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1ª 'Star Party Alqueva': festa de estrelas no céu transparente do Alentejo


As luzes também trazem a escuridão. Ajudaram-nos a afastar o medo, revelaram ameaças no meio das trevas, provavelmente ofereceram a oportunidade de contarmos histórias uns aos outros, na aurora da humanidade, quando o homem descobriu o fogo e atrasou a noite. Mas hoje, depois da electricidade que inundou as cidades, a luz escondeu o céu estrelado e fechou a janela que a humanidade sempre teve para o universo. Nas duas próximas noites, na região do Alqueva, combatem-se estas novas trevas: haverá a primeira Star Party Alqueva.

Esta ideia nasceu no Centro de Astrofísica da Universidade do Porto (CAUP) e está inserida no programa Ciência Viva no Verão, que em Julho, Agosto e Setembro tem mais de 1700 actividades de carácter científico por todo o país. "Vamos levar dois telescópios e vamos [ver estrelas] para um local com o céu muito escuro", diz Filipe Pires, astrofísico do CAUP.

Nesta sexta-feira, a festa será a partir das 23h, perto da vila de Monsaraz (não confundir com Reguengos), a pouco minutos da Casa Saramago, numa região com oliveiras milenares. No sábado, a festa começará às 13h na Herdade do Esporão, em Reguengos de Monsaraz, que inclui almoço, jantar, visita às adegas, prova de vinhos, mas também a tertúlia O Céu é o Nosso Limite, que antecede a observação das estrelas e dos planetas. Há um limite de cem inscrições, mas quem quiser pode aparecer para ver o céu.

"O objectivo da festa é que as pessoas conversem, convivam, troquem experiências, falem sobre o equipamento [de observação] que têm", explica Filipe Pires. Os organizadores não esperam uma enchente. "Podemos dar atenção às pessoas", diz Pires. Poderão ser vistas constelações de Verão, como as do Escorpião, Cisne, Lira e Águia ou a famosa Ursa Maior. A Lua está em começo de ciclo (lua nova) e isso é determinante para tirar proveito deste céu único.

A região do Alqueva foi a primeira em todo o mundo a obter a classificação de Destino Turístico Starlight, no final de 2011. Este galardão, que reconhece a qualidade do céu escuro de uma região, é atribuído pela Fundação Starlight, criada pelo Instituto de Astrofísica das Canárias, com apoio da UNESCO, da União Astronómica Internacional e da Organização Mundial de Turismo das Nações Unidas. A fundação promove a astrofísica, o turismo que se pode fazer à noite e defende o património associado à astronomia e ao céu nocturno. "Esta classificação atesta a qualidade do céu, mas também a qualidade do destino no que toca a uma oferta mais directa da astronomia, observação de estrelas e passeios nocturnos", explica Apolónia Rodrigues, presidente da Genuineland, uma associação de turismo rural e sustentável na Europa.

Apolónia Rodrigues coordena o projecto do Alqueva como destino para apreciar as estrelas, chamado reserva Dark Sky Alqueva, que é uma aposta conjunta da Comissão de Coordenação de Desenvolvimento Regional do Alentejo, da Empresa de Desenvolvimento de Infra-Estruturas do Alqueva, do Turismo Terras do Grande Lago Alqueva e da Associação Portuguesa de Astrónomos Amadores, além de juntar os municípios de Alqueva, Portel, Reguengos de Monsaraz, Moura, Mourão e Barrancos, que se comprometeram a controlar a poluição luminosa.

"Os globos de iluminação [candeeiros redondos] são altamente ineficazes, 80% da luz vai para o céu", diz Apolónia Rodrigues, apontando este como um dos exemplos mais gritantes de iluminação pública que desperdiça electricidade, que tem um custo nos bolsos dos contribuintes (estima-se que a iluminação pública em Portugal tenha custado 170 milhões de euros em 2011) e ajuda a inviabilizar o acesso ao céu para as observações astronómicas. Há outras situações que podem ser melhoradas: como a iluminação dos monumentos ou os candeeiros mal colocados.

No Alentejo do Alqueva, a parca população e um ambiente pouco poluído permitem uma atmosfera limpa e uma noite escura. Por ano, a região tem em média 286 noites sem nuvens. Miguel Claro, astrofotógrafo convidado pela Genuineland para fotografar o céu do Alqueva, confirma a qualidade do céu. "Monsaraz foi o sítio em que medi a zona mais escura, com maior capacidade de visualização de estrelas menos brilhantes", diz. "Numa imagem que tirei com um único disparo [de dez segundos de exposição], apanhei a galáxia Andrómeda. Não é preciso esforço nenhum para a ver, é impressionante."

O fotógrafo explica o que acontece quando vamos para o escuro do campo e olhamos para o céu. As estrelas vão aparecendo, gradualmente, mais numerosas, mais distintas. A pupila dos olhos dilata-se, até ao máximo de sete milímetros. Ao fim de 30 minutos, quando a adaptação dos olhos à escuridão está completa, o céu torna-se uma imensidão de estrelas em que a Ursa Maior se perde no meio da multidão.Esta deverá ser a primeira Star Party de muitas. O CAUP quer tornar esta festa anual. "Muitas pessoas não vêem o céu estrelado", diz Filipe Pires, acrescentando que, ao olhar para as estrelas, sentimos que "fazemos parte do universo".

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