Moody's: a direita indigna-se, a esquerda diz "bem-vindos a bordo"
por Bruno Faria Lopes
Enquanto gestores, economistas liberais, o governo e o Presidente da República dominam a indignação contra o corte da notação de Portugal pela Moody''s, à esquerda, normalmente mais audível, a reacção tem sido outra - um quase silêncio feito de satisfação intelectual.
"Sejam bem-vindos a bordo", ironiza o economista José Reis, co-autor de uma petição contra a relevância das agências de rating, entregue em Abril na Procuradoria-Geral da República. "Há um conjunto de assuntos em que a realidade está a obrigar algumas ideias [dos defensores do mercado] a fazerem outro caminho - o caso das agências de rating é apenas um deles", junta.
Na batalha das ideias sobre a saída para esta crise, a semana que agora acaba marca um ponto de viragem em Portugal. Depois do corte da notação financeira da República para o nível "lixo", a onda de reacções invulgarmente violentas contra a Moody''s foi liderada pelo discurso de especialistas e políticos à direita.
Ontem, o Presidente da República apontou que "este caso, um pouco escandaloso, foi como um detonador que despertou os líderes europeus para enfrentarem aquilo que têm vindo a fazer as agências". Em Julho de 2010, há exactamente um ano, Cavaco Silva tinha uma posição diferente: "Não vale a pena recriminar as agências de rating. O que nós devemos fazer é o nosso trabalho para depender cada vez menos das necessidades de financiamento externo". Outros políticos e especialistas que seguiam idêntica linha há um ano mostraram uma dureza fora do normal com a Moody''s: Durão Barroso falou de "especulação", Passos Coelhos de "um murro no estômago" e o gestor António Mexia avisou que "é urgente a Europa criar uma agência de rating própria". O fenómeno começa a ser notado pelos politólogos.
"Esta mudança no discurso político, mediante a qual o que era afirmado há pouco tempo pela esquerda mais radical, passou agora a senso comum da direita estabelecida, é um fenómeno interessante, tanto mais que se estende a outras dimensões para além da crítica às agências de ''rating''", escreveu ontem João Cardoso Rosas, professor de ciência política na Universidade Católica, numa coluna no ''Diário Económico''. "
O debate sobre a credibilidade e a relevância das três principais agências de rating - Moody''s, Fitch e Standard&Poor''s - é apenas um dos temas em que o campo liberal se tem aproximado do diagnóstico feito pelos especialistas à esquerda. A reestruturação da dívida, tema inicialmente debatido apenas pela esquerda mais radical, já é também referido por pessoas insuspeitas como o fiscalista Medina Carreira (embora sob pressupostos diferentes) ou o jurista António Vitorino. Outras áreas-chave - como a opção entre austeridade pura e dura e uma política de investimento selectivo - continuam a dividir (ver em cima). "No final será a realidade a ditar para que lado irão as ideias", aponta o economista Jorge Bateira, que escreve no blogue de economistas de esquerda "Ladrões de Bicicletas".
surpresa não foi para todos O corte da Moody''s surpreendeu boa parte do país - incluindo todo o governo - mas houve quem estivesse à espera. "Era de antecipar este corte tomando em linha de conta o que tem vindo a acontecer na Grécia e também na Irlanda. Infelizmente não acaba aqui", vaticina Luís Fazenda, líder parlamentar do Bloco de Esquerda. Num breve instante, as posições de campos tão antagónicos como a esquerda radical portuguesa e uma agência de rating norte-americana chegam a cruzar-se. "Partilho do ponto de vista expresso indirectamente pela Moody''s de que a política europeia de resgates está a empurrar os países para a falência", diz José Reis. "Mas foram essas agências que pediram em primeiro lugar esta política", sublinha.
Na Europa, de resto, o debate sobre a eficácia da resposta europeia - que pressupõe que a austeridade por si só levará a uma recuperação da confiança para que estes países reentrem nos mercados - tem ido muito além do perímetro da esquerda como a entendemos em Portugal.
Jornais insuspeitos como o "The Economist" ou o "Financial Times" têm sido críticos e avançado propostas alternativas, que envolvem ideias avançadas pela esquerda, como a mutualização da dívida ou os Eurobonds.
Em Portugal certo é que, como aponta Cardoso Rosas, o campo intelectual na economia è esquerda tem marcado pontos. "Temos de admitir que a esquerda foi mais lúcida na antecipação das nossas dificuldades", aponta.
O que nos leva a outro ponto: se a esquerda fala agora de saída do euro (por João Ferreira do Amaral) e de reestruturação da dívida, "será que daqui por uns tempos vamos ouvir os economistas de direita reconhecer que isso é inevitável?", pergunta o politólogo o politólogo