavra em português. Eu fui em 1959 e voltei em 1964.

M.G. - Voltou ou foi "voltado", Tim?
T.M. -
Fui voltado. Mas já tô bem, tô com quatro anos de visto no meu passaporte, já fui pra lá três vezes depois que fui deportado. Mas fiquei dez anos sem poder voltar. A minha relação com os Estados Unidos é totalmente emocional, sentimental; não tem nada a ver com ganhar dinheiro, com carreira, nada disso. Talvez no futuro...

M.G. - Mas acho que daria o maior pé uma carreira lá, né?
T.M. -
Eu acho que daria.

L.L.G. - Você já pensou em lançar esse disco em inglês nos Estados Unidos?
T.M. -
Pois é. Esse eu tô regravando pra lançar lá. Já gravei muito em inglês, músicas minhas e de outros, mas gostaria de gravar mais ainda. Além dessas de bossa nova, porque essas da bossa nova... Eles fizeram umas letrinhas assim muito intelectualizadas "quiet nights of quiet stars"... Pô, ninguém fala isso em inglês. O cara fala "baby I love you", "come back to me", "don't go away".

L.L.G. - Dessas que você escolheu pro segundo disco de bossa nova, você vai cantar alguma em inglês?
T.M. -
Não, tudo em português. Porque não funciona isso. Tem de ser em português aqui e em inglês pra eles lá fora.

L.L.G. - Você disse também que queria evitar gravar músicas que o João Gilberto já tivesse gravado. É isso?
T.M. -
Não, isso é brincadeira, é só sacanagem. Eu acho o João Gilberto um excelente músico e cantor, mas de personalidade, acho ele assim... quatro-quatro-meia. Quatro-quatro meia é uma fração; 4,46, não chega a ser cinco. Tá entre o quatro e o cinco - quatro-quatro-meia.

M.G. - Como rolou o lance de gravar com a Elis?
T.M. -
Com a Elis Regina, eu já havia gravado dois compactos. E o Erasmo, a Rita, o Serginho e o Arnaldo, dos Mutantes, me levaram pra Polygram. Quando eu cheguei lá, o pessoal já me conhecia, já sabia o jeito que eu cantava, eu já tava com as músicas prontas, já tinha rolado o lance com o Cassiano. Tanto é que eu gravei "Primavera" em agosto de 1969 e tentei de tudo pra soltar o disco na primavera, mas saiu em janeiro de 1970. Aí, aquele puta janeiro fervendo e eu cantando "É primavera..." a 40 graus. Mas aí estourou. Quando estourou, o pessoal da gravadora me chamou: "Tim Maia, rápido, vamos gravar um LP". Aquela coisa de gravadora, né?

L.L.G. - Daí, desse primeiro LP, tocou praticamente tudo.
T.M. -
No Rio de Janeiro, ficamos 22 semanas em primeiro lugar. Por isso, eu acho que vendi mais do que 200 mil.

M.G. - E daí pintou a gravação com a Elis?
T.M. -
Foi uma armação do Nelson Motta, do falecido Ronaldo Bôscoli, do Miele... saiu no disco dela. Mas uma coisa que eu não achei legal, e que ainda vem um monte de gente hoje me perguntar: "Elis Regina te lançou?" Peraí, eu que lancei Roberto Carlos, como é que pode ela me lançar? Vamos com calma. Mas aí saíram com essa: "Elis Regina lança Tim Maia". Isso foi uma armação, mas ela não teve nada com isso. Eu gostava muito dela e sinto que poderia ter gravado mais coisas com ela. Ela era muito musical, era musical demais... Até hoje falo: pra mim, a melhor mesmo foi Elis. A Rosana canta bem também, mas a Rosana é muito perturbada, muito confusa, pôs silicone até no... É a rainha do silicone. E tão bonita, tão gostosa... A Rosana canta bem, a Jane Duboc canta mais ou menos, mas é muito inibida, aquela menina, a Cláudia, cantava bem, mas excedia. A Elis Regina, não; ela ia no ponto mesmo. E tinha uma cabeça legal, inteligente. Mas as pessoas achavam que não. Era aquele negócio: "Ah, é muito temperamental...". Tudo babaca que não tem sentimento nenhum, que não cria porra nenhuma, que não consegue se expressar com nada, quando vê uma pessoa que se expressa... É o tal negócio do Van Gogh: louco, maluco, mas depois o quadro dele tá custando 60 milhões de dólares. Mas na época, quase mataram o cara.

L.L.G. - E a tua opinião a respeito da Marisa Monte?
T.M. -
Engraçado, a Marisa Monte tá cantando igualzinho à Gal Costa, não entendi porra nenhuma.

L.L.G. - Mas a Gal do começo de carreira, né?
T.M. -
É. Uma vez eu ouvi a Marisa Monte e parecia a Zizi Possi, daí eu conheci a Marisa, fizemos até amizade. Não é que eu tô magoado com ela, mas olha: o "Chocolate", ela gravou, canta nos shows, mas fez um negócio que eu não gostei, ela canta "não quero cocaína, me liguei...", não tem nada a ver, a música não tem isso. O Lulu Santos também botou Porto de Galinhas (na "Descobridor dos Sete Mares") onde não tinha Porto de Galinhas porra nenhuma, eles modificam totalmente. Eu acho que, quando você se propõe a gravar uma música de uma pessoa, inclusive quando aquela música já foi gravada, você tem de obedecer aquele critério, aquela forma, senão fica uma coisa...

M.G. - Aliás, você mudou uma palavra na "Aquarela do Brasil"...
T.M. -
Só se eu errei..., também, é letra pra cacete. Eu não sei onde esse rapaz tava com a cabeça quando fez essa letra. "O coqueiro que dá coco" é demais, né? Vai dar o quê? Laranja? O Ari Barroso ... que Deus o tenha em bom lugar.

L.L.G. - Tim, esse disco de bossa nova saiu faz menos de um ano, agora você está lançando outro e tem mais dois em projeto para esse ano?
T.M. -
Olha, eu sou diretor-presidente da Vitória Régia Discos, a única que paga aos domingos após as 21 horas. Eu sou o único artista da casa, então não tem jeito... Eu gostaria de ter o Stevie Wonder com a gente também, mas...

L.L.G. - Ah, o Ray Charles está vindo aí agora. Convida ele...
T.M. -
Mas ele tá vendendo pouco disco. Prefiro o Leandro e Leonardo, que tão vendendo muito mais (risos).

M.G. - Tim, você era de uma turma, há muito tempo, com Roberto, Erasmo, Jorge Ben e depois de uma outra galera - Cassiano, Hyldon...
T.M. -
É, esse é o segundo time.

M.G. - Aquele time anterior se deu bem; o segundo não. Por quê?
T.M. -
Bom, aí é aquele negócio: "Por que Tostines vende mais? Porque é fresquinho. E por que é fresquinho? Porque vende mais". Você quer ver uma coisa? Eu fiz outro dia o programa do Jô Soares e brinquei lá com a idade da rapaziada. Depois, disse que teve uma época que o Roberto Carlos andou fumando cachimbo e usava uma capa estranha, enquanto o Erasmo andou querendo entrar na Academia de Letras. Eu falei: "Calma aí que aqui ninguém estudou porra nenhuma, para com esse negócio porque aqui, intelectual ninguém é". Eu disse isso lá no Jô Soares e completei: "A gente não tem curso nenhum, o único que temos, e mesmo assim incompleto, é o curso de datilografia do Colégio Ultra". Daí, no outro dia, liguei pro Jorge Ben e ele tava puto, todo zangadinho. Eu perguntei: "O que aconteceu, Jorge?". E ele: "Sabe o que é Tim? É que a minha tia assistiu o Jô Soares e me disse que você falou mal de mim". Eu falei: "Mas o que é isso rapaz, eu nunca falei mal de você, que babaquice". Daí, eu chamei a mulher dele no telefone, a Domingas, e ela me disse: "Não Tim, não liga não, isso aí é a tia do Jorge que é muito fofoqueira...". Daí, eu descobri que ele tava puto era com o lance da idade que eu falei. Porque ele diz que tem 46... se ele tem 46, eu tenho 38. O que eu queria explicar é que o Jorge Ben não fazia parte da nossa turma, da primeira. Eu conheci ele um pouco depois. Mas eu acho que ele se grilou porque eu falei que a gente não tinha cultura. E ele também não tem mesmo, não estudou porra nenhuma...

L.L.G. - Você e o Jorge Ben ressurgiram meio que juntos, uns três anos atrás...
T.M. -
Não, isso também é uma outra coisa que eu quero retificar. Nós não ressurgimos, ele é que ressurgiu. Eu só não tava na mídia, não tava na Globo. Eu dou esse exemplo: fiz cinco anos de Chic Show aqui em São Paulo, dois shows por ano. Teve vez que colocamos 23 mil pessoas lá no Palmeiras, teve uma outra que quebraram não sei o quê lá e o cara nem queria mais alugar pro Tião do Chic Show. Depois, eu gravei com a Sandra de Sá e ia fazer um show com ela. Mas ela tava meio estrela, não apareceu, e eu tomei o maior preju por causa do Marcos Lázaro. Agora tem o tal do (Manoel) Poladian. A cada hora pia um, e tudo com esses nomes esquisitos, não tem nenhum Pereira ou Silva. Lázaro, Poladian... Eu fiquei sabendo uma do Poladian que é demais: ele leva um ônibus cheio de cambista. Chega no local, ele mesmo compra os ingressos e daí vende pelo triplo do preço.

L.L.G. - Eu relacionei você com o Jorge porque tem um disco seu que está sendo relançado agora que tem várias músicas no estilo discoteque. Agora, o Jorge está regravando sucessos antigos dele com estilo dance music. Você chegou a ouvir isso?
T.M. -
Eu acho uma tremenda besteira o que eles estão fazendo. Isso não tá com nada. A pipoca tá na mão, todo mundo quer pipoca... Calça Lee tá na moda, todo mundo quer calça Lee... E aí, numa dessa, o cara pode se queimar, o Jorge Ben pode se queimar. Porque a música dele não tem nada a ver com house, a música dele já é uma house normal e todo mundo dança normal, não precisa botar um bumbão lá, um bate-estaca pra fazer alguma coisa. Um cara me propôs isso, mas eu disse: "Solta o 'Nova Era Glacial' aí a todo vapor e vamos ver se não vai todo mundo pra pista". Não precisa tum-tum-tum pra imitar americano mais ainda e com algo que tira a musicalidade da coisa. Eu já podia ter feito isso, já me convidaram pra fazer isso. Numa matéria que eu li no jornal ontem, o Lulu Santos tava me elogiando: "O Tim Maia é o maior". Obrigado, muito obrigado. Daí fala o cara, o tal do DJ Memê. Ó o nome do cara: Memê. E ele manda o seguinte: "Ah eu gosto do Tim Maia, sempre fui fã dele, mas agora ele deu de cantar essas músicas brega...". E eu pensei xiii... olha o cara, olha o Memê... ele toca o que mesmo? Toca oboé, toca tímpano, toca violino?

M.G. - Ele toca toca-discos.
T.M. -
É, ele toca toca-discos. Toca disco ao contrário. Estudou pra cacete, se concentrou pra fazer aquele nhé-nhé-nhé... Como é que um Memê desses vai falar da gente? Eu lancei o Roberto Carlos, fiz um monte de coisa, um monte de parada aí, altas jogadas. Esse é o cara que tá com o Lulu Santos. Quer dizer, eu também já tô achando que o Lulu Santos tá indo prum caminho... Tem de tomar cuidado. Já tá velho, tá de cabelo branco... Esse negócio de funk, de house, deixa pros outros. E outra coisa: esse negócio de funk brasileiro... O rap brasileiro é uma vergonha. Principalmente o rap carioca, mas o paulista também. Imita o americano, fica aquele negão fazendo aquelas coisas (cantarola um típico "funk-falado" carioca). Isso é funk? Isso é rap? O rap é cheio de agá, o rap na verdade é jamaicano e é muito além do que é feito aqui. Por isso que eu acho que o Brasil está precisando urgentemente de cursos de música, de escolas de música. Outra coisa que eu gostaria de falar é que o Brasil está precisando urgentemente de uma universidade para pretos, para negros, uma universidade afro-brasileira. Porque nós temos universidade de tudo que é jeito aí, universidade de padre, universidade de bispo Macedo, precisamos da universidade para negros. Pode entrar branco e japonês também, sem discriminação, mas dando prioridade ao negro. Porque preto não tem como, não tem onde estudar, ele não passa do primeiro grau. Então, eu acho que no Brasil, em lugares diferentes, tem de ter a universidade afro-brasileira. Isso é um grilo do cacete, tem de botar o preto pra estudar; senão, a gente vai ficar sempre por baixo. A Globo, agora, bota lá o (Antônio) Pitanga na novela, aquela família preta, mas não tem nada a ver, continua a discriminação indireta.

M.G. - Você falou aí do Roberto Carlos... Você não acha que estava na hora de ele se tocar e gravar um disco novo, ao invés de ficar repetindo o mesmo há dez anos?
T.M. -
Mas eu acho que o Roberto Carlos tá certo. Ele tá aí há trinta anos fazendo sucesso. E a minha mãe gostava dele demais. Até a minha mãe falecer, ele ligou pra ela todo Natal, fazia aquela média, ele conhece meus irmãos todinhos, minhas irmãs, assim como eu também conheço os dele. Nós fomos criados juntos. Por isso, eu achei muito estranho quando eu voltei dos Estados Unidos, ele me deu a maior podada. Porque quando eu voltei, precisava de um apoio. Teve até uma etapa (prisão) que eu puxei lá nos Estados Unidos, de oito meses, por causa de umas cadeirinhas que eu roubei pra uma gravação. A gente ia fazer uma gravação e daí eu fui roubar as cadeiras pra comprar um incentivo pra rapaziada. Mas nem cheguei a comprar o incentivo; já dancei nas cadeiras (risos). Pedi uma ajuda, mas pra quê? Nossa, achei aquilo tão estranho. Eu não conheço os filhos do Roberto Carlos, só conheço a mais velha, a Ana Paula, filha da Nice. Ele também não conhece meus filhos. Eu já tenho neta, ele também.

M.G. - Você tem quantos filhos?
T.M. -
Eu tenho três filhos e, agora, uma neta.

M.G. - Algum deles mora com você?
T.M. -
Já moraram. Um morou. E o do meio tá sempre na minha casa. Mas o mais novo, não; o mais novo mora com a minha irmã. Ela tomou o meu filho desde criança. Aliás, eu não criei nenhum dos meus três filhos. Só facada mesmo - de 10 mil, de 100 mil -, eu só financio. A minha neta é filha do Zé Carlos, o mais velho. Ela é lindinha, muito bacana. Eu preservo esse negócio de família. Ontem mesmo, tava falando com o filho do Erasmo no telefone... e lembrei uma vez que o Erasmo me deu cinco calças Saint-Tropez, daquelas que aparece a bunda quando você entra no táxi, sabe. Imagina, eu com cento e não sei quantos quilos e com aquela calça... Eu conto sempre isso pro filho do Erasmo, o Gugu. Então, eu sinto esse negócio da família e lamento que pessoas que foram criadas juntas como eu, o Roberto, o Erasmo, um não conheça pessoalmente os filhos do outro. As minhas irmãs adoram eles, a mãe do Ed Motta gosta muito do Roberto.

M.G. - E o Ed Motta, você se dá com ele?
T.M. -
Não, não me dou não.

M.G. - Você acha que ele é seu sucessor?
T.M. -
Eu acho tão horrível esse negócio de sucessor... Isso é coisa de ditador.

L.L.G. - E herdeiro, pode ser?
T.M. -
Isso de herdeiro também é ruim. E ruim inclusive pra ele, porque ele entrou nessa e se deu mal com isso.

L.L.G. - E ele andou falando muito mal de você...
T.M. -
Pois é, um troço tão estranho... meu sobrinho, pô.

M.G. - E ele tem talento, né?
T.M. -
Tem, ele canta bem. É musical, mas muito enrolado, estranho pra caramba. O Ed parou de falar comigo e eu não gosto muito de falar disso porque eu sou muito amigo da mãe dele, é a minha irmã que eu considero muito.

M.G. - Tim, o Fernando Gabeira está com um projeto de liberar a maconha. Você é a favor ou contra?
T.M. -
Sinceramente, cara, o Fernando Gabeira já foi uma coisa, virou outra e agora já é outra totalmente diferente. Quando ele sequestrou aquele embaixador, porra... dei o maior apoio, entendeu? Aí, veio com esse negócio de Partido Verde, já ficou meio quatro-quatro-meia e agora diluiu demais. A maconha já tá liberada, a cocaína e a pena de morte também. Isso já tá liberado no Brasil faz tempo. Quer mais maconha do que no Brasil? O Brasil é o maior produtor de maconha do mundo! Ninguém planta mais maconha do que o Brasil. E Pernambuco é o Estado onde mais se planta maconha no mundo. E o brasileiro é o maior maconheiro do mundo! Alcoólatra também, por excelência, mas queima um fumo violento! Todo brasileiro queima fumo: vai lá no Norte, puta que o pariu, todo mundo gosta... No Sul, também adoram. Todos, todo mundo! Então acho que é uma demagogia do cacete. Poderia se plantar isso aí e colher bons frutos, uma maconha boa, THC bem forte...

M.G. - É, mas ainda tem os coitadinhos que vão em cana só por causa de um baseadinho...
T.M. -
É uma estupidez. Mas me parece que o negócio vai liberar mais agora, pelo menos em casa. Tem aquela moça que tá sendo julgada agora lá na Turquia. Ela disse que não sabia que o que deram pra ela era maconha... que ingenuidade (risos). Ela só sabe que o nome do cara era Pedro, mais nada. Quem te deu a maconha? O Pedro. Quem te deu a brizola? O Jorge... mas não sei. E os caras que vieram receber a brizola? Hummm, não sei, não conheço (risos). Coitadinha, tá em maus lençóis. Mas naquele filme, Expresso da Meia-Noite, o cara tá levando cinco quilos de haxixe, e eu pensei que era heroína... O haxixe é a melhor coisa que tem pra acalmar os ânimos, não faz mal pra ninguém, é bom pra glaucoma. Acho uma estupidez, uma demagogia do cacete, proibir fumo, entendeu? O fumo é uma planta, uma coisa natural... Eu fui intimado duas vezes nessa semana, pra ir na polícia. Eu não vou em lugar nenhum. Tem um cara lá que foi preso, deram porrada no cara pra ele dizer que trazia haxixe pra mim. Daí, em juízo, o cara falou que não era nada disso, que levou porrada na delegacia, na 27ª, lá em Brás de Pina, no Rio de Janeiro. Daí, fui intimado e mandei meus advogados lá...

M.G. - Os três, né?
T.M. -
Dessa vez foram dois (risos). Mas foram lá pra explicar... Volta e meia tentam me envolver nessas porras aí, cara, e por causa de haxixe. Ainda se fosse cocaína, heroína... mas haxixe? É uma estupidez. THC... cannabis... Proibir a cannabis e liberar o álcool é a maior loucura, uma coisa porca, suja, imunda, mentirosa! Porque o álcool destrói o ser humano em poucos anos, em meses. Se você beber mesmo, o teu figueiredo não aguenta. Eu mesmo, não posso beber mais. E olha que eu não bebia muito, hein? Eu só bebia quando fazia show e quando andava de avião.

M.G. - Mas como você fazia muito show e andava muito de avião... (risos).
T.M. -
É, fiz show o ano inteiro, andei de avião o ano inteiro, bebi o ano inteiro (risos). Mas deu um negócio no figueiredo aqui... Não posso beber de jeito nenhum. O Roberto bebe muito mais do que eu, o Erasmo tá tomando três garrafinhas daquelas pequenininhas por dia... Jair Rodrigues bebe muito mais do que eu e, depois, diz que é careta. Mas quer dizer, devido a beber quantidades excessivas, eu quase dancei. Então pô... Eu tenho um amigo que queima fumo há trinta anos e não é viciado ainda (risos).

Trechos em áudio da entrevista com Tim Maia


Tim e sua banda, Vitória Régia. Uma relação sempre conflituosa
Tim e sua banda, Vitória Régia. Uma relação sempre conflituosa

Sobrou até para o Faustão, que "sacaneava" o tecladista Caçulinha
Sobrou até para o Faustão, que "sacaneava" o tecladista Caçulinha

O tão sonhado disco gravado em parceria com seus ídolos,  Os Cariocas
O tão sonhado disco gravado em parceria com seus ídolos, Os Cariocas

Com Luís Melodia
Com Luís Melodia

Jorge Ben Jor chateou-se com o amigo, após Tim revelar que não chegaram nem mesmo a terminar o curso de datilografia
Jorge Ben Jor chateou-se com o amigo, após Tim revelar que não chegaram nem mesmo a terminar o curso de datilografia

 AMIGOS E NEM TANTO  Uma pose com Carlinhos Brown e Marisa Monte, com quem esperneou por ela ter mudado a letra de uma música
AMIGOS E NEM TANTO
Uma pose com Carlinhos Brown e Marisa Monte, com quem esperneou por ela ter mudado a letra de uma música

Ainda com a silhueta esbelta, tocando violão e cantando no grupo Sputniks
Ainda com a silhueta esbelta, tocando violão e cantando no grupo Sputniks

Na época da Jovem Guarda, revendo Erasmo Carlos e Roberto Carlos, que dizia ter lançado na carreira
Na época da Jovem Guarda, revendo Erasmo Carlos e Roberto Carlos, que dizia ter lançado na carreira

Tim nos Estados Unidos, onde morou de 1959 a 1964. Voltou ao Brasil deportado
Tim nos Estados Unidos, onde morou de 1959 a 1964. Voltou ao Brasil deportado

A primeira comunhão do futuro adepto do Racional Superior
A primeira comunhão do futuro adepto do Racional Superior

 O MENINO DA TIJUCA  O garotinho Sebastião Rodrigues Maia, nascido no bairro da Tijuca, Rio de Janeiro, no dia 28 de setembro de 1942
O MENINO DA TIJUCA
O garotinho Sebastião Rodrigues Maia, nascido no bairro da Tijuca, Rio de Janeiro, no dia 28 de setembro de 1942

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Sugestão de Leitura: "Grandes Expedições à Amazônia Brasileira" de João Meirelles Filho

O resgate da história de 42 expedições à região amazônica por meio da síntese entre texto e mais de 280 imagens e gravuras constitui um dos focos mais originais e interessantes do livro Grandes Expedições à Amazônia Brasileira, lançado recentemente pela editora Metalivros.
O texto é do investigador e director do Instituto Peabiru, João Meirelles Filho, e resulta de quase 20 anos de pesquisa e envolvimento do autor em iniciativas de educação, sustentabilidade ambiental e responsabilidade social na Amazônia. Segue a entrevista realizada para a Amzônia.org.

[ENTREVISTA]

O que o estimulou a escrever um livro com tema tão vasto?
Primeiramente, meu próprio interesse como leitor. Trata-se de uma obra de um leitor de viagem. Também, a percepção de que não existia um livro que levasse às pessoas esse gênero de leitura de forma um pouco mais organizada. O livro não pretende esgotar o tema, mesmo porque ele é bastante amplo, mas tem como objetivo sugerir caminhos de se conhecer a Amazônia por meio dos viajantes.
Por isso, um dos critérios de escolha das 42 expedições abordadas na obra foi a seleção de experiências que tiveram como mérito nos permitir, de forma inédita, um olhar em particular sobre a região. E nem sempre essas expedições estão ligadas a personagens historicamente importantes, como é o caso do médico alemão Robert Avé-Lallemant, por exemplo, cujos registros de sua viagem (1859) apontam muitos elementos novos.

Por que você delimitou o período de abrangência da obra entre 1500 e 1930?
No projeto original, o século XX inteiro também seria abordado. Mas uma decisão editorial foi tomada no sentido de preservar a qualidade da informação. Optamos por uma maior profundidade em vez de incluirmos, de forma mais superficial, outras expedições. Dentre as escolhidas, naturalmente, há aquelas que merecem ensaios maiores, por razões como a proximidade temporal e a magnitude da obra. São os casos das expedições de Euclides da Cunha (1905) e de Rondon (1891-1930), por exemplo.

Como foi a experiência de escrever o último capítulo do livro, “Expedições de Rondon, o caboclo viajante”, particularmente?
Rondon é merecedor de um livro maior que este. Até mesmo porque deixa uma obra de 170 relatos técnicos e científicos. Ele é o primeiro grande brasileiro que faz expedições e chama o fotógrafo, o cineasta e o antropólogo, entre outros profissionais para delas participar. É o grande organizador de tudo isso. Rondon desempenha um papel importante no sentido de mostrar que há outros caminhos além daquele que até então se trilhava, que era o de ignorar a população local, enxotá-la da região ou simplesmente exterminá-la. Ele tenta mudar esse curso, atitude que mantém como princípio durante toda sua longa obra. Ele viajou mais do que todos os outros expedicionários juntos, tanto é que a experiência de Rondon é apresentada no livro em forma de ciclos de viagens. Portanto, acho que sua obra merece mais releituras. Devíamos ter uma estante sobre Rondon, quando na realidade temos poucas obras. Na verdade, todos os viajantes estão fora da moda.

Os leitores do livro provavelmente, por alguma razão subjetiva, se identificarão com algumas expedições mais do que outras. Você tem alguma preferida?
Acredito que o leitor, assim como eu, possa ter maior afinidade com as expedições ou os viajantes que o revelem um mundo novo. Então eu diria que, nesse sentido, aqueles menos conhecidos talvez tenham uma relevância maior, pois não estavam em nossos quadros de referência. Gente como o Pedro Teixeira (expedição de apossamento do Amazonas entre 1637 e 1639), pouco conhecido e valorizado. Mesmo Euclides da Cunha e Mário de Andrade, pessoas razoavelmente conhecidas no âmbito geral, se enquadram neste contexto. Pouca gente sabe que o Mário de Andrade foi para a Amazônia, em expedição que teve sua relevância. Eu diria que a expedição de Pedro Teixeira é a minha preferida, juntamente com a de Mário de Andrade, que apresenta um olhar importante e atual sobre a Amazônia.

Uma das dedicatórias da obra é dirigida às populações tradicionais da Amazônia, que ajudaram a tornar possíveis as expedições. Como elas aparecem no livro?Ao fazer a leitura das viagens e estudar os viajantes, percebemos que eles necessitaram da colaboração do vaqueiro, do carregador, do cozinheiro e de outros trabalhadores homens e mulheres da região. Mas nem sempre eles eram citados nos registros históricos. Algumas vezes era mencionada, pejorativamente, a participação de um índio, um negro ou um escravo na expedição. Poucas vezes, porém, era reconhecida sua importância. Ao desconstruir cada viagem, percebemos que elas não seriam possíveis apenas pela entrepidez de um expedicionário. Em geral, elas dependem de um número grande de pessoas. Quanto mais antigas, mais trabalhadores.
Talvez hoje se possa fazer uma expedição solitária, mas mesmo assim dificilmente alguém permanecerá sempre sozinho. Em algum momento vai depender de um transporte, uma alimentação, um fornecedor. Dentro deste contexto que as populações tradicionais aparecem na obra. A Amazônia tem gente, não é um espaço desabitado, e essas pessoas em vários momentos da história concorreram para que as expedições fossem possíveis, embora estivesse sempre presente o mito de que as expedições ocorriam em um vazio humano ou num lugar selvagem. Não, sempre tinha gente. Às vezes pouca gente, mas os próprios viajantes reconheciam sua presença.

O livro tem uma parte iconográfica muito rica. Como foi organizada?
Foi uma preocupação que surgiu depois que o texto estava pronto. O texto foi o suporte. Houve um processo de seleção de imagens, entre 700 e 800 mapas, desenhos e fotografias, que incluiu o processo de solicitação de autorizações de uso. A parte iconográfica, na verdade, é um livro à parte. E o livro permite várias leituras. É bom que seja lido no sentido cronológico, mas nada impede que o seja feito por capítulos, de acordo com a vontade do leitor. Além disso, para completar a contextualização dos fatos, há as legendas, que ao todo somam aproximadamente 60 páginas.

Qual o impacto da elaboração de uma obra extensa como “Grandes Expedições à Amazônia Brasileira” sobre suas atividades profissionais como pesquisador e desenvolvedor de projetos sustentáveis?
O resgate histórico mostra que no rápido processo de ocupação da Amazônia uma série de informações foi deixada para trás, e agora há um processo de recuperação em razão dos debates em torno do tema da sustentabilidade. Questões como a alimentação e a observação dos ciclos naturais eram preocupações vitais para a sobrevivência dos viajantes nos períodos que nos antecederam. O livro, portanto, indica caminhos para que sejam revisados conhecimentos os quais não soubemos assimilar.

[OPINIÃO]

por Daniel Piza
Resumir e ilustrar as 42 expedições amazônicas mais importantes de 1500 a 1930 foi a ótima ideia de João Meirelles Filho – tão simples que poucos haviam pensado nela. O pesquisador e ambientalista que nasceu em São Paulo e vive às margens do Rio Pará, em Belém, executou a tarefa com muita competência em Grandes Expedições à Amazônia Brasileira (Metalivros, 244 págs., R$ 140), que será lançado hoje, na Livraria da Vila da Alameda Lorena, 1.731. Como o preço indica e como se vê nesta página, trata-se de um livro de arte, com belas imagens, mas não o confunda com “coffee table book”, com livro para deixar na mesa de centro e apenas folhear em vez de ler.
Autor do utilíssimo O Livro de Ouro da Amazônia (Ediouro, 2004), Meirelles relata cada expedição usando os mesmos tópicos: contexto, líder, principais colaboradores, percurso, obras e principais contribuições. Isso tira do livro a levada narrativa, infelizmente; em compensação ele funciona como obra de referência e também de introdução àquelas expedições que o leitor porventura não conheça ou conheça mal. Cada uma delas mereceria um livro, claro, mas, como se sabe, os brasileiros se importam pouco com a memória. E vê-las todas juntas, na ordem cronológica, forma um panorama único e faz pensar no poder dessa entidade “Amazônia” sobre o imaginário mundial.
Da primeira viagem, de Vicente Pinzón, no ano em que o Brasil é descoberto, até as expedições de Candido Rondon, das quais a última se dá na fronteira do Brasil com Peru e Colômbia, em 1930, vemos como gradualmente o desconhecimento e a fantasia vão dando lugar ao mapeamento e à fotografia. No entanto, as reações de espanto e admiração não sofrem muitas mudanças. Rondon, por exemplo, fez diversas viagens, sobretudo para instalação de linhas de telégrafo, mas também para travar contato com os índios, no qual se distingue da grande maioria dos antecessores por agir pacificamente; há ainda a viagem com o ex-presidente dos EUA, Theodore Roosevelt, pelo Rio da Dúvida, então batizado por Rondon como Rio Roosevelt; e as últimas viagens são as campanhas em diversas fronteiras. O leitor se cansa só em acompanhar o relato…
Meirelles sintetiza viagens famosas como as de Orellana, do bandeirante Raposo Tavares, a “filosófica” de Alexandre Rodrigues Ferreira, a botânica de Von Martius e Spix, a do Barão de Langsdorff, as de Bates, Steinen ou Koch-Grünberg – muitas das quais lembradas antes nos livros da série Brasil dos Viajantes, da mesma editora. O etnólogo e conde italiano Ermano Stradelli bem poderia ter sido homenageado, embora tenha se concentrado mais no Rio Orenoco, na Amazônia venezuelana. (Alexander von Humboldt, herói de muitos expedicionários posteriores, não aparece justamente porque não entrou em território brasileiro.) Mas Meirelles lembra diversas viagens menos estudadas do que deveriam ser, como a de Euclides da Cunha pelo Alto Purus e a do biólogo inglês Alfred Russell Wallace, que na floresta pluvial fez observações sobre a seleção natural muito parecidas com as de Darwin em A Origem das Espécies. O autor lembra ainda as do linguista Paul Ehrenreich e do pintor francês Biard, para citar algumas mal conhecidas.
Faltam mais mapas com os percursos, mas as imagens são igualmente reveladoras. Das araras pintadas na expedição de Rodrigues Ferreira às fotos das comissões demarcadoras de Rondon, o teatro natural e os grupos indígenas são retratados com a curiosidade dos aventureiros e o perfeccionismo dos profissionais. Bates, por exemplo, é especialmente dotado para a arte da gravura, mas não consegue deixar de trair seu maravilhamento com as cenas, que parecem sempre exageradas – como a da pesca de tartaruga, que mostra em primeiro plano a luta de cinco índios contra um jacaré. Ou temos o pirarucu gigante de Franz Keller, imagem usada pelo geólogo James Orton. Mas não existe apenas a exuberância de fauna e flora: os grandes espaços vazios são recorrentes, em muitas das aquarelas e fotografias, do mesmo modo que o trabalho servil dos seringueiros, como na viagem de Wickham. Não há cartões-postais aqui.
As Amazônias, enfim, são muitas, assim como este livro de João Meirelles Filho são muitos. Que venham seus frutos.

[RESENHA]

Livro atualiza a história das grandes expedições à Amazônia brasileira

Desde que foi revelada ao olhar estrangeiro no século XVI, a Amazônia brasileira passou a instigar o imaginário de naturalistas, cientistas e exploradores de vários cantos do mundo. Levas sucessivas de expedições ao interior da floresta podem ser contadas às centenas. Cada uma movida por um tipo de interesse: a ciência, a cobiça, a dominação, a estética, o mistério. Foram mais de 500 viagens exploratórias até o final do século XIX. E não pararam por aí.
A partir do ano de 1900 e com recursos técnicos e tecnológicos mais modernos, novos expedicionários lançaram-se no enigma fascinante da Hyleia. Foram 21 expedições nesse período. É a história dessas expedições amazônicas realizadas no século XX que chega agora ao público pelas mãos do pesquisador João Meirelles Filho. É o segundo livro da série sobre expedições à Amazônia assinado por ele. As expedições são tema que o autor tem dedicado seus últimos anos em intensa investigação. Ambos os livros foram editados pela Metalivros.
Na atual publicação, 252 páginas e uma iconografia bastante cuidadosa composta por 250 imagens resultado de dois anos de pesquisa. Com esse minucioso conteúdo, o livro é capaz de levar o leitor perceber a atmosfera que envolveu as recentes incursões e seus entusiastas e a compreender algumas das contradições que afloraram nessa árdua tarefa de desvendar a Amazônia.

Viajantes

Entre as personalidades abordadas neste segundo livro de Meirelles, estão o casal explorador Octavie e Henri Coudreau, que percorreru a Guiana Francesa, o Amapá, o Pará e o Amazonas; Adolpho Ducke, ex-funcionário do Museu Emílio Goeldi e um dos maiores botânicos e entomologistas do século XX; o paraense Márcio Ayres, falecido em 2003, mentor da Reserva Sustentável de Mamirauá – e que dedicou a vida a estudar os primatas da Amazônia. Figuram também entre outros personagens reais o poeta Thiago de Mello, a pintora naturalista inglesa Margaret Mee; a família Cousteau; os cientistas do Instituto Oswaldo Cruz, os indigenistas Orlando e Cláudio Villas Bôas, o paisagista Roberto Burle Marx e o antropólogo Claude Lévi-Strauss, que fez uma única viagem ao campo amazônico antes de escrever as bases de suas teorias que mudaram a história da Antropologia nos trópicos.
Além das grandes personalidades, Meirelles busca resgatar nomes conhecidos provavelmente apenas por especialistas, mas não menos importantes. Entre eles, o Almirante Brás de Aguiar, demarcador de fronteiras da Amazônia, e Silvino Santos, o primeiro cineasta a produzir imagens aéreas da Amazônia.
O lançamento será no dia 7 de fevereiro, 19hs, no SESC Boulevard, em Belém.

publicado no Forum Amazônia Sustentável

09:21 | Posted in , , | Read More »

Massive Attack, novo álbum em Fevereiro



Heligoland sete anos depois do 100th Window. "Splitting The Atom", EP lançado este ano. O videoclip tem realização de Baillie Walsh e combina a violência das imagens das touradas com o movimento hipnótico da filmagem slow motion em super 8.



Massive Attack - Splitting The Atom

Links:
www.massiveattack.com
www.myspace.com/massiveattack
www.twitter.com/massiveattackuk

13:09 | Posted in | Read More »

Caetano Veloso em entrevista



Sempre achou que não era músico. Ia ser cineasta mas acha que o filme que fez é "um monstrengo". Escreveu uma autobiografia centrada no Tropicalismo, crónicas e até um blogue. Aos 67 anos, cantado no mundo inteiro, acha que talvez seja mesmo músico. Duas horas à conversa, de Lula à existência de deus. Com Caetano, o mundo não é chato.

O Brasil vai cumprir Portugal. Sexo é o centro de tudo. Ser ateu não é o fim.

Jeans e blusão, cabelo grisalho sem caracóis. É Caetano aos 67 anos, a infância da velhice, diz ele. Talvez nunca tenha cantado o sexo como agora. E no seu último disco, "Zii e Zie", volta a olhar o mundo, do Rio de Janeiro a Guantánamo.
É difícil pensar num criador de língua portuguesa que ao longo de tantos anos se tenha reinventado como Caetano, atento ao tempo e fazendo-o seu.
Passou os últimos meses a rodar no Brasil o "show" do novo disco, que vai prosseguir agora pela América Latina e Europa (incluindo Portugal, no começo do Verão).
Entretanto, veio a Lisboa a convite da Casa Fernando Pessoa, a propósito dos 75 anos da "Mensagem" de Fernando Pessoa. Dia 4 deu uma conferência com o seu amigo de há tanto, António Cícero, lotando auditório e a sala onde tinha sido posto um ecrã, e no dia seguinte foi à Cinemateca apresentar o filme "Cinema Falado", realizado em 1986, a que chamou "um monstrengo".
No Brasil, as suas entrevistas muitas vezes dão polémica, e a última foi há semanas, por ter utilizado a palavra "analfabeto" para o presidente Lula, por causa do seu português "errado", ao compará-lo com a pré-candidata à presidência, Marina Silva, também de origens humildes mas com percurso académico.
Depois, em entrevistas tentou desfazer o equívoco, e é o que volta a fazer nesta longa entrevista de duas horas.
Posar para fotografias deixa-o tenso. Conversa, diz ele, descansa-o. E se a seguir não houvesse um pequeno grupo de convidados portugueses à sua espera para jantar, a conversa teria continuado. Ele fala como escreve. Gosta mesmo.
Em boa parte do mundo não é relevante que Lula fale um português "errado". E em Portugal podemos ter a percepção de que Lula conseguiu ser maior do que esse falar "errado". Contas feitas, Lula conseguiu ser maior do que ele próprio?
Sem sombra de dúvida. Superou as expectativas, pelo menos as minhas. Muita gente no Brasil ficou decepcionada. Por exemplo, o PSOL [Partido Socialismo e Liberdade, fundado em 2004] nasceu dessa frustração que a esquerda teve com Lula, mas que terminou sendo minoritária. Eu não tinha essas expectativas, e o Lula se tornou uma figura muito mais positiva do que eu imaginaria.
Chorou quando votou nele.
Porque foi uma emoção muito grande. Eu o conhecia desde que ele apareceu como líder sindical e na resistência contra a ditadura ao lado de Fernando Henrique, José Serra e várias figuras que se tornaram grandes nomes da política. E quando se fundou o PT, usei aquela estrelinha vermelha por umas duas semanas, como homenagem. Eu sentia que era um acontecimento muito importante, e que teria grandes consequências.
Embora as expectativas fossem diferentes das minhas, em geral. Eles supunham ali um passo para o socialismo, e não era bem isso que eu via. Eu achava que enriquecia o panorama da política brasileira, que modernizava, que dava um carácter ideológico ao que significa um partido no Brasil, o que exigiria dos outros uma postura diferente - e de facto isso mudou a configuração da política formal no país. Por outro lado, era muito forte que alguém das classes trabalhadoras, e com origem tão humilde, crescesse como um líder político interessante.
Porém, eu não tinha ilusões a respeito das experiências socialistas concretas. Quando eu estava na faculdade, com 19, 20 anos...
A estudar filosofia.
... e chegavam notícias do que acontecia em Moscovo, na China, e mesmo quando cresceu o maoísmo entre os meus amigos, já no meio dos anos 60, eu ficava com um pé atrás quando falavam no livrinho vermelho de Mao, e "a juventude toda está na rua". Achava meio empolgante, meio apavorante. Lembro de um amigo muito civilizado, que morava em Londres, dizer para mim: "Tenho medo desse negócio de cultura de um livro só." E tinha razão. Como assim, o livrinho vermelho de Mao substitui tudo?
Eu temia essas coisas. E isso me fez tender a misturar uma espécie de impulso anarquista com a sensatez liberal.
Então quando pareceu que Lula podia-se eleger, e já apresentava uma sabedoria em acolher grande parte da sensatez liberal, eu achei que ficou num ponto bom, equilibrado, e votei para o eleger. Por isso chorei. Toda essa história me veio à cabeça quando eu estava diante da urna.
E passado este tempo todo?
O facto é que Lula superou as expectativas. Escrevi uma carta para o "Estadão" [jornal "O Estado de São Paulo"] em que digo: "Quisera Obama."
O que quer dizer...?
Quisera Obama que a passagem dele pelo poder tendesse a resultar numa superação das expectativas, e não numa série de frustrações, o que ainda está em grande interrogação.
Houve sempre em si uma desconfiança da veneração do líder.
É. Disso eu não gosto mesmo.
Tem dito que Lula não pode estar fora da crítica, nenhum líder pode, e essa liberdade está muito no seu percurso. Por exemplo, no seu filme "Cinema Falado" temos um Fidel Castro que é a [a actriz] Regina Casé, e é fabuloso. Não é troça, é simplesmente uma coisa muito livre, feita em torno de Fidel. Assim como no seu último disco, "Zii e Zie", tem a canção "A Base de Guantánamo", mas fez questão de dizer que a crítica à violação dos Direitos Humanos por parte dos EUA não era um apoio a Cuba.
O Fidel ficou zangado. Ih! Escreveu um negócio contra mim por causa disso. No prefácio de um livro de louvação a Evo Morales [presidente da Bolívia] se queixa de mim, e diz que eu estava querendo agradar aos imperialistas. Eu disse o que facto penso.
Ele escreveu até longamente, zangado comigo.
Longamente, como é hábito dele.
Contra mim e aquela moça que escreve o blogue em Havana, que se chama Yoani Sánchez (http://www.desdecuba.com/generaciony). É como se fôssemos os latino-americanos que traíram a luta anti-imperialista.
Fidel ficou zangado, mas eu fiz essa ressalva [de que a canção sobre Guantánamo não era um apoio ao regime cubano] porque o jornalista que me entrevistava já tomava como garantido que aquilo era...
Um apoio a Cuba?
Uma atitude: "Você fez uma canção contra os Estados Unidos..." Então eu expliquei que não. Se Guantánamo me indignava era justamente porque eu respeitava o compromisso que os EUA têm, e que Cuba não tem, com a ideia de Direitos Humanos.
O Tropicalismo tem a ver com esse espírito anti-opressivo...
Tem.
... que era também uma morte do populismo.
É, o começo se deveu a isso.
Como é que olha para a América Latina hoje, para um fenómeno como Hugo Chávez, por exemplo? Está bem vivo, o populismo?
É. O próprio perfil público de Lula tem componentes populistas daqueles que eram tradição na América Latina que parece que estão voltando, mas Lula é muito mais moderno do que Hugo Chávez, Evo Morales, ou o presidente do Equador [Rafael Correa], embora ele sempre demonstre na política internacional uma simpatia, compulsória, inabalável, portanto suspeita, pelo Hugo Chávez.
Agora, eu acho o Hugo Chávez um acontecimento complexo. Diagnosticar essas histórias como renascimento dos populismos latino-americanos é facilitar demais a análise, se quisermos fazer análise, o que não é bem o meu caso.
Penso um pouco sobre o que vejo, mas não sou cientista político. Sou um músico de canção de divertimento.
É um ídolo pop intelectual. Desde sempre há em si essa pulsão de olhar o mundo. E depois de "Cê" [penúltimo disco de originais], em que diz que olhou para o que lhe estava a acontecer, agora, em "Zii e Zie", olha para longe...
Para outros lugares, para fora.
... para os signos do mundo, outra vez.
Mais frequentemente tive, como compositor, a atitude que você vê no "Zii e Zie". O "Cê" é mais uma excepção que a regra.
Neste novo disco, não é só Guantánamo. A "Lapa" é uma canção política.
Muito. Tem o Lula e o Fernando Henrique. E a própria descrição do que significa a Lapa [bairro do Rio]. A história das coisas que vieram acontecendo em certos bairros de capitais brasileiras. O começo de uma visão prospectiva, optimista, construtiva do Brasil como mito para os próprios brasileiros.
Não era assim antes. A ideia de que o Brasil era o país do futuro era uma ideia melancólica. Stefan Zweig tinha dito isso num livro muito interessante, mas ele estava fugindo do nazismo, era um judeu que recebeu acolhida no Brasil e o livro dele era o de uma pessoa que estava deslumbrada com a democracia racial que viu no Brasil.
O facto é que essa ideia de que o Brasil era o país do futuro era sempre vista com um humor quase negro. E o esboço da mudança está em Vinicius de Moraes, desde o começo da Bossa Nova. O facto do disco [de estreia] do João Gilberto chamar-se "Chega de Saudade" não é sem razão, e não é sem consequências.
Então, eu fui vendo....
Que o Brasil ia-se cumprir.
... uma disposição para fazer, concreta, real, por parte dos brasileiros.
Essas coisas vieram-se confirmando, mais que negando, ao longo das décadas. E a figura de Lula, que aparece no final da canção junto com Fernando Henrique, significa o estágio mais avançado a que chegou essa determinação construtiva dos brasileiros.
Esse negócio de eu ter dito que ele é analfabeto - o que aliás, tomado ao pé da letra, seria um erro, o Lula não é analfabeto -, foi para fazer a diferença entre, por um lado, Marina [Silva] e Obama, e por outro, Lula. Para dizer porque Marina parecia-se com Obama e não com Lula. Então eu deixei sair aquela expressão. Na hora pensei: "Esse negócio de jornal pode dar problema, mas dane-se, porque ficar todo o mundo adulando Lula também é chato."
E tem uma outra coisa muito chata, a questão dos linguistas. Eles fizeram uma mistificacação da fala do não-instruído como parte do apoio a Lula, como se fosse uma expressão da esquerda, o que eu acho um abuso dos conhecimentos científicos. Por outro lado, acho que há uma desvalorização implícita do esforço feito por Marina, que saiu talvez de ambientes mais inóspitos que o próprio Lula, e do ponto de vista linguístico se preparou de um modo que Lula não se preparou. Não é obrigatório que Lula o tivesse feito, mas é preciso que se valorize o que Marina fez. E que não se diga que tanto faz você dizer "menas", como "menos".
Há algo muito importante no facto de Lula ser pouco ilustrado do ponto de vista formal, no facto dele continuar falando como no ambiente de pessoas, em geral analfabetas, onde ele cresceu. Isso é relevante, e mais ainda do que possamos pensar. Não conheço nenhum caso. Não posso imaginar o que aconteceria na França se um homem que usasse os verbos todos errados em relação aos sujeitos chegasse a se candidatar a presidente, e a ganhar as eleições. Que escândalo não seria na Argentina. Então, o facto de um homem ignorante nas letras e na informação escolar ter-se tornado presidente - e ser um presidente importante, relevante, e sob muitos aspectos bom, embora sob outros muito mau também -, é algo que diz muito sobre o Brasil, sobre a informalidade brasileira, sobre um caso extremo de não-vigência do preconceito linguístico.
Gente!, este homem foi eleito Presidente da República dizendo "as porta", sem fazer o plural, a concordância! Então, os brasileiros são um povo que não demonstrou preconceito quanto a isso. Nem sequer as classes altas o fizeram. Porque se houve quem o comentasse, isso não atrapalhou a eleição, e muito menos atrapalha a aprovação que ele tem, recorde em qualquer época no Brasil, e um dos maiores índices de qualquer presidente em qualquer país do mundo.
O Brasil é muito especial quanto a isso também. Ou seja, eu olho para Lula e vejo um número enorme de coisas de que posso me orgulhar, e são características do Brasil.
A sua convicção desde sempre é que havia um dever de grandeza do Brasil, e daí uma melancolia oscilante ao longo das décadas: tínhamos esse dever, não estivemos à altura, será que ainda vamos ter oportunidade?
É. Como se fosse um país bipolar, psicótico, maníaco-depressivo [riso].
E agora, o Brasil nunca esteve tão perto dessa ambição?
Pelo mundo, não é? Eu vi aquele número da "The Economist" [sobre o Brasil]. É uma revista que leio muito, tem um nível alto, é sóbria, bem escrita, atenta.
Na capa tinha o Cristo-Redentor a descolar. Você falou em tempos do Brasil como o Ocidente do Ocidente possível.
É. Um Ocidente a Ocidente do Ocidente - parafraseando "Um Oriente a Oriente do Oriente", do "Opiário", de Álvaro de Campos.
Quando diz: eu não quero exigir menos ao Brasil do que aquilo que se deu nos Estados Unidos. Você acha que hoje isso está mais vivo que nunca?
A gente nunca esteve tão próximo de ser mais exigente com o Brasil. Agora a gente pode exigir do Brasil que realize o que é insinuado na sua mera existência. Com todas as coisas por que passámos, o que Juscelino [Kubitschek, presidente de 1956 a 1961, período de desenvolvimento, durante o qual Brasília foi construída] fez antes da ditadura; o que os dirigentes militares fizeram durante a ditadura; o que se fez depois, de bom e de mau. Foi um caminho de tomada de responsabilidade. Eu achava que isso deveria acontecer. A originalidade do Brasil, eu acho fatal.
Tem uma visão quase sebastiânica, como se o Brasil fosse cumprir a grandeza que Portugal quis e nunca pôde cumprir.
Mas é Portugal [sorri].
O cumprimento do sebastianismo?
É. Uma versão do sebastianismo em que o Brasil aparece como a nave-mãe, ou o principal realizador. Mas isso está em Fernando Pessoa.
É isso, como se o Brasil fosse cumprir a "Mensagem".
Na "Mensagem" não está explícito, mas em textos reflexivos está explícito que Portugal não é Portugal, esse pedaço extremo ocidente do continente europeu. Portugal é o sonho que teve, as viagens que fez e o modo como espalhou a língua pelo mundo.
Uma outra coisa que não gosto dos linguistas é quando alguns dizem que deveríamos deixar de chamar a língua de português. Não gosto disso. Acho que falamos português.
Veja bem, Portugal é um país da Europa. Agora toda a economia do Ocidente está em grande crise menos a do Brasil, mas até aqui o crescimento da zona do euro fez com que Portugal voltasse a olhar para o Brasil como que de cima para baixo. E eu gostava disso. Quanto mais Portugal se afirma, mais leva o Brasil no bojo, não tem outro jeito, e vice-versa. E também os outros países de língua portuguesa. Para mim, é óbvio.
Uma vez eu estava numa boite no Rio, havia uma festa para o lançamento, e chegou um grupo de garotas muito bonitas, pareciam umas cariocas bonitas. Chegaram falando comigo. E a zona sul do Rio, na verdade, é muito pequena. E eu: "Puxa essas meninas tão bonitas, e eu nunca tinha visto em lugar nenhum, incrível." Com a curiosidade, puxei mais conversa, e notei então que o sotaque carioca era forçado. Pensei: vieram do sul e estão fingindo que são cariocas.
E eram portuguesas.
E eram portuguesas. Quando me revelaram tomei um susto. Estavam ali fazia uma semana, pela primeira vez, e falavam como brasileiras se quisessem, de tanto verem novelas. E não eram meninas desavisadas, a roupa era elegante, eram de alta classe média, interessantes. Fiquei pensando: "Que beleza. Para onde quer que vá Portugal, isso vai."
Nunca mais vai sair do espírito português o que entrou nele pelas novelas da TV Globo. Nem quero falar na música popular, basta-me isto agora, porque a música popular faz muito mais tempo que trouxe muito, levou muito para África e trouxe muito para Portugal.
Portugal pode ir onde for. Nenhum outro país da Europa tem essa convivência com o Brasil e leva naturalmente isso. Então, a língua que falamos chama-se português.
A sua geração quis acabar com as desigualdades sociais. Como é que se lida com a violência, por exemplo no Rio, em que o morro e o asfalto são dois mundos? Como é que o Brasil com que você sonha deve lidar com isso?
Não sou nada original. Acho que educação é crucial para esse enfrentamento da disparidade.
Esse é provavelmente o maior desafio do Rio para os Jogos Olímpicos de 2016.
É, 2016 é daqui a pouco, e 2014 tem a Copa do Mundo. Tem de haver uma acção com muita vontade direccionada para a educação. Muito foi feito já. Quando eu era jovem, a maioria era anlfabeta. Hoje isso está muito longe, a universalização da escolaridade já foi atingida. Conseguiu-se uma coisa quantitativa, já foi uma grande virada. Mas deveria haver um esforço tipo Coreia do Sul na educação. Quanto a segurança...
O que há no Rio é uma guerra, não é?
É. Há algumas batalhas por causa de facções rivais.
Com blindados, armas pesadas, mortos e feridos.
Morre muita gente. E parte dessa polícia corrupta participa dessas batalhas, dependendo das conveniências. Então, é uma coisa muito difícil de superar, mas não é impossível. Há várias coisas já nos dizendo algo, uma delas muito significativa, da qual não se fala, embora os jornais não se furtem a noticiar: a violência no Rio de Janeiro e principalmente em São Paulo decai consistentemente há muitos anos, já. Isso é importante.
Em São Paulo há algum planejamento de como exercer a segurança pública, mas no Rio não chegou a haver uma mudança notável.
E [esse decréscimo de violência] é uma coisa que tem de ser aproveitada por uma política de planejamento de segurança.
No Rio, quando eu era jovem - não tão jovem assim -, as pessoas tinham medo de ir a Nova Iorque.
Hoje ninguém tem.
A pessoa vive no Rio, diz: "Estou em Bagdad"! E Nova Iorque é um oásis, as meninas voltam para casa sozinhas, vão a pé passeando que a noite está fresca. Mudou muito. Mas antes de mudar estava havendo esse declínio. As pessoas que sabem de estatística me dizem que o factor determinante mais considerável é etário. Como diminuiu a natalidade, a população é menos jovem. Isso foi determinante nos EUA e está sendo no Brasil. Se a população é menos predominantemente jovem, a possibilidade de violência cai.
A impressão que me dá é que essa violência tipo Rio estar crescendo em cidades até como aquela onde eu nasci, Santo Amaro, onde não havia violência, é como se esses lugares estivessem atrasados. A notícia ainda não chegou lá.
A "Economist" falou num aspecto que você achou importante, o igualitarismo dos gangues nas favelas.
Eu sei que é assim porque conheço essas figuras do Rio. Já vi muitos, conversei com muitos. Em geral morrem cedo, vão presos, e não conhecem muito o mundo fora da favela. O sujeito que ganha poder na favela, se torna uma espécie de chefete daquele mini-país incrustrado dentro da cidade do Rio de Janeiro, entendeu? E ele não sai dali, tem muitos privilégios, mas ali. É um sujeito que leva uma vida confinada. Então é diferente das figuras de videoclip do hip hop, com carros conversíveis, champanhe e mulheres bonitas à disposição. Esses chefes de favela têm mulheres bonitas, mandam, exercem crueldades, porém não têm carros maravilhosos.
O que me interessou no texto da "Economist", e que não vejo na imprensa brasileira, foi eles dizerem que parece que a grande instabilidade e a frequência das guerras entre as facções se deve ao facto de que nenhuma delas - diferentemente do que acontece no resto da sociedade brasileira, que é incrivelmente desigual - se eleva economicamente acima das outras. Nenhum chefe se tornou um grande milionário. Há um igualitarismo espontâneo no histórico desses grupos, que faz com que seja muito instável a convivência entre eles, porque é uma disputa permanente de coisas não muito estabelecidas.
Além do Brasil, neste seu último disco você olha o mundo mais ao largo. Já no "Verdade Tropical" [1997] fala do Choque de Civilizações, do livro do Huntington. Estava bem fresco...
É, aquilo era muito novo. Huntington acabou por ficar muito [falado] por causa do 11 de Setembro.
Como é que olha para estes anos desde o 11 de Setembro até à eleição de Obama? Há muita gente que acha que o desafio principal é a relação com o mundo islâmico. Um dos seus discursos centrais de Obama foi o discurso para os muçulmanos no Cairo...
Foi muito bom aquele discurso. Mas ele fala muito bem.
Tivemos o 11 de Setembro, Bush e houve a eleição de Obama. O que é que lhe interessou mais nestes anos, ou o preocupou mais?
É muito atraente, fascinante mesmo, os signos que estão envolvidos nessa história.
Naturalmente, eu me senti atraído por Obama, por todas as razões conhecidas. Ele podia vir a ser - e veio - o primeiro presidente negro americano, num país onde a discriminação contra os negros chegou a ser, durante muito tempo e em muitos estados, legal, oficial, uma coisa que o Brasil desconhece e que nos parecia monstruoso. Quando eu era novo ainda era assim. Eu já estava casado com Dedé [primeira mulher de Caetano] e ainda havia aqueles "riots" nos EUA para os negros entrarem na universidade.
É muito recente.
Isso era nos anos 60. Incrível. Então não podia deixar de ser fascinante que um negro pudesse ser presidente dos EUA. Mas a história dos EUA é realmente de conquistas legais. Isso propiciou Obama ganhar, propiciou também que a gente passasse a ver nos aviões americanos aeromoças pretas quase no mesmo número que brancas, o que você não via nos aviões brasileiros, ainda não vê; tem, mas são muito poucas. Porque nos Estados Unidos é assim: passou a ser lei e imediatamente muda tudo, porque a pessoa obedece à lei. Em poucos anos, apresentadores "âncora", aeromoças, prefeitos, governadores passaram a ser pretos.
E no Brasil, onde não havia essa separação, não houve uma mudança. Então, começou-se a dizer no Brasil que não ter uma atitude ostensivamente racista era um racismo pior do que ter, o que acho uma distorção imperdoável.
Há uma frase que você disse: de um racista eu exijo, no mínimo, que ele finja que não é.
É. É o mínimo, entende?
Nada pode ser mais grave que a legalização disso.
Porque aí você está dizendo que um estado baseado em ideias raciais é mais saudável  que um que não tem nada disso, como o Brasil. Eu não acho. Eu acho que nosso jeito é português. Os portugueses foram muito amadores nessa questão de discriminação racial. Você vê na África, nos países de colonização inglesa tem uma ideia de divisão de raça muito mais nítida. E nos países colonizados pelos de língua inglesa também.
Mas havia distinções raciais nas colónias portuguesas.
Eu sei, e muito mais que no Brasil. A África portuguesa tinha questões raciais, conflitos, que os brasileiros desconheciam. O que estou dizendo é que os portugueses fazem isso de uma maneira amadorística, confusa. Não são bons nisso, mas não têm uma ilusão de serem racialmente alguma coisa, porque houve muito tempo de mouros aqui. É uma gente que o pessoal do norte da Europa olha como...
Uma vez, quando eu morava em Londres [durante o exílio político no começo dos anos 70], fui a Amesterdão. E um holandês conversando comigo me disse: "Para lá dos Pirinéus é África."
Fez-se um estudo genético há uns tempos e uma parte significativa da população a sul do Tejo tinha sangue judeu, berbere ou árabe.
Não é uma maravilha?
Está a falar da questão do racismo...
Entrei nisso por causa do Obama.
... não sei se acompanhou a questão dos minaretes na Suíça...
Eu li só uma coisa.
Os comentários, aqui mesmo, no site deste jornal, são muitas vezes racistas. Para si, este é um dos desafios centrais ou não?
Sem dúvida. Por isso, o facto de Obama ser próximo do mundo muçulmano e ter um nome árabe tem um valor simbólico muito grande.
Mais do que essas notícias sobre os minaretes, eu fiquei relativamente angustiado foi lendo que Obama titubeou e pareceu nervoso numa entrevista à Fox News, faz poucos dias. Em relação ao Afeganistão e ao plano de saúde.
Ficou impressionado porque sentiu que era uma prova de fraqueza?
Não me sinto bem simplesmente em saber que Obama titubeou, entendeu? Tem horas em que parece que isso vai acontecer mesmo.
O quê? Que ele vai titubear?
É.
Que achou daquele Prémio Nobel da Paz?
Não gosto de prémio, não suporto prémio. Ganhei poucos prémios na minha vida e é uma coisa que não me deixa feliz, na hora não ligo. Mas achei que eles deram o prémio ao valor simbólico da chegada dele ali. É um pouco chato.
Porque a partir de agora só pode ser para baixo?
É, ou então ele faz realizações, e como Lula supera as expectativas. Mas é como eu disse. Quisera Obama. É difícil.
Mas o que acho desse negócio da Suíça e dessas pessoas que se manifestaram...
Não é só em Portugal. Essa desconfiança está a acontecer na Europa.
O problema é que a Europa é muito pequena, fisicamente.
Está a dizer que as pessoas se sentem acossadas?
Se sentem. Vários factores contribuíram para que aqui se criasse uma cultura universal e universalista. Tudo o que a gente chama de Direitos Humanos, Império da Lei, tudo isso amadureceu na Europa. Também o desenvolvimento tecnológico, tudo o que é Ocidente é Europa, mas é uma parte muito pequena do globo, fisicamente. Então, os países europeus se expandiram em formas de imperialismo, e tem toda essa multidão de gente. Eu morei na Inglaterra, só a minha figura já era um problema. Na Europa eu sentia-o, todo mundo sente. Cheguei a escrever isso em 1970, sobre os "skinheads" [em Inglaterra], a gente tinha medo deles.
Porque o confundiam com um paquistanês.
É. Nunca ninguém me bateu, mas às vezes eles surravam, matavam os paquistaneses. Já faz alguns anos que eu tenho vindo muito para a Europa, e me demoro na Itália, onde por alguma razão os italianos em grande número vão ver os meus "shows" em muitas cidades.
É o exemplo de uma sociedade que se foi fechando com a berlusconização.
Revelou-se muita intolerância com o estrangeiro que vem querendo participar do conforto da Europa. E aqui há essa tensão.
O caso dos muçulmanos se complica por causa de haver uma ofensiva muçulmana. O 11 de Setembro foi um recado que muda o tom da conversação, e depois houve os atentados em Londres, em Madrid, os que foram abortados. As relações ficaram num grau de tensão muito maior. E há um tom de ofensiva, não de defensiva, na expressão muçulmana no mundo.
Por exemplo, no caso das caricaturas na Dinamarca, parece que a atitude ainda era a de que muitos países do ocidente precisavam pedir desculpa. Eles têm na religião deles, ou no modo como a estão lendo, uma ideia de que quem não é partícipe daquela religião é infiel, e em princípio pode ser destruído. Há algo assim.
Tem essa percepção como sendo o "mainstream" e não um extremo dentro do islão?
Isso é a atitude dos fundamentalistas, absurda. Não tenho dúvidas de que um muçulmano razoável, equilibrado, achará isso tão despropositado quanto eu, mas as forças que se manifestam no mundo não estão dizendo isso com clareza. Então, todo esse movimento de baixeza dos europeus em relação aos povos muitas vezes explorados ou subjugados, toda essa coisa ruim se complica quando se relaciona com o caso muçulmano, porque aparece isso e algo pior do que os europeus estão dizendo.
Eu não gosto. Sinto que é um momento muito difícil mesmo. O negócio de Huntington...
Você próprio desconstrói a ideia de civilizações que ele estabelece.
Eu não gosto muito do livro de Huntington. Ele é muito esquemático e o modo como divide as civilizações é um pouco artificial e serve determinados propósitos, mas não é um livro desinteressante porque trata de algo que de facto se dá.
Mas algumas coisas que ele fala do mundo muçulmano tinham aparecido num livro muito mais inteligente, realmente belo, que é "Tristes Trópicos", de Lévi Strauss, de uma maneira que já me fazia pensar. Eu acho que Lévi Strauss tinha quase que um "parti pris" anti-islâmico. Ele próprio confessa. Eu não compartilho disso, mas muita da análise que ele faz parecia prever o que nós estamos vivendo melhor do que Huntington fez.
Por exemplo, quando falo do Brasil e desse mito, que não me incomodo de chamar de sebastianista - de que o Brasil tem uma originalidade e um destino de exercer uma grandeza com a originalidade -, de modo algum isso poderia ser embrião de uma força que se sentisse no direito de negar as outras.
Autoritária, opressiva.
É. Dessas coisas que Lula tem feito, tem um lado da política externa em que ele tende a perdoar ou retrabalhar o problema da dívida do Paraguai com o Brasil , ou da Bolívia. Eu acho que isso é que é bastante brasileiro, e é o Brasil que eu desejo.
Agora, quando eu falo assim, é como Fernando Pessoa dizia: as pessoas não gostam da verdade. Ele disse que talvez seja porque elas tenham percebido que não há verdade, ou há mas é impossível conhecê-la, e então a vida tem de ser impulsionada por mentira, ou seja, o mito.
Então usemos este mito da volta de D. Sebastião. É assim que Fernando Pessoa diz numa reflexão que ele anotou. Eu gosto muito disso. É uma coisa que você usa para estímulo, não porque você quer enganar os outros nem a si mesmo, mas porque é uma maneira de ler o que é factível, e que você percebeu que é factível, e deseja que seja realizado. É assim que vejo esse negócio do Brasil. Não gosto que nenhum país, nenhum povo, se sinta com direito de aniquilar os outros.
A razão principal desta sua vinda a Lisboa tem a ver justamente com a "Mensagem", de Fernando Pessoa. O contacto que teve com a "Mensagem" foi muito cedo, quando começou a ler Pessoa na Baía, e depois há aquela história fantástica de ter ido no princípio de 68 ou começo de 69 a um festival de música no Rio, vestido de plástico preto e verde, com colares de dentes e de tomadas, e começar a recitar partes da "Mensagem" no meio do "É proibido proibir".
É, eu declamava justamente o poema de D. Sebastião.
Sempre que conta essa história diz que a sua "Mensagem", a sua visão desse mito sebastiânico, tem muito a ver com a versão não-reaccionária do Agostinho da Silva. Sempre fala dele. Parece ter sido uma figura importante para si.
Terminou sendo. Ouvi-o uma vez falando na Baía. Ele estava arregimentando voluntários para a recuperação da cidade de Cachoeira e um centro de estudos, lá num casarão. Fui assistir, gostei muito, achei muito inteligente, e eu tinha amigos que já o admiravam e um que o seguia como discípulo. Muito mais tarde, já no exílio, estive com ele uma vez, e depois de ter voltado do exílio outra vez com ele, as duas em Lisboa, porque depois ele voltou do Brasil para Portugal.
Esteve na casa dele no Príncipe Real?
A primeira vez, ele veio-me ver no hotel, e a segunda vez eu fui vê-lo na casa dele. Foi muito boa essa segunda conversa. Ele disse que gostou muito da primeira conversa mas eu não disse nada!
Era uma figura muito heterodoxa. Dizia que depois de civilizar os outros continentes, Portugal agora tinha de civilizar a Europa.
Eu adoro isso! Amo essa frase!
Uma vez, fiquei uns 20 dias na África, sobretudo na Nigéria e na Costa do Marfim. Nunca tinha estado lá. Passei pelo Senegal, que achei muito bonito, mas em Lagos era terrível.
E conversando com o professor Agostinho, dessa segunda vez, eu disse para ele: "Professor, sabe que eu me senti mal na África? Achei que nos dá a sensação de que lá não há futuro. Não há futuro possível. É terrível dizer isso." E ele falou: "Mas é, não há mesmo. Por isso temos de fazer mais fortemente o que fazemos. Temos de criar esse futuro." Acho isso muito bonito.
E a ideia de que Portugal civilizou a Ásia, a África e América e falta civilizar a Europa é muito bonita, porque é muito desabusada, e na contramão do óbvio. Portugal é justamente o país da Europa Ocidental que ficou mais para trás na história.
Mas acontece que o pensamento dele desde sempre foi que terá sido uma benção Portugal ter ficado para trás quando a Inglaterra entrou nesse mundo que o fez como o conhecemos hoje, e a França, e a Alemanha. Ele era muito erudito e muito inteligente, e ao mesmo tempo tinha esse pensamento de que eu gostava muito, que era de.....
De grande autonomia?
E uma entrega muito grande a um negócio por fazer. Mas também porque era uma fé em alguma coisa. Às vezes, perto do pensamento dele, eu me sentia preso a um negócio que não me agrada muito, como se fosse assim uma amarra católica.
Como se ele já estivesse liberto disso?
Para mim, parecia isso. Muitas das desvantagens que são apontadas no facto do Brasil ter sido colonizado por portugueses me aparecem aos olhos como se fossem vantagens.
Por exemplo?
Esse próprio amadorismo no trato das culturas com que se tem de conviver, um certo atraso mesmo, que fez com que o Brasil não se inserisse no caminho de afirmação que o mundo tomou, o que permite uma alternativa, e no fim das contas exige uma solução alternativa, porque ao mesmo tempo o Brasil é grande.
Hoje, várias pessoas do mundo inteiro dizem: "É grande e é interessante, pode fazer alguma coisa." Antes, ninguém dizia nada. Mas eu não podia não pensar algo assim, porque nasci no Brasil. Acho que isso aconteceu com o professor Agostinho em relação a Portugal também. Para mim não seria muito fácil simplesmente dizer: "Toda a verdade do que se pode fazer a respeito da organização da sociedade humana, os ingleses já resolveram, e a gente está apenas atrasado." Muita gente pensa assim. Eu admiro enormemente os ingleses e as soluções que eles encontraram, e, diferentemente do professor Agostinho, gosto bastante do liberalismo económico, a que ele se opunha. Na história que se ensina no Brasil, os professores tendem a ir para a esquerda, e os livros passaram a tender também, e muitas vezes toda a história de Portugal, da descoberta, da colonização brasileira, é apresentada como um mau sucesso. D. João VI seria um sujeito que ainda estava ligado às ideias católicas medievais, seria uma corte que não se modernizou, e isso teria levado para o Brasil um negócio atrasado.
Isso é que o professor Agostinho, e acho que Fernando Pessoa também, viam como uma vantagem, A minha vantagem, e talvez eu me identifique muito com essas pessoas, foi sempre considerar as desvantagens como uma oportunidade.
Mas não me sinto bem com a identificação católica. Tenho uma relação um pouco conflituada com a ideia de religião, uma tendência anti-religiosa. Não é íntima, mas é muito forte. É uma questão de respeito à minha inteligência. Não gosto de ser enganado, não gosto de ver as pessoas serem enganadas, cresci numa casa em que todo o mundo ia para a Igreja...
Não ia dormir sem rezar.
Bem menino, é, depois deixei. Mas os meus três filhos são religiosos. Os três, profundamente religiosos. É curioso.
O que mais lhe interessou na literatura portuguesa que tenha lido recentemente?
O que mais me excitou nos últimos anos foi "O Ano Em Que Zumbi Tomou o Rio", do José Eduardo Agualusa. Há livros dele posteriores, e mesmo anteriores, mais bem sucedidos, mas esse foi o primeiro dele que eu li, e tem o tema do Rio de Janeiro, da raça no Brasil, traz um tom mutio mais de conflito racial, porque ele [Agualusa] é da África, então a história aparece mais racializada do que apareceria num texto sincero de um autor brasileiro. Gosto do jeito, acho que ele escreve com um estilo bom, ágil, claro, forte. Fiquei gostando muito.
Li outras coisas portuguesas. Quando li o "Memorial do Convento" fiquei louco pelo português do Saramago. Com a fabulação não fiquei tão tomado. Mas o português de vocês, em geral, me agrada muito. Tem uma ligação natural com a história da sintaxe da língua que no Brasil a pessoa força para ser suficientemente correcto e suficientemente coloquial. Então, achei muito bonita a escrita do Saramago e li outros dois livros. Aí, o relativo dissabor com a fabulação se mostrou mais forte do que o prazer com a língua. Não fiquei mais tão interessado.
E brasileiros?
Leio de uma maneira caótica e casual. Fico com medo de falar porque não leio muitos livros novos brasileiros, leio muita coisa que cai na minha mão por as pessoas saberem que tenho interesse. E às vezes vou comprar um DVD na Livraria da Travessa, em Ipanema, gosto dali, ou na Argumento, no Leblon, adoro livraria. E aí ando, olho um livro, aquilo me dá curiosidade, pego, leio porque bateu [pausa].
Eu li os livros de Chico [Buarque].
Gostou?
Gostei muito. Ele escreve muito bem. Esse problema da escrita elegante e natural, ele consegue. É uma coisa linda.
Acha que o último é o melhor?
O penúltimo.
"Budapeste"?
É. Como fabulação e texto, tudo.
Escrito sem ter ido a Budapeste.
É, só foi depois. O livro novo é bonito, mas é uma coisa mais simples. Agora o impacto maior foi o primeiro dessa série - ele escreveu antes, quando jovem, mas não tem interesse. O "Estorvo" me impressionou porque era o primeiro, e você via ali que ele estava escrevendo mesmo, e que era forte, e que tem um ritmo, uma imaginação. Há uma coisa que ele traz das letras dele, que é uma elegância, uma oportunidade na escolha das palavras, que é simplesmente perfeita. E ele tem umas frases curtas, assim o número de vogais semelhantes. Se você vir de uma maneira puramente formal, é inacreditável a intuição que ele tem. Um talento para as palavras deslumbrante. Desses autores novos é o único que li extensamente.
É muito bonita a forma como fala de quando descobriu Clarice Lispector, João Cabral de Melo Neto, João Guimarães Rosa, e escreveu esta frase: "Isso me levou a amar os livros com uma profundeza que supera a falta de intimidade que ainda hoje tenho com eles." Esta tensão sente-se sempre no que você escreve, tanto no "Verdade Tropical" como nos textos reunidos em "O Mundo Não é Chato", como no blogue que fez para o "Zii e Zie". Há uma pulsão de frase longa, de quem quer escrever, com muitas derivas, que é o contrário de Chico Buarque.
É, o contrário.
Então, a pergunta é: romances, não, como o seu amigo Chico?
Às vezes pensei nisso.
Não aconteceu porque gosta demasiado de ser personagem?
Isso também. Mas sabe o que é? Eu não gostava de romances quando era novo. Preferia ler ensaios e poesia.
Você conta que o Rogério [Duarte, artista plástico amigo de Caetano] disse de José Agrippino [de Paula, escritor a quem é dedicado "Cinema Falado"]: ele é muito saudável para a literatura, literatura precisa de neurose. Concorda com essa ideia?
Na altura me impressionou muito. Mas o facto é que Zé Agrippino morreu louco. Foi uma coisa muito estranha - aquilo que para nós era saúde...
Uma vez, estava falando com um amigo que morava em Londres, e eu disse: "É saudável esse jeito de Zé Agrippino ver o mundo." E ele falou: "Não, Caetano, você não percebe, é loucura." Esse amigo tinha percebido.
Acha que existe uma relação entre a felicidade e a criação relevante? Que as pessoas realmente felizes ou saudáveis não podem escrever?
O próprio Pessoa fala que os deuses vendem quando dão.
[Na "Mensagem": "Os Deuses vendem quando dão. / Compra-se a glória com desgraça. / Ai dos felizes, porque são / Só o que passa!"]
Mas eu na verdade não gosto muito de pensar assim. Esse negócio de felicidade é muito subjectivo, então você fica perdido se fica pensando. Muitas pessoas que são artisticamente criativas têm uma grande euforia no momento da criação. Há muita gente que hoje aponta a criação como sendo uma manifestação de bipolaridade. Mas há grandes criadores que gostavam de viver, curtir as coisas.
Eu não sinto desejo de pensar que haja uma relação necessária [entre criação e felicidade/infelicidade]. Nem a que Rogério falou, que é muito popular, nem a outra, dessa psiquiatria de revista.
O desejo de fazer romances não existe em si?
Não digo que não escreverei. É uma oportunidade de escrever muito, e uma maneira de escrever observações que seria melhor que eu escrevesse do que simplesmente guardasse, ou gastasse desorganizadamente em conversas com amigos ou em entrevistas. Podia sentar e me concentrar mais, porque o romance é um bom veículo. Eu não seria um teórico, não me dediquei a estudar para ser um autor teórico.
Também não precisa de deixar de ser personagem. Você fala de Proust, de como foi importante para si o rememoriar ser mais verdade do que a primeira vez, e isso tem muito a ver com a sua forma de escrever, que é muito proustiana, trabalhar memórias, fragmentos...
Tem. É. Não acho que ia deixar de ser personagem.
O "Cinema Falado", até agora o seu único filme...
Isso eu pensava mais, tinha mais vontade de fazer filmes.
... sempre disse que queria ser cineasta. Mas o "Cinema Falado" está cheio de literatura, dos seus textos, dos seus autores.
É, fala-se demais.
Não, você não acha isso.
É uma piada. Acho.
Você quis construí-lo assim.
É a piada do filme.
Disse que era um exercício para fazer filmes narrartivos.
É, eu tinha muita vontade.
Tem ainda?
Tenho. Ia ser como num romance, se eu escrevesse. É bom que seja narrativo porque você fica à vontade para tratar [os assuntos]. No "Cinema Falado" é uma loucura. Eu ponho trechos teóricos ditos por uma pessoa com a câmara na frente, às vezes. Muitas vezes.
Intercalados por dança.
O que é diferente de um filme que tem uma história e você põe lá observações, coisas.
Mas quer fazer outra coisa ou esse é o seu caminho?
Olha, já sou velho o suficiente para pensar que minha obrigação, função, é mesmo fazer música popular. Mas é quase uma resignação, por um lado. Por outro, é uma honra, porque eu não me sentia capaz.
Há mais de 40 anos que vem dizendo que toca mal violão, e não tem acuidade musical. Pensar sempre que o que queria fazer era outra coisa foi um mecanismo que ajudou a retirar pressão da música, que o libertou?
Ajuda a libertar, mas também me tolhe, porque se eu tivesse pensado "vou-me entregar a isso", eu melhoraria mais cedo, mais do que consegui até agora. Me prendi a essa provisoriedade, que me dá também um certo relaxamento, mas também é limitador.
Mas você é a única pessoa que continua a dizer essas coisas em relação a si próprio. Até o Gil diz que você inventou que não toca violão.
É - o Gil. E depois de tantos anos alguns também já devem estar dizendo: "Aquele Caetano tem o jeitinho dele." Mas quando digo isso, eu não tenho dúvidas que nem Dori Caymmi, nem Edu Lobo, nem Lenine, nem Djavan, nem João Bosco, nenhum pensa assim: "Caetano está mentindo." Eles não deixam de me admirar, mas sabem que eu não tenho, especificamente, um ouvido harmónico especial, muito capaz, uma possibilidade de tocar violão bem desenvolvido, entende?
Ao mesmo tempo, você é um músico incrivelmente antenado que foi fazendo sempre coisas diferentes, talvez como nenhum outro, ao longo dos anos.
Eu podia ser um repórter!
[risos] Mas na música mesmo. Agora esta bandaCê...
Eu adoro a banda.
... com o seu filho Moreno, os amigos dele, essa coisa que você escreveu sobre eles: "O mundo não é chato." E escreveu esta frase: "Amo nosso tempo." Podemos pensar em si como alguém que fez o tempo, e fez o tempo ser seu. Não tem celular nem twitter...
Twitter talvez venha a ter mais facilmente que celular.
... mas acompanhou a feitura de "Zii e Zie" com um blogue, que viu como um botequim virtual, e muita gente apareceu.
É. Ficámos amigos. Agora no último dia do "show" no Rio foram todos os [interlocutores do blogue] mais frequentes. Foram na estreia em Maio e agora no útlimo dia.
O que é que essa experiência do blogue trouxe à sua vida?
Foi bom, porque a feitura do disco ficou matizada dessa convivência e eu fiz novas amizades. Eu adoro a Internet para olhar YouTube, Google, e trocar e-mail. Com o blogue, passei a ter outra coisa, que foi o diálogo com essas pessoas, que depois mandam "links". Eu fiquei mais enriquecido.
No "press release" do disco, escreve: "Entro na velhice." Depois explicou numa entrevista que 66 anos - a idade que tinha, agora tem 67 - é a infância da velhice e não está assim tão preocupado com isso. No "Cê" parecia haver uma espécie de rebelião e neste disco canta, por exemplo: "Quem me dera eu poder me dar todo a essa que eu nunca vi." Há uma energia sexual no Caetano destes discos que parece ser a preservação da vitalidade. Faz sentido olhar para isto assim?
Todo o sentido. Em "Verdade Tropical" eu ponho o sexo como centro, e eu acho que é mesmo.
Muitas vezes isso é apontado como uma falha de Freud, mas é o que vale nele, ter descoberto isso. Acho que Freud terminou fazendo as considerações mais pertinentes a respeito da vida do homem em sociedade, mais do que aqueles que escreveram sobre o assunto. Tenho pensado muito nisso ultimamente, vou até estudar um pouquinho.
Reli Freud este ano e fiquei impressionado. A parte mais interessante é justamente como ele observa as possibilidades do homem em sociedade, a maneira difícil, muitas vezes amarga, pessimista, mas também tão realista, que faz do factível algo de que você pode-se aproximar com coragem. Curiosamente, hoje em dia Freud me interessa como um sujeito que pensa melhor que os outros a vida do homem. Mas é porque ele viu o sexo como centro.
Quando você conta as experiências que teve com drogas, que foram poucas e más, uma das coisas que o marcou muito foi a ideia de como seria horrível uma vida depois da morte, uma alma sem um corpo.
É, eu não gosto disso. E uma consciência sem tempo.
E define-se como um ateu. Não sei se era o Décio Pignatari que falava dessa minoria...
É. A única minoria do mundo são os ateus [riso].
Talvez ainda mais no século XXI que no século XX.
É, agora está mesmo mais.
Essa responsabilidade, que é também uma solidão, do homem que não acredita em deus, porque o acreditar em deus é de alguma maneira uma delegação...
É uma maneira de ver...
Acha que não?
Às vezes penso assim, mas nem sempre.
Essa responsabilidade não lhe dá medo da morte?
Medo da morte sempre tive, não varia com isso. António Cícero, que veio comigo fazer a palestra [na Casa Fernando Pessoa, em torno da "Mensagem"], é o amigo ateu mais bacana que tenho, o mais inteligente. E o ateísmo dele é o mais límpido e firme. Mas por causa desse negócio [da palestra], me mandou uns escritos de Pessoa por e-mail. O primeiro era uma prova racional da existência de Deus. Mas é tão maravilhosa que mandei logo para o meu filho mais velho, e estou de mostrar ao meu filho segundo, porque ambos são religiosos, como o terceiro, que tem só 12 anos.
Moreno, Tom e Zeca?
Moreno, Zeca e Tom, por essa ordem. Zeca tem 17. Vou mostrar a ele esse texto. Ao Moreno mandei por e-mail.
São os três católicos?
Não, nenhum é. O Moreno simplesmente exerce a religiosidade dele. Ele é físico, e muitos físicos são religiosos, têm uma coisa de deus. E os outros são evangélicos, não sei se protestantes.
Esse texto me impressionou muito. Fiquei pensando um pouco diferentemente por causa desse texto que o meu amigo ateu mandou para mim [riso].
Ou seja,ficou um pouco menos ateu?
É, algo assim. Mandei para o meu filho mais velho porque ele me apresentou um argumento que me impressiona, o único que me impressiona, e o Fernando Pessoa retoma-o. O meu filho chegou a ele por si.
Que é qual?
Nós estamos falando aqui sobre isso, não é? Então há consciência no universo. Não tenho dúvidas sobre isso, porque eu sou uma consciência, e penso: no universo, se deus existe, sobre estarmos aqui. Então, se há consciência no universo, e há, esse é um dos elementos de que o universo se compõe, ou seja há consciência na origem. Esse é o argumento do meu filho, e o Fernando Pessoa, entre outros, apresenta esse.
No livro "Verdade Tropical", o momento mais criticado foi eu dizer que o Brasil deveria ser ateu. E criticado com razão. Não há o menor indício de que o Brasil tenha vocação para isso.
Mas o ateísmo filosófico moderno, que tem a ver com a experiência do mundo moderno que vimos vivendo, não pode ser simplesmente negado. Eu não acredito na nova religiosidade, e acho que isso é um problema imenso, que tem de ser transposto. O Brasil tem tarefas imensas, e uma virada grande tem de incluir isso [o ateísmo]. Agora, não quer dizer que eu esteja satisfeito com o ateísmo conquistado até aqui. Eu acho que não é satisfatório.
Não é um ponto final?
Não. Para mim, não é.


por Alexandra Lucas Coelho via Ípsilon

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