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Alerta geral: Aneel estuda a construção de mais sete usinas hidrelétricas na Amazônia

Vista aérea da região de campo cerrado que irá sofrer impactos ambientais com a construção de usinas hidrelétricas. foto de Ana Rafaela D'amico
Não obstante os reparos da comunidade científica e ambiental quanto à urgência de uma política energética que enquadre o recurso às renováveis e permita diversificar as fontes energéticas, Dilma insiste em abusar de mono-modelos ultrapassados, considerando os recursos hídricos num quadro de retrocesso muito diferente daquele que o Brasil vinha trilhando nas últimas décadas. A obsessão pelas hidrelétricas ficou clara, aliás, durante a sua intervenção no Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, não augurando nada de bom.
A confirmar a suspeita vem agora a revelação de que o Governo Federal se prepara para a construir nada mais, nada menos do que de sete novas usinas na Amazônia, mais concretamente na bacia do rio Aripuanã, afluente do rio Madeira, abrangendo uma área de impacto que se estende pelos Estados do Amazonas, Mato Grosso e Rondônia.
Este Complexo de Hidrelétricas no Amazonas vai atravessar Unidades de Conservação, afectar terras indígenas, obrigar à retirada de centenas de famílias e alagar uma vasta área da região amazônica, com claro prejuízo para as comunidades e o ecossistema. A alteração do curso dos rios não só impedirá a sua navegabilidade, com consequências profundas no escoamento da produção local, como colocará em causa actividades essenciais de suporte económico à região, nomeadamente ao nível da pesca e do aproveitamento turístico. Cumpre recordar que estamos a falar de uma das zonas até aqui mais preservadas da Amazônia, uma verdadeira jóia nos limites do chamado Arco do Desmatamento, que faz fronteira com Mato Grosso e Rondônia (onde aliás se situam alguns dos municípios-campeões no derrube da floresta em pé), já para não dizer que constitui uma zona de contacto Cerrado-Floresta Amazônica que é única em todo o Estado do Amazonas.
A avançar, o projecto arrisca perdas incalculáveis na biodiversidade e no património arqueológico existente, para além de afogar uma extensa área de reconhecido potencial mineral. Numa primeira avaliação sabe-se já que, pelo menos, 112 mil pessoas sofrerão o impacto do projecto. Nota paradoxal: sem nenhuma espécie de benefício, uma vez que a energia que vier a ser produzida nem sequer será canalizada para alimentar o Norte do Brasil.
Acrescem a este horizonte dantesco, todos os cenários negativos amplamente conhecidos que chegarão com a obra e de que não faltam, infelizmente, exemplos pelo país: de Jirau a Belo Monte, sem esquecer os graves acontecimentos que eclodem em Teles Pires.
Há um ano que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) está na posse do estudo, que agora está prestes a ser aprovado e que constitui a primeira fase da implantação do projecto. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) apresentou-o na semana passada, em Manaus, mas por todo o lado chovem as críticas do costume: ausência de um debate amplo, que permita ouvir um conjunto alargado de entidades e, sobretudo, a sociedade civil, por forma a que a decisão tenha em conta não apenas pareceres unilaterais e estritamente técnicos, vazios das inalienáveis componentes ambiental e socioeconómica.
Região de campo e cerrado do Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (PNCA). foto de Adriano Gambarini
Cachoeira de Sumaúma, no Rio Aripuanã, a cerca de 8 horas de voadeira da Transamazônica. foto de Izac Theobald
A corredeira do inferninho no Rio Roosevelt possui uma área excelente para a pesca esportiva é também corre perigo com a construção de hidrelétricas. foto de Ana Rafaela D'amic
O desmatamento ameaça a sobrevivência de inúmeras espécies, como os macacos guariba e as antas. Outro dos principais impactos das hidrelétricas decorre da decomposição de vegetação terrestre inundada. A extinção de borboleta, importantes agentes polinizadores, trará graves prejuízos para a flora e fauna da região. fotos de Zig Koch, Ana Rafaela D'amico, acervos da ICMBio e da SDS
Comunidade Bela Vista do Rio Guariba, região que ainda preserva uma área de floresta ainda intacta, do Rio Aripuanã ao Apuí. foto de Ana Rafaela D'amico

A reportagem, para ler na íntegra clicando no link em baixo.
Ameaça na Floresta

A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) apresentou na semana passada em Manaus o inventário que propõe a construção de sete usinas hidrelétricas na bacia do rio Aripuanã, afluente do rio Madeira, nos Estados do Amazonas, Mato Grosso e uma área menor de Rondônia, representando uma potência total de 2.790 MWh. No Amazonas, estão previstas as construções de quatro usinas: Prainha, Sumaúma, Cachoeira Galinha e Inferninho, na região dos municípios de Apuí e Novo Aripuanã, sudeste do Estado, distantes 453 e 227 quilómetros de Manaus, respectivamente. A bacia é considerada umas áreas mais preservadas da Amazônia.
Os estudos, que estão sendo analisados pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) há quase um ano e prestes a serem aprovados, estimam impactos negativos significativos em oito unidades de conservação federal e estadual onde se regista uma grande diversidade de espécies animais e vegetais e em pelo menos cinco terras indígenas (no Amazonas, a TI atingida deverá ser a Tenharim do Igarapé Preto). Aproximadamente 112 mil pessoas deverão ser atingidas. No Amazonas, só num dos quatro projetos de usinas (Prainha), o universo estimado é de 640 famílias, que terão que ser deslocadas das suas áreas para dar lugar ao projecto. Há também registos de um significativo número de sítios arqueológicos e áreas de forte potencial mineral que serão atingidos pelas obras.

Navegação

Está igualmente prevista a inundação média de 400 quilómetros quadrados em cada área de barragem construída, segundo apurou a analista ambiental do Centro Estadual de Unidades de Conservação (Ceuc), Geise Canalez, que participou da reunião.
Um dos impactos mais preocupantes tem a ver com a restrição à navegação do rio Aripuanã, tributário do rio Madeira. Geise Canalez diz que o projecto de hidrelétrica vai impactar diretamente cerca de 200 quilômetros de rios navegáveis no Amazonas, o que significa comprometer a economia do Amazonas e o escoamento da produção daquela região.
O complexo prevê quatro usinas no rio Aripuanã e três no rio Roosevelt,  que nasce no Mato Grosso, próximo da divisa com Rondônia, e deságua no rio Aripuanã (AM). Todas elas irão integrar o Sistema Interligado Nacional (SIN), formado por empresas das regiões Sul, Sudeste, Centro-Oeste, Nordeste e parte da região Norte.
Curiosamente, os municípios do Amazonas cujos territórios vão sediar quatro das sete usinas não serão atendidos pela energia gerada. Apuí e Novo Aripuanã compõem sistemas isolados, à base de termelétricas a diesel. O Amazonas também não deverá receber cobertura. Manaus será conectada ao SIN quando os 1.800 do Linhão do Tucuruí, cuja usina fica no Pará, for concluído, o que provavelmente só acontecerá em 2013.

Unidades

Algumas das áreas protegidas a serem impactadas constituem o chamado Mosaico de Apuí e o Parque Nacional dos Campos Amazônicos, conjunto contínuo de unidades de conservação (UC) que integram o Mosaico da Amazônia Meridional. O Parque Nacional Campos Amazônicos (unidade federal), por exemplo, será atravessado por obras tanto da usina de Prainha, como das de Cachoeira Galinha, prevendo-se que acbae sendo a UC mais afectada.
Aline Roberta Polli, analista do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e coordenadora do Parna Campos Amazônicos, explica que em termos ecológicos a bacia situa-se na região de transição entre os biomas Cerrado e Amazônico, em área fronteira à intensa pressão antrópica (acção humana), coincidente com o denominado Arco do Desmatamento.
“Apesar dos índices crescentes de desflorestamento, a região apresenta importantes remanescentes florestais, representados por tipologias variadas, resultando em uma das mais importantes áreas preservadas da Amazônia Legal nos estados de Mato Grosso e Rondônia”, disse Aline.

“Casa Suja”

Embora tenham sido apresentados oficialmente há alguns dias, os estudos de inventário, já estão em análise pela Aneel desde Junho de 2011. Na última sexta-feira, dia 13, a assessoria de imprensa da Aneel confirmou que o estudo “será aprovado em breve” ou "nas próximas semanas".
A apresentação do inventário provocou desconforto nos participantes do seminário. Entre os vários questionamentos feitos estão a falta de consulta aos órgãos estaduais e federais que já actuam na bacia do rio Aripuanã, o uso de dados estatísticos desfasados, a aplicação de modelos inadequados para a especificidade do ecossistema do Amazonas e o desinteresse em divulgar o seminário a um maior número de participantes.
“A região é muito rica em biodiversidade, que está em estudo. No Mosaico do Apuí, por exemplo, mais de cinco possíveis novas espécies de peixes foram encontradas em 2008, além de espécies de primatas, aves e o próprio ambiente de contacto Cerrado-Floresta Amazônica que é único no Estado”, explica a analista Aline Roberta Polli.
Geise Canalez  acrescenta um outro argumento: a base de avaliação do estudo realizado é inadequada para a realidade do Amazonas, não trará benefícios e deixará apenas “a casa suja”. Segundo ela, o único “ponto positivo” apresentado pela EPE nem sequer chega a ser positivo, pois o que foi apresentado – repasse financeiro aos municípios atingidos pelas obras – é, na realidade, compensação ambiental pelos impactos gerados, previstos na lei, não podendo por isso ser considerado como benefícios.
“A gente se assusta devido aos exemplos ruins dos outros projectos na região que não estão dando certo. E eles não estão trazendo benefícios para a região. Fazem menção a uma linha integrada de distribuição de energia eléctrica que não atende a região Norte, pelas suas dimensões; que deve demorar mais 20 anos e não há garantia de que vai atingir o Estado inteiro”, diz.

População

Geise defendeu para o Amazonas a elaboração de uma estratégia de menor impacto, com construção de empreendimentos em áreas menores e matriz energética apropriada.
Gabriel Carrero, do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável do Amazonas (Idesam) e consultor do Mosaico do Apuí, destacou que as usinas vão causar “um grande impacto na região e que, ainda assim, a energia gerada não será usada na região”. Ele criticou a falta de “um maior contacto” entre os autores do inventário e a sociedade, além de articulações e participações de órgãos ambientais, sobretudo com o Conselho Estadual de Meio Ambiente.
“Em termos de impacto ambiental, somente para Apuí e Novo Aripuanã, está previsto um contingente de 20 mil pessoas. Mas depois que terminam as obras, estas pessoas tendem a ficar na região. O impacto do uso da terra é esperado que aumente o desmatamento”, disse.

Alternativas

O sub-coordenador do Centro Estadual de Mudanças Climáticas (Ceclima), vinculado à Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SDS), Anderson Bittencourt, especialista em energia e fontes renováveis, considera importante os estudos de inventário para conhecer o potencial energético da região, mas se disse contra o modelo de hidrelétricas que afectam a população local.
“Além de não estarem incluídas nos projectos de desenvolvimento, permanecem sem o principal resultado esperado da obra, o suprimento eléctrico. Isso mostra que o planeamento da matriz energética deveria ser mais diversificado, distribuindo melhor os impactos e as oportunidades socioeconómicas que existem, tais como, o aproveitamento de outras opções de geração de energia, como turbinas hidráulicas e energia de biomassa e solar, ao invés de sempre optar por grandes obras hidrelétricas, que não é uma alternativa ambiental viável a longo prazo”, comentou.
Ele defendeu a ampliação das discussões das usinas hidrelétricas na Amazônia para que as ideias que no passado justificavam essas obras, hoje possam passar pelo conhecimento da sociedade local, e não apenas pelo de especialistas que mostram apenas o seu ponto de vista técnico.
Bittencourt ressaltou ainda que o modelo de geração de energia explorado na bacia do rio Aripua não atende às necessidades dos municípios de comunidades do sul do Amazonas. Segundo ele, para isto ocorrer, será necessário um modelo híbrido de pequena escala, como é o caso da energia solar, energia da biomassa ou energia hidrocinética.
Anderson Bittencourt criticou o modelo de desenvolvimento do governo federal “a qualquer custo” e defendeu que essa óptica precisa de ser alterada. Destacando que, no Brasil, 30% da energia gerada é gasta por empresas que consomem muito (fábricas de aço e de alumínio, principalmente), lembrou que todas as empresas presentes na Amazônia, e que usam a energia de Tucuruí, são precisamente produtoras de alumínio com vista à exportação. “Fala-se em desenvolvimento económico, mas a fabricação industrial é direccionada para essa produção e para a exportação”, observou.

SIN

Segundo Anderson Bittencourt, o sistema brasileiro é dividido em quatro grandes subsistemas, além de diversos sistemas isolados - Subsistema Sudeste/Centro-Oeste, Subsistema Sul, Subsistema Nordeste, Subsistema Norte e Sistemas Isolados da Amazônia.
A partir de 2014, a cidade de Manaus, será conectada ao SIN. Serão 1.800 quilómetros de extensão pelo meio da Amazônia, ligando a Usina Hidrelétrica de Tucuruí, no Pará, a Manaus, no Amazonas, sustentados por dezenas de torres de cerca de 300 metros.
Apenas 3,4% da capacidade de produção de electricidade do país se encontra fora do SIN, assente em pequenos sistemas isolados, localizados principalmente na região amazônica.
A Bacia do rio Aripuanã é considerada no Plano Nacional de Energia (PNE) 2030, enquanto potencial de geração a  ser  aproveitado  no  horizonte  de  2015. No PNE 2030 refere-se, a esse propósito, que o atendimento à demanda de consumo tem 2026 como horizonte e que, para tal, o potencial hidrelétrico dessa bacia deverá ser totalmente aproveitado.

EPE

A reunião ocorrida em Manaus, segundo a assessoria de imprensa da EPE, consistiu na Avaliação Ambiental Integrada da Bacia do Rio Aripuanã. Esta considera o conjunto de aproveitamentos hidrelétricos que compõem a alternativa de divisão de quedas seleccionada nos Estudos de Inventário.
A assessoria disse que o inventário hidrelétrico tem como finalidade exclusiva avaliar o potencial hidroenergético de uma bacia hidrográfica por meio de identificação e selecção de um conjunto de aproveitamentos (usinas hidrelétricas) que apresentem melhor atractividade sob o ponto de vista energético, económico e socioambiental.
Os estudos constituem a primeira etapa do ciclo de implantação de uma usina. As etapas seguintes são estudos de viabilidade do aproveitamento, incluindo Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) e obtenção de Licença Ambiental Prévia (LP), leilão de energia, Projecto Básico e o Projecto Executivo para implantação do empreendimento.
De acordo com a assessoria, para a reunião em Manaus, foram convidados vários órgãos, como Secretarias Estaduais de Meio Ambiente, IBAMA, Agência Nacional de Água (ANA), Fundação Nacional do Índio (Funai), ICMBio, Ministério Público Federal (MPF), Ministério dos Transportes/ANTAQ e Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).

Funai

Procurada para se manifestar sobre os impactos em terras indígenas, a Funai respondeu, por meio de sua assessoria de imprensa, que tomou conhecimento do inventário e está analisando. Segundo a Funai, mesmo que o estudo aponte potencial em terras indígenas, dentro delas não pode haver exploração enquanto o artigo 231 da Constituição não for regulamentado. “Quando um empreendimento é efectivado e pode afectar terras indígenas, a Funai se manifesta sobre a influência que pode haver para os povos indígenas. Antes disso não temos como nos manifestar”, disse o órgão.

publicado no jornal A Crítica

Posted by por AMC on 11:28. Filed under , . You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Feel free to leave a response

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