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"Blablablá"

por Mário Cláudio *

A caterva de comentadores de variada espécie que assola o país, e que à falta de acção eficaz resolve os problemas na base do monólogo, constitui modalidade de praga de que se terá esquecido Moisés para zurzir o Egito dos faraós. Sobra lugar para todos nas colunas de papel, imagem e som, fleumáticos e delirantes, ingénuos e irónicos, normais e homófobos, discretos e chocarreiros, encartados de barra assente, e transitórios que apenas publicaram um livro. Tamanha enxurrada de queixas e opiniões, de palpites e projetos, de acusações e desculpas, ameaça verter sobre o corpo da Grei, dia a dia amortalhado pelo anúncio de mais um número nefasto, um enredo de razões que torna impossível a descoberta da razão legítima.

Pátria afeta a exprimir pelo barulho toda a gama de sentimentos, quer se trate de celebrar com foguetes a alegria comunitária, quer de assarapantar com eles os espíritos malignos, não há volta a dar ao chinfrim que rebenta os tímpanos de Portugal. E assim como dificilmente se encontram restaurantes sem televisor, exceto se forem caros, amaneirados ou pedantes, também se não acha jornal, nem canal televisivo, nem estação radiofónica, sem que nos saltem ao caminho infindáveis tagarelices que esgrimem argumentos especiosos, geralmente contra tudo, apoiados em alicerces mais ou menos objetivos, e de quando em quando na sub-reptícia vingança, ou na ânsia escondida de levar a água ao moinho. Sempre que tal não acontece, exibem-se conceitos e números que escapam ao comum dos mortais, procedentes da Ciência Económica, ou da Teoria Política, para que durma assim a massa dos cidadãos ao relento do seu analfabetismo, ou da sua boçalidade.

Mea culpa, mea culpa, mea maxima culpa!

Recordo-me daquele amigo que se reformara, e que diluía o quotidiano na tortura de um gineceu de mulher e três filhas, palrantes e castradoras. Às vezes, não aguentando mais, refugiava-se o pobre no quartinho exíguo, e punha-se a ouvir em altos gritos a voz da Callas na "Semper Libera", da Traviata. Barafustavam as de casa do outro lado da parede, mas ele, de orelhas moucas a quanto não fosse a ária, substituía-se a Carlo Maria Giulini na direcção da Orquestra e Coro do Alla Scala. Deus lhe fale na alma!

* escritor

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