Programas dos candidatos volta a interessar a imprensa portuguesa pelas Presidenciais do Brasil
Com a entrega dos programas eleitorais dos candidatos, as eleições presidenciais no Brasil voltam a interessar à imprensa portuguesa e a merecer notícia. Hoje, O Público traz um artigo a propósito e, na edição online, concede-lhe destaque no topo do site titulando precisamente: «Campanha começa a ganhar fôlego».
Três reparos que me saltam à vista quando olho para o modo como o tema é abordado:
- Só o nome de Serra é puxado para o título principal.
- Dilma também é mencionada nos destaques, mas em subtítulo e pela negativa. Mais: volta a ser mencionada como «a candidata do presidente Lula», como se não tivesse espessura própria ou precisasse de legenda para que em Portugal se saiba quem ela é.
- Os únicos candidatos e programas eleitorais a que se faz referência são os de Serra e Dilma.
Não sei se a chamada "alternância democrática" em que Portugal vive há décadas, com os dois partidos do bloco central – PS e PSD – a rodarem à vez pela cadeira do poder, independentemente da existência de outras forças políticas, contaminou o olhar dos media e dos jornalistas, mas tudo aponta que sim. Quem ler o artigo de O Público quase se convence de duas coisas: primeiro, que a disputa presidencial no Brasil se joga em torno de apenas dois candidatos; segundo, que a única diferença é que "um é do presidente" e o outro não.
Ora, pese embora o argumento (aliás, por demais discutível) de que a atenção jornalística e o espaço de notícia a conceder deve decidir-se na exacta proporção à fatia do queijo que cada candidato apresenta nas sondagens de intenção de voto conhecidas, nada justifica que a informação seja omissa e muito menos equívoca. Ao não fazer qualquer menção aos restantes candidatos que estão na corrida, o artigo ignora (no mínimo!) um aspecto que se reveste da maior importância política e, como tal, jornalistica. O desconhecimento que revela – e a que, por consequência, induz – especialmente em relação à candidata Marina Silva prejudica o correcto enquadramento da corrida eleitoral tal e qual esta se joga actualmente no Brasil.
A omissão faz tábua rasa da relevância desta terceira candidatura até mesmo na disputa entre petistas e tucanos. O avanço de Marina teve implicações nas estruturas partidárias do PV e do PT, fracturando uma parte considerável do eleitorado do PT que de outra forma se manteria potencialmente com Dilma e que em muito repercute nos percentuais quase indiferenciados que as sondagens revelam. Mais: obrigou a uma reorganização dos apoios e alianças partidárias – 'detalhe' capital, tendo em conta o funcionamento eleitoral de uma federação organizada em Estados, como é a do Brasil. Com as candidaturas de Serra e Dilma praticamente coladas ao longo da pré-campanha, a candidatura de Marina Silva adquire um significado político no xadrez eleitoral que pode ser crucial na 1ª volta e determinante no caso de uma 2ª. Em especial se tivermos em conta todo o cenário de possibilidades, urgências e incompatibilidades que a retirada de Ciro Gomes abriu no tabuleiro dos votos.
Por fim, e sendo o foco da notícia divulgada a oficialização e entrega dos programas dos candidatos, apagar Marina e o seu programa eleitoral do texto resulta numa informação mais coxa ainda. É que os eixos temáticos que a sua candidatura veio privilegiar não só vieram obrigar os restantes adversários a incluí-los nos respectivos programas de governo, como a ter que forçosamente lhes conferir uma importância que, de outro modo, dificilmente teriam nos seus discursos. As questões da educação, da sustentabilidade e do meio ambiente constituem, aliás, exemplos óbvios do tipo de conteúdos programáticos que, por esta via, saltaram para a ribalta da campanha e do debate que lhe anda associado.
Acontece, porém que o simples picar avulso das agências noticiosas não permite a compreensão mais ampla que deveria ser pressuposto adquirido na redacção de qualquer artigo. Para isso seria necessário um acompanhamento atento e constante da cena política brasileira em que candidatos, candidaturas e programas se inserem e devem ser apreendidos. Não sendo o que sucede, não espanta pois que a informação surja nas páginas do jornal da forma magra e manca que se lê.
Eis o que se escreveu, por cá:
Entrega de programas eleitorais dá vantagem a José Serra
foto: Bruno Domingos
Os candidatos às presidenciais no Brasil foram obrigados este ano, pela primeira vez, a apresentar um programa de Governo à Justiça Eleitoral. O que poderia ter sido um pro forma acabou por se transformar num momento embaraçoso para Dilma Rousseff, que foi obrigada a admitir que não tinha lido o documento entregue.
Já José Serra parece ter-se saído bem da obrigação também de "afinar" o programa que entregou, que basicamente era uma mistura de dois discursos seus, com o pedido de sugestões pela Internet.
Dilma Rousseff, a candidata do Partido dos Trabalhadores de Lula da Silva, viu-se encurralada por ter entregue um programa com propostas da ala mais esquerdista do PT -controlo dos media, impostos sobre grandes fortunas, mudanças na lei de propriedade dos terrenos agrícolas. Sem grande saída, acabou por ter uma defesa fraca: "Rubriquei, não assinei", disse a candidata.
A questão poderia ter sido reduzi- da a uma anedota, mas há quem veja nela um potencial problema: as propostas polémicas vêm de sectores do PT "que foram afastados durante o Governo Lula", sublinha João Augusto de Castro Neves, da empresa de consultoria CAC consultores. "Lula conseguiu sempre conter estes projectos polémicos. Mas estas pessoas vão continuar a tentar impor as suas ideias. Terá Dilma a capacidade de lidar com estas diferentes visões e divergências do PT?", questiona.
O candidato da oposição José Serra também teve de apresentar alterações ao seu programa, mas parece ter conseguido tornar uma desvantagem numa vantagem, com a iniciativa Proposta Serra, um programa de Governo participativo (www.propostaserra.com.br), em que as sugestões serão usadas não na alteração - a campanha de Serra recusa que haja mudanças -, mas sim no aperfeiçoamento do programa.
"Em plena era da comunicação glo- bal, não faz sentido apresentar ao Supremo Tribunal Eleitoral um documento fechado. Temos de aproveitar a interactividade que a Internet nos oferece", disse o Partido da Social Democracia Brasileira.
No site, vão sendo divulgados todos os dias mais alguns temas sobre os quais a equipa está a trabalhar - serão um total de 40.
Em geral, os programas passaram sempre muito despercebidos nas campanhas brasileiras, comenta Castro Neves. A mudança ter-se-á dado porque nestas eleições os dois principais candidatos são relativamente parecidos um com o outro e não muito carismáticos, opina o analista político.
"Antes discutia-se muito as personalidades: na eleição de Lula contra Fernando Henrique votou-se na pessoa. Agora há dois candidatos que não suscitam muita emoção, e assim o debate passou da personalização para os programas", comenta o analista.
"Os programas têm muitas ideias gerais - mais educação, saúde, ensino público... Não é habitual anunciarem-se propostas muito detalhadas. Quanto mais detalhadas forem, mais lhes vão exigir que cumpram. Se for mais abstracto, é mais fácil argumentar que se cumpriu com uma ou outra medida", explica Castro Neves.
De qualquer modo, mesmo que tenha conseguido sair por cima na batalha dos programas, é José Serra quem enfrenta um cenário geral desfavorável. Em igualdade nas sondagens com uma quase desconhecida apoiada por um Presidente com uma popularidade recorde, terá de trabalhar para ganhar votos do eleitorado.
"Dilmaboy"
No YouTube já apareceu um vídeo com uma versão mais curta e menos elaborada do que alguns analistas dizem: "A favorita é do PT. Ela não é o cara, mas é amiga do homem. Você não é o cara, nem amigo do homem", diz um rapaz, o "Dilmaboy", com um lenço que parece um keffieh palestiniano, ao som de uma batida forte (desde a pioneira Obama girl que há vídeos mais ou menos espontâneos de apoio a candidatos a várias eleições em diversos países).
Serra poderá ter de fazer algo semelhante a uma acção de Lula em 2002, antevê Castro Neves: "Um dos grandes passos para a candidatura viável de Lula foi quando ele escreveu uma "carta aos brasileiros" comprometendo-se a não mudar a política económica. O que o José Serra terá de fazer agora será algo semelhante: prometer que não vai mudar os programas do Lula que tiveram sucesso, os programas sociais".
Serra deverá concordar com grandes premissas, "mas presta muita atenção em temas mais criticados, mais pontuais: a saúde pública, a corrupção..."A estratégia de Dilma é outra: quanto menos falar, melhor, diz Castro Neves. "Para estar associada ao Lula não pode ter muita personalidade própria", explica o analista político. "Quando tem aparecido mais solta a falar não tem sido muito bem-sucedida", adiantou.
No entanto, não é um caminho fácil este de Dilma Rousseff, alerta Castro Neves: "O problema da colagem excessiva a Lula é que dá munição política à oposição para criticar Dilma, dizendo que ela não tem capacidade para voar sozinha."
via O Público
Cf. também:
- Lula da Silva e Dilma Rousseff fazem o primeiro comício em conjunto
- Brasil: Dilma Rousseff pela primeira vez à frente de José Serra
- Na política, como no futebol, prognósticos só depois de o Brasil votar
