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Manifestação em Espanha: 'el grito mudo' dos milhares que não arredam das praças

Apesar do dia de reflexão que as eleições regionais de amanhã impõem as concentrações populares mantêm-se nas principais cidades de Espanha.


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Os protestos deveriam ter terminado à meia-noite de ontem, hora a partir da qual passaram a ser proibidos por lei. A grande dúvida era saber se o Governo, através das autoridades policiais, iria forçar a desmobilização dos assentamentos.


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Resolveu que não. Dando cumprimento à promessa de manter a manifestação pacífica, mas firmes na intenção de não abandonar o protesto contra o desemprego crescente, a degradação das condições de vida e as pesadas medidas de austeridade social, os milhares de pessoas ao relento que não arredam pé da Puerta del Sol levantaram as mãos no ar e pediram silêncio. Chamaram-lhe 'el grito mudo' da Puerta de Sol.
São mais de 60 mil pessoas apostadas em demonstrar que a indignação que sentem convive bem com o respeito, a responsabilidade e os princípios cívicos essenciais a qualquer democracia. Sabem que pelos ditames da Junta Eleitoral Central o seu protesto passou à ilegalidade após a meia-noite e que, tal como a sua teima em não abandonar as praças, assim permanecerá até domingo. Porquê? Porque se abre um tempo legalmente consagrado à reflexão e ao voto.
Por opção colectiva
O que é aqui muito interessante observar é a forma, não só cordata como inteligente, como colectivamente esta multidão escolheu lidar com uma situação extremamente delicada. Espanha é um Estado de Direito. Existem leis e a Lei Eleitoral é uma delas. A opção fácil seria a de desafiar esse princípio, a de pretender que, perante o incumprimento dos direitos sociais basilares - como a alimentação, habitação e o emprego, por exemplo - de qualquer cidadão espanhol por parte do Estado, ele passaria a carecer de legitimidade para impor o cumprimento de qualquer outra. Seria, aliás, não só a opção mais fácil como a mais perigosa: desobedecer à Lei por não lhe reconhecer validade enquanto tal.
Ora, aquilo que estas mais de 60 mil pessoas demonstram, neste exacto momento em Espanha e a céu aberto, é que a crise pode ter-lhes roubado tudo, mas ainda não conseguiu que empenhassem a inteligência.
Por muito que a resposta mais repetida aos jornalistas, a cada vez que se lhes pergunta o que os leva a estar ali, seja o facto de «já não ter nem haver nada a perder», a verdade é que estes espanhóis sabem que lhes resta ainda uma que não estão dispostos a ver estripada por ninguém: a sua inteligência. E, por maior o desespero  que os fez sair de casa e gritar alto contra a ausência de vida possível que tomou conta dos seus dias, se há uma última coisa que não estão dispostos é a empenhá-la.

Às doze badaladas, as gentes que continuaram nas praças ergueram os braços no ar e pediram silêncio. A maioria colocou ao peito um papel que tinha escrito "reflexionando" (reflectindo) e muito colaram tiras adesivas nos lábios. Ao mesmo tempo, por indicação dos organizadores do protesto, as várias hashtag por onde o protesto vai fluindo no Twitter - 'acampadasol', 'tomalaplaza' ou 'nosnosmoveremos', por exemplo - começaram a canalizar-se para uma outra, entretanto colocada a circular: 'estoesreflexion'.

Há quem veja neste gesto um simbolismo de forte impacto mediático. É um facto que o tem, que ele é fortíssimo e, por isso mesmo, de enorme eficácia, especialmente quando os principais meios de comunicação internacionais estão de olhos postos no que se passa em Espanha. Há quem prefira sublinhar a extraordinária capacidade de organização que traduz e daí deduza explicação pertinente, quer para a facilidade de propagação do protesto nas redes sociais, quer para a força de mobilização que revela. É inegável que assim tem sido e tem sabido continuar a ser.
A mim interessa-me o que resulta do nexo que se forma entre estes dois sublinhados e onde outros tantos se vêm também entrançar. E o que resulta, repito, é o recurso à acção inteligência ou, dito de outro modo, o bom uso da inteligência.
Quem percorre as praças e ruas das mais de 60 cidades espanholas onde estes milhares de pessoas acamparam em protesto, percebe rapidamente que todas elas - e não somente os organizadores - têm perfeita noção do limbo frágil a que, por força do calendário eleitoral, seriam conduzidas se decidissem estendê-lo até à hora das urnas ter início. Ou acatavam a Lei e, então, a força do seu protesto sairia enfraquecida por ter prazo de validade marcado. Ou reafirmariam a sua posição, sendo que nesse caso passariam sempre a correr um risco novo: o de incorrer inevitavelmente na ilegalidade. Pesados os prós e os contras, escolheram a última hipótese. Com a sua escolha, o dilema deslocou-se para o lado do Governo: fazer cumprir  Lei Eleitoral e admitir a possibilidade de recorrer à força, caso os manifestantes resistissem e não quisessem sair das ruas; ou fechar os olhos, ignorar a Lei, e fragilizar ainda mais a sua posição assumindo publicamente a incapacidade de a fazer cumprir e controlar os manifestantes.

Para VER AQUI e AQUI.

Posted by por AMC on 05:20. Filed under , , , . You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Feel free to leave a response

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