"A outra mão invisível"
A propósito de Lula e do 'pré-sal', escreve hoje o João Rodrigues na sua crónica para o jornal i:
"É como se houvesse uma mão invisível - não a do mercado, da qual já falaram tanto, mas outra, bem mais sábia e permanente, a mão do povo." Esta frase foi retirada do recente discurso de Lula da Silva, que ficará para a história do desenvolvimento inclusivo no Brasil. Optimismo da vontade. Afinal de contas, tratou-se do anúncio da proposta do novo regime de regulação das fabulosas jazidas de petróleo e de gás recentemente descobertas, o chamado pré-sal: "um passaporte para o futuro".
Este passaporte depende de regras apropriadas que assegurem que os recursos são controlados pelo Estado e colocados ao serviço do desenvolvimento das capacidades estruturais e humanas do país.
Para isso, passa-se de um permissivo regime de concessão para um regime de partilha entre o Estado e as empresas petrolíferas, cria-se um fundo soberano e institui-se uma nova empresa pública, que será a proprietária das reservas. Lula revela uma consciência aguda do problema da "maldição dos recursos" - da sobreapreciação da moeda e da desindustrialização à captura das rendas por elites parasitárias - e sabe que este só se supera com um Estado estratego.
Ao contrário do que afirmam as ficções social-liberais, Lula também sabe que o interesse público é mais bem salvaguardado se o Estado, em vez de se limitar a criar um bom ambiente para negócios tantas vezes predadores, estiver também directamente envolvido em sectores estratégicos. No Brasil, isto é possível, em parte porque existe a Petrobras.
Esta empresa de topo a nível mundial, como Lula bem assinala no seu discurso, foi o resultado de uma campanha que instituiu o monopólio estatal do petróleo nos anos cinquenta - a campanha "o petróleo é nosso". A empresa pública teve tempo para acumular competências e conhecimentos tecnológicos. Actualmente, consegue competir de igual para igual nos mercados. A mão do povo passou por aqui. São muitas as virtudes do mal-afamado proteccionismo que garante a educação industrial. O governo de Fernando Henrique Cardoso, o das maiores privatizações da história do capitalismo, não teve coragem de privatizar integralmente a Petrobras. Hoje, Lula quer reforçar o seu controlo público. Também assim se pode efectivar a ideia do presidente brasileiro de que "o petróleo e o gás pertencem ao povo e ao Estado".
Isto passa-se do outro lado do Atlântico. Acompanhando as "discussões" das elites portuguesas sobre economia, é como se se passasse num outro mundo. Não aprendem nada. Temem a mão invisível. A mão que pode construir um Estado estratego que acabe com os seus privilégios...
