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Reportagem: Há cada vez mais imigrantes a desistir de Portugal

por Paula Torres de Carvalho

O gaúcho Tércio Canoa, que há três anos mora na cidade de Samora Correia, nos arredores de Lisboa

Nos últimos três anos, quadriplicaram os pedidos de imigrantes residentes em Portugal para regressar aos seus países de origem, referem dados do Centro Nacional de Apoio ao Imigrante (CNAI) de Lisboa. Em primeiro lugar, estão os brasileiros seguidos, a grande distância, de cidadãos dos países africanos de língua oficial portuguesa (PALOP’s).
O desemprego e a dificuldade em obter vínculos sociais estáveis, estão entre os principais motivos que levam os imigrantes a desistir de Portugal, explica a responsável do Gabinete de Apoio Social do CNAI, Lígia Almeida.
O regresso é preparado no âmbito do Programa de Retorno Voluntário, estabelecido no âmbito da cooperação entre o Governo Português e a Organização Internacional para as Migrações (OIM) Missão em Portugal. É dirigido aos estrangeiros que não pertençam a nenhum país da União Europeia, que se encontrem em situação irregular e que tenham sido notificados pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) para abandonar voluntariamente o território. Aplica-se também a outros casos de dificuldades de integração e de estabilidade social. O objectivo do programa consiste em organizar, de forma digna e humana, o retorno voluntário de cidadãos estrangeiros aos seus países de origem ou a Estados terceiros de acolhimento disponíveis para os receber.
Desde 1997 até agora, este Programa de Retorno Voluntário já apoiou cerca de 1.700 pessoas, que regressaram a 40 diferentes países de origem.
Segundo os dados fornecidos, o número de pedidos de regresso aumentou de 64, em 2008, para 190, em 2009, mais de 70 por cento. Até Outubro do ano passado, já tinham sido apresentados 210 pedidos de regresso de imigrantes, o que se traduz num aumento de quase 300 por cento. “Cada vez há mais casos de imigrantes que chegam à conclusão de que não compensa estar em Portugal”, diz Lígia Almeida.
Segundo o relatório “Imigração, Fronteiras e Asilo”, do SEF, aumentaram igualmente, no ano passado, os processos de expulsão de imigrantes ilegais, totalizando os 2476, o que traduz um aumento de 26 por cento em comparação com 2008.
Portugal tem cerca de meio milhão de imigrantes.

”Não aconteceu nada”

Damião Oliveira, de 45 anos, brasileiro, é um dos imigrantes que se inscreveu no Programa de Retorno Voluntário para regressar ao seu país, cinco anos depois de ter chegado a Portugal. “Infelizmente não aconteceu nada do que tinha planeado”, diz.
Natural de Vitória (Espírito Santo), no Brasil, agricultor, pai de três filhas, Damião Oliveira chegou a Portugal com 600 dólares. No início, conseguiu trabalho nas obras mas foi dispensado e não voltou a conseguir emprego. O dinheiro acabou. Tem passado muitas dificuldades, passou fome, chegou a ficar numa situação de sem abrigo. “Estou a levar muito prejuízo aqui”, lamenta.”Gosto muito de Portugal, mas já não tem mais jeito para mim de ficar aqui.” Resignou-se. “Vou voltar à estaca zero.”
Também Páscoa Wagner Neto, de 43 anos, de nacionalidade santomense, está prestes a regressar ao seu país. Chegou a Lisboa em 2007 para fazer o mestrado em Relações Internacionais. E como tem visto de estudante, não conseguiu trabalho. O seu processo está praticamente concluído. “Gosto de Portugal e se conseguisse autorização para trabalhar, ficaria cá mais tempo, mas regressaria sempre a S. Tomé”, diz Páscoa.

A importância dos CNAI

Na sala de espera do Centro de Apoio ao Imigrante (CNAI) localizado nos Anjos, em Lisboa, Maria da Luz, de 25 anos, aguarda. É natural do Tarrafal, Cabo Verde, e uma das centenas de estrangeiros esperando que os chamem. Chegou a Portugal há três anos para estudar gestão. Conseguiu arranjar emprego mas só temporariamente. Agora, precisa de renovar a autorização de residência para conseguir trabalhar. Foi isso que a levou ao centro.
Os Centros Nacionais de Apoio ao Imigrante foram criados em 2004 para dar resposta às dificuldades sentidas pelos estrangeiros no processo de integração em Portugal.
O dos Anjos reúne vários serviços de apoio, entre os quais, os de apoio jurídico, do SEF e da Segurança Social, bem como o do reagrupamento familiar.
Desde o início deste ano foram ali atendidos 155 mil imigrantes. A grande maioria vem do Brasil, seguindo-se os provenientes da Ucrânia e dos PALOP’s. Mas também há chineses e indianos.Serguei Varfaloniiev, de 33 anos, ucraniano, aguarda também pela sua vez para pedir a renovação da autorização de residência. Vive há dez anos em Portugal onde trabalha como motorista. Diz que já se sentiu alvo de descriminação mas quer continuar em Portugal, elogia a simpatia das pessoas e o clima. A suas maior dificuldade, conta, tem sido a língua que ainda sente dificuldade em dominar.

Cabo-verdiano, “artista independente”

A integração dos imigrantes em Portugal é também ajudada pelo serviço de atendimento telefónico SOS Imigrante. Através desta linha, procura-se dar resposta, em dez línguas diferentes, a todos os pedidos de informação e às dúvidas nas mais diversas áreas.
Paralelamente, funciona também o Serviço de Tradução Telefónica que tem como objectivo ajudar a ultrapassar as barreiras linguísticas com que muitas vezes os imigrantes se deparam nos serviços a que têm de recorrer em Portugal.
Existem outros dois centros como estes, no Porto e em Faro.
O projecto do CNAI foi distinguido em 2005, com o 1º lugar do Prémio Boas Práticas no Sector Público, na categoria atendimento a clientes. Foi ainda considerado exemplo de uma boa prática, no “Manual de Integração para decisores políticos e profissionais”, em Novembro de 2004, pela Direcção-Geral para a Justiça, Liberdade e Segurança da Comissão Europeia.
Na sala de espera do CNAI dos Anjos aguarda também Cristina Chicória, de 23 anos, o seu filho Lucas, de oito meses, e o marido. Natural de S. Paulo, Brasil, ela trabalha numa loja, em Lisboa. “Vou continuar em Portugal, sim”, garante. Gosta de viver em Lisboa, mas salienta que já se sentiu descriminada. “Aqui associam muito brasileira a mulher fácil”. Cristina espera ser atendida para tratar de um autorização de residência para o marido.
Mas se há cada vez mais imigrantes que não conseguem prosseguir um projecto de vida em Portugal e regressam aos seus países, também há muitos que vingam.
Hélio Santos, de 29 anos, é um deles. Cabo-verdiano, natural de S. Vicente, é professor de dança contemporânea e de kizomba, em Lisboa.
Chegou a Portugal, há dez anos. Daqui, partiu para a Bélgica onde estudou dança, durante quatro anos, na Performing Art Researching Trianing Studio. Depois, regressou a Portugal, onde já dá aulas há dois anos. “Mas, sobretudo, sou um artista independente”, diz.
Apesar de continuar à espera dos documentos para legalizar a sua residência em Lisboa, ele não quer viver noutro sítio por agora: “É mais fácil, por causa da língua e, aqui, encontra-se sempre alguém com um sorriso”, explica.
Dá aulas de dança a crianças na escola João de Deus e de dança contemporânea e de kizomba em vários estúdios e discotecas, em Lisboa. Mas é na Damaia, no bairro 6 de Maio, que mais se realiza, num projecto cultural com a comunidade cabo-verdiana.
Para o futuro, guarda também outro projecto: “Trabalhar em Cabo Verde”, revela com um largo sorriso.

XI Encontro de Formação de Agentes Sócio Pastorais das Migrações

Imigração: Igreja Católica pede ao Governo para não recuar no Plano de Integração

A Igreja Católica pediu hoje ao Governo para não recuar no II Plano de Integração de Imigrantes e reclamou uma “atenção permanente” aos problemas dos estrangeiros que vivem em Portugal.
“Importa não recuar na aposta interministerial do Plano de Integração de Imigrantes em curso, na atenção permanente a novos problemas entre a população imigrante, como idosos indocumentados e abandonados e a promoção da diversidade e da interculturalidade”, lê-se nas conclusões do XI Encontro de Formação de Agentes Sócio Pastorais das Migrações, que hoje terminou em Fátima.
O documento, que considera “exemplar” para outros países da União Europeia a política nacional de acolhimento e integração de imigrantes, sublinha, contudo, que a chegada das primeiras vagas de imigrantes a Portugal “nem sempre encontrou projectos de acolhimento e integração estáveis e adequados às suas características”.
O texto final do encontro, que discutiu “a primeira década de uma nova era nas migrações”, alerta ainda que “os imigrantes também são vítimas da crise económica e social”, que os coloca “em situação de maior vulnerabilidade” e expostos “a tensões sociais nos países de acolhimento pela crescente procura de todos os postos de trabalho”.
Prometendo dar “particular atenção aos imigrantes destituídos de direitos” e procurar “garantir protecção social para todos, sobretudo os que, por causa da perda do emprego, vêem a sua situação de regularidade ameaçada”, os participantes comprometem-se ainda a promover a interculturalidade, cumprindo o desafio “primeiro” do acolhimento: “Conhecer o outro sem generalizar conceitos ou preconceitos”.
O documento adverte igualmente que “os fluxos migratórios não são suficientes para resolver o problema português do rejuvenescimento da população e das lacunas no mercado de trabalho”.
Embora reconhecendo que os imigrantes assumem “um importante papel de ajustamento demográfico”, as conclusões deste encontro sublinham que o equilíbrio demográfico deve resultar de “políticas públicas e privadas de protecção à família e incentivo à natalidade, a acontecer num quadro de transformação de valores colectivos e comportamentos pessoais”.
O encontro, que reuniu cerca de uma centena de pessoas, foi uma organização da Agência Ecclesia, Cáritas Portuguesa e Obra Católica Portuguesa de Migrações.

via Agência Lusa


Para ouvir:
"Por esta porta estreita"  uma reportagem de Vítor Rodrigues Oliveira com sonoplastia de Carlos Felgueiras, sobre a vida e as dificuldades dos imigrantes em Portugal.Emitida pela Antena 1 a 23.05.2009.

Cf. também:


# Para consultar: Plano para a Integração dos Imigrantes (PII)


Brasil tem a maior comunidade de imigrantes legais em Portugal

De acordo com o relatório “Imigração, Fronteiras e Asilo” divulgado pelo serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), referente a 2008, os brasileiros representam a maior comunidade imigrante a viver legalmente em Portugal.
Ainda de acordo com o relatório no último ano eram 440 277 os estrangeiros autorizados a viver no País, « um aumento de cerca de um por cento face aos valores do ano anterior» . Destes, 106 961 eram provenientes do Brasil. Isto é cerca do dobro da segunda nacionalidade imigrante mais representativa em Portugal, a ucraniana. No ano passado, 52 494 residentes eram provenientes da Ucrânia, 51 352 tinham como origem Cabo Verde. Seguiam-se os romenos, angolanos, guineenses e moldavos.
A forma como a comunidade brasileira se transformou na mais numerosa no País é a alteração mais significativa deste relatório de 2008 do SEF.
Refira-se ainda o dado de pedidos de aquisição da nacionalidade portuguesa aprovados pelo SEF que subiram de 16.205 em 2007 para 34.497 em 2008, aqui cabo-verdianos e brasileiros lideram estes pedidos, seguidos por moldavos, guineenses, angolanos, são-tomenses e ucranianos.

fonte: Novopress.info, 2009



Um em cada quatro imigrantes é de nacionalidade brasileira


Comunidade brasileira domina, seguindo--se a ucraniana (menos de metade), a cabo-verdiana, a romena e a angolana, diz SEF.

A comunidade brasileira legalizada em Portugal ultrapassou os cem mil em 2008 (106 294), o que significa que um em cada quatro imigrantes é brasileiro. E há uma inversão das nacionalidades nos fluxos mais representativos: os cabo-verdianos foram ultrapassados pelos ucranianos e os angolanos pelos romenos.
Os dados constam do relatório de actividades de 2008 do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), que regista um aumento de 1% do número de imigrantes em 2008 (440 277) em relação a 2007 (435 736). A subida não é muito significativa, o que é significativo é o aumento exponencial de brasileiros.
E, pela primeira vez, a Ucrânia ocupa o segundo lugar (53 494 imigrantes) na lista dos países mais representativos. Seguem-se Cabo Verde (51 353), Roménia (27 769), Angola (27 619), Guiné-Bissau (24 391) e Moldávia (14 053).
Os autores do relatório sublinham que, "ao decréscimo do peso dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) , comunidades tradicionais em Portugal", assiste-se "à emergência dos novos fluxos migratórios do Leste europeu e à consolidação da Roménia como o Estado membro da UE com maior peso em Portugal, em detrimento do Reino Unido".
Uma percentagem dos imigrantes dos PALOP obtiveram a nacionalidade portuguesa e já não estão nas listas do SEF. Mas também há muitos brasileiros e moldavos a quererem ser portugueses. Entre os 45 466 pedidos de parecer ao SEF para a aquisição da nacionalidade portuguesa, estão em primeiro os cabo-verdianos (9926), seguidos dos brasileiros (8391), britânicos (4589), angolanos (4463) e moldavos (4449).
Em 2008, entrou em vigor vária legislação, o que levou a uma redefinição dos procedimentos. E o SEF destaca que este relatório é o primeiro elaborado com os dados do Sistema Integrado de Informação, considerando 2008 o "ano zero" do tratamento estatístico.

fonte: Diário de Notícias


Serviço de Estrangeiros e Fronteiras divulga o relatório "Imigração, fronteiras e asilo"


No ano passado, 440 277 estrangeiros residiam legalmente em Portugal, sendo as comunidades brasileira e ucraniana as duas mais representativas, revela o relatório "Imigração, Fronteiras e Asilo" hoje divulgado pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) da república portuguesa.
Os 440 277 estrangeiros residentes em 2008 representam um "aumento de cerca de um por cento face aos valores do ano anterior", lê-se no documento.
Segundo as conclusões do relatório, os números sobre população estrangeira em Portugal revelam "alguma continuidade, ainda que atenuada na evolução positiva e sustentada que vem caracterizando este universo populacional nos últimos anos".
"Dando continuidade à tendência já assinalada no relatório do ano anterior (2007), os títulos de residência registaram um incremento de 8,6 por cento, expressando o processo de transferência das prorrogações de autorização de permanência e de vistos de longa duração para aqueles títulos", refere o estudo.
As comunidades mais representativas são oriundas do Brasil, Ucrânia, Cabo Verde, Angola, Roménia, Guiné-Bissau e Moldávia.
A alteração mais expressiva - salienta o relatório - ocorreu com o Brasil, cuja comunidade residente legalmente no país atingiu 106 961 pessoas em 2008, afirmando-se, de "forma destacada", como a "mais representativa" em Portugal, confirmando a "tendência que se vinha a desenhar" desde o início do século.
Esta realidade traduz "um predomínio claro do Brasil, com decréscimo do peso dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP), comunidades estrangeiras tradicionais em Portugal, em contraponto à emergência dos novos fluxos migratórios do Leste Europeu (Ucrânia e Moldávia) e a consolidação da Roménia como Estado-membro da UE com mais peso em Portugal", vinca o relatório.
O relatório destaca ainda que 2008 ficou marcado pela entrada em vigor da nova Lei de Asilo e de um acervo de Portarias concretizadoras do novo regime legal de estrangeiros.

fonte: Agência Lusa


"A imigração em Portugal"


Nesta volume, o SOS Racismo pretende contribuir para lançar os alicerces de um verdadeiro debate sobre a imigração em Portugal e na Europa, revelando dados objectivos e desconstruíndo os diferentes mitos que normalmente “baralham” a discussão, que se quer séria, sobre a entrada de imigrantes no país.
O debate na nossa sociedade em torno do fenómeno da imigração é, de um modo geral e talvez surpreendentemente, demasiado reducionista e mal informado. O SOS RACISMO pretende contribuir para lançar os alicerces de um verdadeiro debate sobre a imigração em Portugal e na Europa, revelando dados objectivos e desconstruíndo os diferentes mitos que normalmente “baralham” a discussão, que se quer séria, sobre a entrada de imigrantes no país.

Razões de imigração

O ponto de partida para a análise dos fenómenos migratórios tem que ser a motivação das pessoas para abandonar a sua comunidade e imigrar para a Europa. É evidente que não basta dizer que os imigrantes fogem da miséria à procura de uma vida melhor já que, o mais importante, é reflectir sobre as políticas objectivas que provocam tais fluxos migratórios. Em primeiro lugar deve-se considerar a internacionalização da produção (por exemplo, a mundialização do mercado dos produtos agrícolas que empurra a grande generalidade dos países em desenvolvimento para uma agricultura de grande escala, orientada para a exportação). Esta, ao suplantar os pequenos produtores locais, leva à criação de uma nova força de trabalho, assalariada e com grande mobilidade, eventualmente sazonal e, porventura, precária. Essa mobilidade adquirida transforma estes trabalhadores em eventuais candidatos a fluxos migratórios internos, para os centros urbanos ou, então, à emigração internacional.
Por outro lado, a instalação de centros de produção para exportação, permite o contacto com os países de onde provêm os capitais, reduzindo assim a “distância subjectiva” entre o trabalhador estrangeiro e esses países. Dito de outro modo, se eu estou aqui a colher frutos para uma exploração agrícola norte americana ou se eu estou aqui a montar peças para uma fábrica francesa, também o poderei fazer igualmente bem nos Estados Unidos ou em França.
Outra das principais razões que leva à imigração é a guerra. Uma fracção muito importante dos imigrantes que entra anualmente na Europa é proveniente de países em guerra, do Kosovo ao Afeganistão. São refugiados que fogem para salvar a vida, ou porque o caos em que o país de origem mergulhou devido à guerra tornou a sua sobrevivência impossível.
Um outro factor que promove os fluxos migratórios é o estrangulamento económico dos países em vias de desenvolvimento, causado pelos programas de reajustamento estrutural, planos de reforma económica e medidas de austeridade impostos por organizações como o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial ou a Organização Mundial do Comércio. Estamos, assim, a falar de refugiados económicos, pobres e obrigados a imigrar na busca estratégica da sobrevivência.

Invasão descontrolada ?

Esta listagem, não exaustiva, de factores que promovem os fluxos migratórios, assim como uma análise cuidada do fenómeno da imigração no passado, revela que, ao contrário do que normalmente se assume, a dinâmica da imigração não é determinada apenas pela diferença de riqueza entre países ricos e países pobres. Por exemplo, apesar da diferença do nível de vida económico entre Portugal e a Alemanha, e da liberdade de circulação na União Europeia, não se verificou nos últimos anos um êxodo em grande escala de trabalhadores portugueses para os países mais ricos da União.
Um outro exemplo que ilustra esta afirmação é o da emigração da região das Caraíbas para os países do norte. Esta emigração foi determinada por vários factores importantes:

- as escassas possibilidades económicas nestes pequenos países, com crónica falta de emprego;
a existência de mercados de trabalho abertos nos países desenvolvidos, particularmente durante o boom de 1950-1973;
- a ausência de problemas de integração nos países de acolhimento (pela língua comum);
- o regime de fronteiras abertas praticado (os cidadãos das colónias britânicas tinham direito a residência na Grã-Bretanha, pelo menos até ao início dos anos 70;
- liberdade de movimento entre Porto Rico e os Estados Unidos;
- as ex-colónias francesas na região tornaram-se Départments de França; e, desde a conversão de Fidel Castro ao comunismo em 1961, o regime excepcionalmente liberal relativamente à imigração de Cuba para os Estados Unidos).

Esta excepcional liberdade de movimento, praticamente sem restrições, produziu entre 1950 e 1980 uma taxa de emigração de 6,9% da população, por década. Podemos especular sobre o que se passaria nos fluxos migratórios Sul-Norte na ausência de restrições à mobilidade. Uma taxa de 6% por década implica, para os países do Sul, uma emigração da ordem dos 240 milhões de pessoas por década, ou seja, 24 milhões por ano, o que equivale a um aumento anual da população do Norte em 2,4%. É interessante comparar este número com o das necessidades de pessoas, na Europa, para manter os ratios de população activa/inactiva, nas próximas décadas!

Políticas de imigração

De facto, mais importante do que um eventual diferencial de riqueza, a imigração auto-regula-se, em função do mercado de trabalho. Ninguém vai abandonar a sua comunidade para viver a milhares de quilómetros se aí não encontrar emprego e formas de subsistência. O desenvolvimento na última década da Europa-fortaleza, com o seu agressivo controlo de fronteiras não é, na realidade, causada por uma preocupação com um eventual excesso de imigrantes na União Europeia mas é, sim, um mecanismo de precarização da força de trabalho dos imigrantes que chegam.
O empenho das autoridades, desde a década de 70, na criação de estatutos jurídicos precários (vistos de permanência, regimes laborais especiais para estrangeiros, títulos sazonais de trabalho, etc) tem como consequências evidentes, não só o dificultar a integração do imigrante mas também, o obrigar os nacionais a manter o status quo. Assim, quando se propõem determinadas condições de trabalho ao imigrante, o trabalhador nacional fica como que “entre a espada e a parede” pois, se não aceitar as condições do imigrante, arrisca-se a ver-se preterido em relação a ele. Deste modo, contribuí-se para criar no trabalhador nacional uma animosidade que vai dificultar, ainda mais, a coesão social entre ambos.
A precariedade do estatuto legal do imigrante provoca, ainda, efeitos perversos nos próprios fluxos migratórios pois, ao ver negado o seu “direito de ir e vir”, o imigrante acaba por optar quase sempre pela sedentarização clandestina.
Depois da lei das Autorizações de Permanência do anterior governo, foi agora apresentado um novo “Plano Nacional de Imigração” que traz duas grandes novidades: por um lado, transfere a responsabilidade de atribuição dos vistos de trabalho para os consulados nos países de origem dos imigrantes apesar de, como todos sabemos, os consulados serem mais susceptíveis à corrupção pelos esquemas mafiosos já instalados. Por outro lado, vem mais uma vez constranger a mobilidade dos imigrantes (literalmente o direito à livre circulação e livre instalação no país) ao introduzir a descentralização da política de imigração, transferindo as responsabilidades para os municípios, em função das necessidades locais de mão-de-obra.
Independentemente das óbvias dificuldades técnicas para a sua implementação, este plano municipal de imigração é politicamente insustentável, se atendermos à quase unânime inexistência de políticas autárquicas para as minorias étnicas (como se comprova pelos inquéritos às câmaras municipais apresentado no Capítulo III).

Acordos bilaterais

Enquanto continuar a haver regimes corruptos nos países do Sul que só se preocupam em se manter no poder, muitos problemas nunca encontrarão solução e, entre os problemas que vão continuar sem solução para o Terceiro-Mundo, a imigração continua a ser premente. É de assinalar que muitos dos benditos “acordos bilaterais” são meros mecanismos de controlo das riquezas e dos recursos humanos do Terceiro-Mundo. Assim, para os imigrantes, o jogo é viciado logo à partida. Tanto a nível administrativo como jurídico, os países do Sul nunca se preocuparam com o estatuto do imigrante. Para a Administração Pública, cada candidato à imigração é uma preciosa fonte de dinheiro (a rapidez ou a lentidão da emissão dos passaportes dependerá exclusivamente do bolso do potencial candidato). Todos os trâmites pseudo-legais constituem uma forma de enriquecimento para alguns caciques instalados nos meandros do poder: uma autêntica mafia de Estado. Para os regimes destes países, a imigração tornou-se mais um pretexto para assinar acordos bilaterais (fundos para formar polícia e marinha locais, modernização das infra-estruturas policiais e judiciais para melhor combate ao tráfico de seres humanos, fundos sociais para fixar as populações, etc). O indivíduo imigrante é, portanto, reduzido uma potencial matéria-prima, motivo de especulação tal como o diamante, o ouro, o petróleo no mercado europeu, etc.

Políticas de integração

Para a opinião pública e, sobretudo, para a comunicação social, o debate em torno do fenómeno da imigração parece condenado a estar associado ao crescimento dos partidos de extrema-direita por toda a Europa. A xenofobia assumida de Le Pen ou de Haider, assim como os discursos anti-islâmicos de Berlusconi, e outros, no pós 11 de Setembro marcam, de facto, na agenda, a discussão do “problema da imigração”. Do ponto de vista estrito porém, os “problemas” de que a extrema-direita europeia fala, não estão relacionados com o controlo do fluxo de imigrantes per se, que como vimos, está associado à precarização do trabalho dos imigrantes e consequente limitação dos seus direitos, mas com o problema da sua inserção social e cultural nas comunidades de acolhimento. Quando as sociedades europeias não desenvolvem políticas de integração, ou quando o fazem é no sentido da assimilação cultural.
Consideremos, por exemplo, as medidas tomadas ao nível da habitação. A gestão do espaço urbanístico tem sido encoberta por políticas racistas e xenófobas. Todos os planos e programas de realojamento (P.E.R) responderam, antes demais, a critérios meramente económicos sem terem qualquer preocupação sócio-política ou levando em consideração as especificidades socioculturais e económicas dos imigrantes. A lógica do mercado imobiliário imperou assim sobre a possibilidade política de resolver um dos problemas sociais mais agudos com que se defrontam os imigrantes. E os imigrantes foram mais uma vez empurrados para as zonas degradadas e menos cobiçadas, levando à proliferação dos guetos (Quinta do Mocho, Bela Vista, Buraca, Apelação, etc).
Esta situação tem provocado uma estratificação da cidadania, em que nasceram várias categorias de cidadãos. À medida que as políticas discriminatórias se vão cristalizando, os imigrantes e os seus filhos, apesar destes últimos nascerem cá, enfrentam os mesmos tratamentos como se de cidadãos não se tratassem. Aliás, a própria classificação de ambos, denota a maneira como são vistos na sociedade. Encontraram-lhes a funesta e arbitrária denominação de 1ª, 2ª, 3ª geração. Ora, esta categorização só ajudou a estigmatizar os filhos de imigrantes colando-os a preconceitos racistas e xenófobos que, obviamente, têm dificultado o diálogo intercultural e, por conseguinte, tem abortado o processo de inclusão social. Pese embora todas as falhas inerentes a este tipo de “estigmatização”, as autoridades fecharam sempre os olhos sobre a realidade das consequências e também das repercussões de uma tal postura no seio de uma comunidade que se quer intercultural.
De facto, não obstante as visíveis incompatibilidades entre esta situação e o conceito de cidadania, verifica-se que, mesmo as áreas-chave para uma integração concreta dos imigrantes não são realmente contempladas.
Neste caso concreto, podemos referir-nos à educação, ao emprego, à saúde, etc... A pseudo ameaça contra a pureza e a homogeneidade culturais, a insensata preferência nacional, foram grandes bloqueios para a transformação política e qualitativa do sistema educativo. A educação deve ser um dos pilares das políticas de integração. Ao formar os imigrantes e os seus filhos, o Estado contribui incomensuravelmente para que se sintam plenamente cidadãos tal como os demais, de modo a que, possam efectivamente estabelecer um laço com o espaço onde vivem. Esta educação deve responder ao critério da laicidade. Ora, para tal, o sistema necessita de uma total revolução através da qual se possa implementar uma educação intercultural onde as diversidades socioculturais são tidas em consideração num diálogo mútuo de respeito. Já que a educação vai além da instrução, ela tem forçosamente que traduzir-se em formação profissional, alfabetização e revalorização cultural. Assim sendo, para estas comunidades muito frágeis e vulneráveis, o Estado deve encontrar, numa fase inicial, entre outras medidas, um processo de aproximação ao sistema, através, por exemplo, da figura do Mediador sociocultural. Infelizmente, o projecto da carreira de mediador sociocultural quase morreu à nascença devendo-se essa morte à demagogia política do Governo socialista! De modo a acabar com a demagogia de que os imigrantes são muitas vezes marginalizados no mercado do trabalho, no acesso ao direito à cidadania, por serem pouco ou nada competitivos, a educação e a formação constituem uma das medidas paradigmáticas no processo de uma integração efectiva desta comunidade.

Cidadania

Relativamente a esta política de integração, como está aliás, subjacente ao longo de todo o livro, a pertinência e a execuidade de qualquer política de imigração deve, antes de mais, basear-se no conceito da cidadania. Ora, o discurso oficial acerca da construção da União Europeia faz-se à volta deste conceito. De resto, nunca poderia ter sido de uma outra forma, dado o mosaico diversificado de países com concepções diferentes de Nação que fazem parte da U.E. Desde a Revolução Francesa, tem havido muitas hesitações por partes dos Países Europeus acerca da fronteira entre o conceito de cidadania e o conceito de nacionalidade. À revelia da politiquice, do voto útil, das manobras de alguns sectores conservadores e xenófobos, foi negado ao imigrante o estatuto jurídico de cidadão. Ora, a U.E não terá nenhuma outra alternativa fiável a não ser a de alargar e estender a cidadania a todas as pessoas que vivem no seu espaço. Aliás, há muito tempo que um diversificado movimento social se tem debruçado sobre esta problemática, e tem encarado a luta pela cidadania para todos como uma prioridade inalienável. Infelizmente, a construção da cidadania europeia tem excluído um sem número de pessoas. De facto, cidadania implica o acesso ao direito de uma forma efectiva. Ou seja, é nesse âmbito que nasceu um forte movimento para a cidadania que culminou com uma posição oficial da Enar, tomada no mês de Junho 2002 . Trata-se de uma posição firme e inequívoca intitulada o Apelo de Madrid. O Apelo de Madrid, constitui uma iniciativa de várias pessoas oriundas de diferentes sectores da opinião pública e defende uma cidadania de residência tal como o S.O.S. Racismo sempre defendeu na Carta Dos Residentes há já vários anos e que constitui uma ferramenta de trabalho, ou melhor, um ponto de partida para uma reflexão mais aprofundada sobre o direito à cidadania.

via S.O.S. Racismo

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