«Arrábida: um poema em verde e azul»
Vista do Portinho da Arrábida em 1950
A Arrábida é fauna e flora, terra e água, céu. É geologia e história, turismo e tradição, beleza. Vai candidatar-se a Património Mundial da UNESCO, uma forma de vincar o seu carácter único, e merece uma reportagem de várias páginas na edição de hoje do jornal O Público.
por Luis Francisco
Para quem conhece a Arrábida, não era preciso surgir a notícia da sua candidatura a Património Mundial da UNESCO para se perceber que é um local único e especial. Mas, para todos os outros, esta é uma boa forma de dar publicidade aos seus encantos.
Depois de uma espécie de "falsa partida" no início deste século, até porque ainda não havia um documento de ordenamento do território que garantisse a continuidade no tempo da realidade que se pretendia candidatar (existe desde 2005), a campanha para classificação da serra da península de Setúbal parece agora lançada.
A Arrábida é um mosaico sempre diferente e, no entanto, sempre coerente. Não há como fugir ao namoro hipnótico entre o verde das encostas e o azul que as rodeia de ambos os lados - o céu e o mar são mais do que pano de fundo, são a continuação lógica de uma paisagem que surpreende e apazigua. Sendo um ponto forte de biodiversidade marinha e um local de eleição para os botânicos, a Arrábida é Parque Natural desde 1976. Mas é também um palco muito especial para geólogos e historiadores, pastores e poetas, frades e pescadores.
Não espanta, portanto, que tenha sido habitada e explorada pelos seres humanos desde tempos distantes. Há por aqui quintas românticas, castelos imponentes, vestígios romanos, povoados pré-históricos. A história da serra é também a história dos homens e não há maneira de olhar para a primeira sem ter em conta a influência dos segundos. Razão pela qual a Arrábida alia ao património natural e cultural uma outra vertente: o património cultural imaterial, algo que se pode traduzir como a alma de um sítio. E esta alma pode aparecer-nos, por exemplo, sob a forma de um queijo de Azeitão...
Candidatura em 2011
Natureza, cultura e tradição. É com todos estes argumentos que a comissão de candidatura vai esgrimir para convencer a UNESCO. Uma comissão de que fazem parte a Associação de Municípios do Distrito de Setúbal, as câmaras municipais de Palmela, Sesimbra e Setúbal, a Liga dos Amigos de Setúbal e Azeitão, a Região de Turismo da Costa Azul, o Parque Natural da Arrábida e as fundações Luso-Americana e do Oriente. O processo de candidatura deverá estar concluído no próximo ano.
Mas a vaga de fundo já está a fazer mexer muita gente. Seja o aparecimento de autocarros descapotáveis para percursos turísticos na região, seja a contestação de quem se sente prejudicado pelas regras impostas na região. Há quem fale nas restrições à circulação pedestre, quem aponte o dedo aos regulamentos estrangulantes ao nível da navegação marítima, quem queira mais liberdade para pescar.
As demolições recentes na serra vieram lembrar que esta é uma zona sujeita a forte pressão urbanística e que viveu muitos anos sem legislação e fiscalização eficazes. As enormes cicatrizes das pedreiras de Sesimbra e da exploração da Secil no Outão (onde foi recentemente confirmada a autorização para levar a cabo a co-incineração de resíduos industriais) causam estupefacção. Nem tudo são rosas.
Mas há a consciência global de que este é um local único. Um sítio onde espécies arbustivas que "deviam" medir 1,5 metros atingem o porte de árvores, com dez, 12, 15 metros (acontece, por exemplo, na Mata do Solitário, o núcleo que, em 1972, esteve na origem da criação da Reserva Natural que, quatro anos depois, deu origem ao Parque Natural da Arrábida). Ou onde podemos encontrar mais de 1300 espécies de fauna e flora marinha. E outras 1450 de flora terrestre, incluindo duas que não existem em qualquer outra parte do mundo. Já para não falar dos golfinhos no estuário do Sado...
Mas também é por aqui que existe a escarpa calcária mais alta da Europa (na serra do Risco, com 380 metros de altura). Uma romaria que vem desde 1430 (Nossa Senhora do Cabo Espichel). Uma diversidade notável de processos geológicos (incluindo indícios da separação dos continentes) estão à vista e a história do povoamento humano pode remontar a meio milhão de anos.
A Arrábida é tudo isto e muito mais. E é, afinal, o resultado do abraço de apenas duas cores, o verde e o azul. Um espectáculo minimal, mas sempre diferente. É ver para crer.
