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Sugestão de leitura: "Papo de Índio" de Txai Terri Aquino

Foi lançado, na semana passada, na livraria Sebinho, em Brasília, o livro Papo de Índio, uma compilação das colunas semanais assinadas pelo antropólogo Txai Terri Valle de Aquino e divulgadas durante duas décadas e meia na imprensa acreana. Folheando o livro, descobre-se que estão lá as longas entrevistas feitas ao longo dos anos a índios e seringueiros, bem como os textos que assinou entre 1987 e 2011 nas páginas dos jornais A Gazeta e Página 20 de Rio Branco.
Deram, pois, novo fruto as carismáticas e históricas colunas de Txai Terri, que desde o primeiro instante assumiram a forma de um persistente e comprometido diálogo com os leitores sobre os direitos indígenas e dos povos da floresta, e que serviram para abrir um espaço nobre na imprensa acreana a personagens e discursos até então poucos presentes nos jornais de circulação diária.
Mais do que uma leitura obrigatória, Papo de Índio é um valioso legado histórico, resultante da actuação de uma vida do seu autor em prol dos Povos da Floresta. Cumpre lembrar que as colunas de Txai Terri sempre serviram de tribuna democrática aos diferentes actores da sociedade civil, bem como dos nascentes movimentos indígenas e seringueiros acreanos, contribuindo para divulgar as suas reivindicações e propostas, de que resultaram, por exemplo, a regularização de várias terras indígenas da região e a criação das primeiras reservas extractivistas na Amazônia e no país.
Semana após semana, ao longo de duas décadas e meia, Papo de Índio foi um espaço decisivo na mídia para o combate pela construção de renovadas agendas de diálogo nas políticas públicas e na reafirmação de modos de actuação que garantissem um maior protagonismo indígena. Simultaneamente, vale não esquecer o amplo contributo da coluna na divulgação de uma relevante produção feita por antropólogos e profissionais de diversas áreas do conhecimento junto de um público mais amplo, permitindo assim que os resultados dos seus trabalhos de pesquisa, as suas descobertas, investigações e actividades aplicadas ganhassem alcance e projecção relevante junto dos acreanos. 

Sobre Txai Terri Aquino

Terri, fotografado por Altino Machado
durante a festa do seu 59º aniversário (24.09.2005)
Em meados dos anos de 1970, Txai Terri de Aquino, foi o primeiro antropólogo a subir vários rios do Alto Juruá para realizar levantamentos socioeconômicos e fundiários sobre os povos indígenas do Acre para a Fundação Nacional do índio (Funai). Nessa época, Terri iniciou sua pesquisa de campo junto aos Kaxinawá, índios seringueiros acreanos, que resultou em sua dissertação de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, da Universidade de Brasília (UNB).
Os seus trabalhos, como antropólogo e indigenista, tiveram importante papel na visibilidade para o Estado brasileiro e para academia da existência de povos indígenas do Estado do Acre. Fundador da Comissão Pró-Índio do Acre, articulou a criação de cooperativas indígenas, alternativa que permitiu a diversos povos organizarem colectivamente a produção e comercialização da borracha e, assim, libertar-se do cativeiro dos patrões de seringais e assegurar partes de seus antigos territórios.
Actualmente o escritor trabalha na Coordenação Geral de Índios Isolados e de Recente Contato, da Funai. É também pesquisador do Projecto Nova Cartografia Social da Amazônia, da Universidade Estadual da Amazônia, que agora assume a edição do seu livro Papo de Índio.
(...)

Seguem alguns textos publicados em 24 de Setembro de 2005, por ocasião do 59º aniversário de Txai, que reuniu informalmente vários amigos de longa data. São testemunhos essenciais, escritos na primeira pessoa por quem o conheceu de perto, quem com ele trabalhou e se cruzou, em algum momento do caminho, nestes anos de irrequieto périplo pela Floresta.

VIVA TXAI TERRI!

por Altino Machado

A história contemporânea do Acre, marcada por lutas e sacrifícios do movimento social em defesa das florestas e dos povos que nela habitam, teria tomado outro rumo sem a presença do antropólogo Terri Vale de Aquino. Dá até para dividir essa história em antes e depois de Terri Aquino.
Até 1974, em plena ditadura militar, o Brasil não reconhecia oficialmente, no Acre, a existência das nações indígenas. Foi o então governador Geraldo Mesquita, pai do senador Geraldo Mesquita Jr., o primeiro a solicitar à Funai que tratasse de identificá-las.
Coube ao acreano Terri Aquino, recém-formado, iniciar o trabalho há 35 anos, quando fez sua primeira viagem subindo o rio Jordão, com destino à fronteira do Brasil com o Peru, onde os índios kaxinawá viviam como escravos dos patrões seringalistas.
Terri Aquino abriu caminhos para que os kaxinawá se organizassem para conduzir a própria história de libertação. Os primeiros passos foram a reivindicação pela demarcação da terra, alfabetização e a criação de cooperativas de produção e consumo.
Libertos do cativeiro, o povo kaxinauá e Terri Aquino transformaram a experiência num movimento que envolveu as demais etnias na luta por conquista de suas terras, prosperidade e afirmação cultural. O mapa do Acre teve que ser redesenhado pela força da dedicação do antropólogo e da organização dos povos indígenas.
Wilson Pinheiro e Chico Mendes se espelharam na organização indígena para liderarem os trabalhadores rurais no movimento de resistência à pecuária extensiva que expulsava milhares de seringueiros de suas colocações.
Mas adiante, após o assassinato de Chico Mendes, a aproximação de índios e seringueiros foi batizada de Aliança dos Povos da Floresta.
Terri Aquino foi decisivo para que os índios conquistassem mais de 30 terras no Estado, que hoje estão em graus variados de demarcação, reconhecimento e regularização. As terras estão distribuídas em 11 municípios e ocupam mais de 2 milhões de hectares.
Acompanhado de vários amigos e amigas, tive o prazer de passar a tarde comemorando os 59 anos do Txai Terri. Comemos muito peixe moqueado.
Terri continua humilde e desapegado de qualquer ambição material, preocupado que é com o destino dos índios. Não possui bens a declarar ao imposto de renda, o que inclui terreno ou casa para morar.
- Isso é coisa pra vocês. No dia que eu comprar um palmo de terra, vai acontecer comigo o mesmo que aconteceu com Guimarães Rosa. O Rosa avisou que morreria quando aceitasse ingressar na Academia Brasileira de Letras. E morreu mesmo no ano que aceitou o convite.
Vida longa ao Txai Terri!

HONROSA CONDECORAÇÃO

por Toinho Alves

Quando eu era um jovem trotskista, em Brasília, fiquei sabendo de um acreano que fazia pós-graduação em Antropologia e tinha uma certa atitude de desprezo pelo movimento estudantil, que considerava “pequeno-burguês”.
Era um tal de Terri Aquino que, com isso, ganhou minha antipatia imediata. Quando voltei para o Acre e ele já estava por aqui, não quis saber de proximidade com ele.
Mas eu era casado com a Isla e ele com a Vera, as duas eram muito amigas e viviam “fazendo o cartaz” de um para o outro, querendo promover uma aproximação.
Diziam que éramos muito parecidos, dois velhos que gostavam de ficar em casa falando sobre livros ao invés de ir para as festas. Tanto fizeram que o encontro acabou acontecendo. Deu certo e para sempre.
Sou padrinho da Isabel, filha dele com a Vera, e ele é “padrinho de apresentação” do Samuel, meu filho com a Rejane.
Trabalhei sob a liderança dele na Comissão Pró Índio. Não recebi nenhum centavo, pois os repasses dos projetos foram suspensos e o Terri mandou nossos salários para as aldeias.
Viajei com ele pelo Juruá e Tejo. Tomamos juntos muita ayahuasca. Aprendemos muita coisa juntos. Aprendi e aprendo muita coisa com ele. Ser seu amigo é uma honrosa condecoração que a vida me deu.

RUTIN

por Elson Martins

Em 1975 comecei a atuar como repórter regional de O Estado de S.Paulo em Rio Branco e conheci o sertanista José Porfírio de Carvalho, que estava instalando a Ajudância da Funai na capital do Acre. Ele passou a ser uma fonte preciosa sobre a questão indígena que estava sendo retomada no Estado.
Na época, a sociedade acreana não contava mais com a existência de índios na região, embora a Funai estivesse iniciando os trabalhos de identificação de grupos étnicos e de suas terras.
Numa manhã de 1976, Carvalho reclamou de um antropólogo contratado pela Funai que não teria concluído seu trabalho de identificação nos rios Tarauacá e Jordão:
-Eu recebi a informação de que o “fila da puta” passa a maior parte do tempo na cidade, no fundo de uma rede. Mandei um avião teco-teco busca-lo e vou recomendar sua demissão - disse-me, furioso.
Decidi acompanhá-lo até o aeroporto para conhecer o antropólogo vadio. Quando Terri Aquino desembarcou em Rio Branco era um fiapo de gente. Sofrera uma meia dúzia de malárias e ainda não tinha curado a última.
Enquanto Carvalho se entendia com o piloto sobre o frete do avião, nós nos apresentamos na estação de passageiros. Fiquei feliz de saber que aquele sujeito debilitado era acreano e tinha história de vida parecida com a minha, com passagem pelo seringal. Quando Carvalho se desembaraçou do piloto nós já éramos “cúmplices”.
Mas o sertanista, que havia trabalhado na frente de atração dos índios waimiri-atroari, no Estado do Amazonas, e tinha temperamento até policialesco em defesa dos índios, era sujeito de bom caráter, com senso de justiça: mudou logo sua opinião sobre o antropólogo que também estava conhecendo naquela ocasião.
Daquele dia em diante, eu e Terri nos tornamos parceiros-irmãos, aliados na luta em defesa dos povos da floresta...Uma luta que ainda não terminou. Ele se metia nos matos e minha casa passou a ser seu endereço para correspondência. De onde estivesse, me escrevia cartas falando dos problemas e dificuldades que encontrava.
A partir de 1977 tornou-se repórter e redator especial do alternativo Varadouro para produção de textos sobre os índios do Acre. E dentro da redação do jornal criou com outras pessoas a Comissão Pró-Índio do Acre, que se transformou na prestigiada ONG acreana que todos reconhecem.
Em 1996 recebi um exemplar do livro “Kaxinawa do Rio Jordão –História, Território, Economia e Desenvolvimento Sustentado”, que ele escreveu em parceria com o Marcelo Piedrafita Iglesias.
Na dedicatória me trata de “Rutin” (irmão mais velho na linguagem dos Kaxis) afirmando: “Você foi a pessoa que me fez ficar aqui no Acre por esses longos anos”.
E acrescenta, avaliando sua própria obra: “Às vezes penso que escrevo para espíritos que ainda vão ser encarnados”.
Vida longa para você, Txai Terri!

Posted by por AMC on 16:21. Filed under , , , , . You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Feel free to leave a response

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