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Entrevista a António Zambujo: «Minha aproximação com o Brasil é cada vez maior»

O cantor português António Zambujo, 37 anos, lança o disco "Quinto": "O que eu faço, eventualmente, será um cool fado. Sempre foi essa linha que me influenciou enquanto cantor. Depois do Chet Baker, veio o João Gilberto, o Caetano Veloso"

António Zambujo: "70% dos portugueses ainda estão com a gravata apertada"
O cantor António Zambujo chega ao disco "Quinto", a ser lançado em abril, em Portugal, não apenas com a guitarra de renovador do fado - na mesma intensidade, notabiliza-se como um aproximador dessa tradição com o repertório da música popular brasileira. Nascido em Beja, no Alentejo, em 1975, Zambujo imprime um cool fado desde o álbum "Outro sentido", o início de sua transição musical. Influenciado por Chet Baker e João Gilberto, ele faz uma arriscada e até há pouco improvável ponte entre a Bossa Nova e um gênero historicamente marcado por suas cantoras viscerais, como Amália Rodrigues.
Nesta entrevista a Terra Magazine, António Zambujo recompõe sua trajetória profissional - estudou clarinete a partir dos 8 anos - e relata seus diálogos com músicos brasileiros, de Rodrigo Maranhão a Ivan Lins, de Moreno Veloso a Marcelo Camelo. Com este último já engatilhou uma parceria e pretende desenvolver um projeto de disco, que reunirá ainda Miguel Araújo Jorge.
- Apaixonei-me pela música brasileira a primeira vez que ouvi o João Gilberto. Quando ouvi João Gilberto, tive vontade de conhecer toda a origem, até um pouco antes da Bossa Nova, os movimentos que a sucederam, a música que vinha lá atrás, com Orlando Silva, Pixinguinha, Cartola, Adoniran Barbosa - Zambujo relata.
Admirador de Vinicius de Moraes, ele já gravou "Apelo", "Quanto tu passas por mim" e "Poema dos olhos da amada". E aprecia imenso uma mensagem do poeta aos portugueses, gravada no disco "Amália/Vinicius", no qual o visitante confessa sua "impressão de tristeza em ver esse povo tão formalizado". "Eu tenho a impressão de que o povo português precisava se desengravatar", declarou o bardo. Quarenta anos depois, Zambujo vibra com esse conselho:
- Eu adoro isso! Eu adoro ele dizer isso! Ele disse em 1969. Nós estamos em 2012 e, não digo todos, mas 70% dos portugueses ainda estão com a gravata apertada!
No começo de sua carreira em Lisboa, o fadista integrou por quatro anos o elenco do musical "Amália", interpretando o papel de Francisco Cruz, o primeiro marido da cantora. Pertencente a uma geração que procura modernizar o fado, António Zambujo reconhece a grandeza da artista:
- A Amália funcionava um pouco como eucalipto. Ela estava lá enquanto tudo à volta secava. Acho que não é propositado. Acho que isso, de fato, aconteceu, mas só aconteceu porque Amália tinha uma dimensão fora do comum. Nem sei se existe alguma coisa que se possa comparar no mundo. Porque ela tinha uma qualidade artística. Ela cantava e escrevia os poemas, fazias músicas, fazia tudo.
Provocado sobre os impactos da internet na indústria fonográfica, principalmente após o alastramento do download de músicas, Zambujo defende o conceito de álbum e acredita que ele não será alterado, na essência, pelas novidades tecnológicas.
- Ah, eu acho que nunca vai acabar. Nesse aspecto, é como eu te digo: como ouvinte, gosto de ouvir o disco, não gosto de uma música como nas tais coletâneas. E, como músico, gosto de imaginar um disco como um todo. Não gosto de imaginar faixa a faixa. Uma disco é um conjunto de músicas. Faz sentido naquela ordem, existe uma razão para isso - expõe.
A entrevista ocorreu no apartamento do fadista no Chiado, em Lisboa, a poucos metros da praça Luis de Camões, no final de janeiro. Risonho e provocador, ele não se esquiva de criticar os "ortodoxos" do fado. "A ideia que eu tenho é que talvez tivessem pensado que a minha ideia era desvirtuar o que já tinha sido feito há 50, 60 anos atrás em Portugal".

[ENTREVISTA]

Terra Magazine - Nos seus últimos discos, você tem dialogado com a música brasileira, trazendo-a, incorporando-a à tradição do fado...
António Zambujo - Mais ou menos as duas coisas. Para lá e para cá.

Como surgiu essa ideia de aproximar as duas tradições?
Sempre fui muito influenciado pela música brasileira. Aliás, se vocês forem ver os meus discos e os meus filmes, tem muitas coisas. O documentário do Vinicius, um monte de DVDs do Chico (Buarque), concertos do (Gilberto) Gil... Apaixonei-me pela música brasileira a primeira vez que ouvi o João Gilberto. Quando ouvi João Gilberto, tive vontade de conhecer toda a origem, até um pouco antes da Bossa Nova, os movimentos que a sucederam, a música que vinha lá atrás, com Orlando Silva, Pixinguinha, Cartola, Adoniran Barbosa. Uma série de compositores que eu tive curiosidade de conhecer. A partir daí, fui descobrindo. E tem muitos discos de músicos atuais, que fizeram uma série de discos retrospectivos, com novas orquestrações. Me lembro de um disco que eu gostei imenso, de Zé Renato, com orquestrações do Wagner Tiso, que se chamava "Memorial". Tocaram muitas músicas antigas...

Zé Renato se vinculou também ao repertório de Cartola.
Sim, e tinha Cândido das Neves, do princípio do choro, Pixinguinha... A partir daí fui me interessando. E descobri uma coisa. O português, hoje em dia, se nós ouvirmos um disco brasileiro, percebe-se que existe uma diferença maior entre as línguas. Ou seja, para cantar uma coisa de um compositor com que tenho compartilhado coisas, ultimamente - o Ivan Lins, o Rodrigo Maranhão, o Marcelo Camelo, o Pedro Luis - algumas letras que eles me mandam têm que ser feitas algumas retificações, para que seja possível serem cantadas em português de Portugal.

Como assim?
Vocês dizem: "Me leve". Nós dizemos: "Leve-me". Alguns acertos gramaticais, que no vosso caso ficam corretos, mas em Portugal ficam um pouco estranho, pois não temos o hábito de dizer. Em algumas frases fará sentido, mas em geral não dizemos. São pequenas alterações que precisam ser feitas. Mas, as músicas dessa altura (de décadas atrás), serem cantadas no português do Brasil ou português de Portugal, ficam exatamente iguais. Utilizam um português mais arcaico, mais obsoleto, que não se diz mais nem lá nem cá, mas que fazem sentido na música. Daí eu comecei a ter vontade de recriar algumas dessas coisas.

Você se aproximou muito de Vinicius de Moraes. Ele tem algo em comum com a cultura portuguesa, que é uma alma lírica mais aguçada. O Brasil teve um movimento modernista que praticamente reprimiu o lirismo.
Mas tem outros artistas que, ao menos, tentam aproximar-se dessa forma de escrita. O Vinicius é assumidamente influenciado pelo Fernando Pessoa, por Camões, ou seja, fica mais fácil. Há uma música que eu toquei no último disco, o "Apelo". Se calhar, ele conseguiu fazer um fado tradicional, porque depois tirei a música original do Baden Powell daquela letra e colocamos na estrutura de um fado tradicional. Musicamos e encaixa à perfeição. Portanto, ele conseguiu fazer coisas inacreditáveis, com quase tudo que fez. Era inevitável para mim aproximar-me do Vinicius. Aproximar-me da música brasileira e não me aproximar de Vinicius seria impossível.

Sua relação com a Bossa Nova é bastante destacada quando avaliam seus discos...
O João Gilberto... Nem é preciso explicar mais. Eu tento seguir uma estética musical que vem desde o tempo do Chet Baker, desde aqueles cantores...

Do cool.
O cool jazz. A Bossa Nova acaba sendo um cool choro... O que eu faço, eventualmente, será um cool fado. Sempre foi essa linha que me influenciou enquanto cantor. Depois do Chet Baker, veio o João Gilberto, o Caetano Veloso, mais tarde comecei a me interessar mais por jazz e pela música anglo-saxônica. A época dos crooners, o Frank Sinatra, o Tony Benett, Bing Crosby, Nat King Cole. Tudo isso acaba por influenciar muito a música que eu faço, mas interesso-me muito mais pela música cantada em português no Brasil e na África. Sou apaixonado pelas mornas de Cabo Verde.

Em Portugal, como seus discos foram recebidos? Porque você faz um fado muito diferente do que é feito. Houve resistência?
No princípio houve um pouco. Eu acho que houve uma certa resistência porque os ortodoxos do fado devem ter julgado... Não sei o que eles pensaram. Porque eu fiz o meu primeiro disco com fados tradicionais. Ou seja, ainda sem essas influências. Foi um disco bem aceito aqui no mercado interno, mas é um disco que nem sequer foi vendido para fora de Portugal. Internamente, foi muito bem aceito. As críticas foram muito boas e a expectativa para o segundo disco era alta. Só que na altura eu conheci o Chet Baker e conheci o João Gilberto, e o disco já nasceu completamente diferente do que as pessoas esperavam. Foi um choque porque foi um corte radical. O primeiro disco saiu em 2002 e o segundo disco em 2004, já completamente diferente. A ideia que eu tenho é que talvez tivessem pensado que a minha ideia era desvirtuar o que já tinha sido feito há 50, 60 anos atrás em Portugal. E no Brasil acontece muito isso. Vocês falam que são um país muito moderno, mas eu sei o que às vezes acontece quando alguém quer fazer alguma coisa diferente.

João Gilberto mesmo. Até hoje é atacado.
Como acontece com Caetano Veloso, com os últimos discos. Caetano fez o "Cê"... É por isso que o admiro. Caetano sabe que as pessoas gostam de ver um show voz e violão, aquelas coisas, mas eu acho que o artista tem que se autodesafiar de vez em quando, tem que fazer coisas novas.

Em Lisboa, o circuito do fado é purista?
Existe um circuito do fado ortodoxo e existe um circuito do fado, como poderíamos chamar?, pós-modernista. Não sei se será a palavra certa, mas vanguardista sim. Nesse circuito existe uma cantora muito interessante, que se chama Cristina Branco. Não sei se vocês conhecem...

Já se apresentou no Teatro Castro Alves, em Salvador, anos atrás. Fez um show excelente.
Ela faz umas coisas diferentes, com outras influências. Tem muita influência do Brasil, mas também da música do centro da Europa.

E da Amália Rodrigues, no início, não?
Um pouco também. A própria Amália, nos anos 70... Veja o ridículo do país que nós vivíamos na altura, durante a ditadura. Veio um compositor francês para fazer músicas para Amália e que foi determinante para a carreira dela, Alain Oulmain. Influenciou. O fado, inicialmente, é escrito por poetas populares. Não é nada de erudito. É feito por poetas populares que falam da realidade exclusiva de Lisboa, falam da realidade dos bairros típicos, dos personagens como a mulher que vendia o peixe, o ardina que vendia jornais na rua, o cauteleiro que vendia cautela (bilhete de loteria). Era isso. Então, Amália aparece cantando poetas eruditos.

Alexandre O'Neill...
Camões, Alexandre O'Neill, David Mourão-Ferreira, Pedro Homem de Melo, a vossa Cecília Meireles...

E fez um disco com Vinicius.
Com Vinicius. Nessa altura, foi um escândalo em Portugal, porque diziam que cantar Camões, Fernando Pessoa e outros poetas eruditos, era um atentado à cultura de um País.

Um atentado a essa tradição literária ou ao fado?
À tradição literária. Para os poetas eruditos, o fado era considerado uma música inferior, onde era impensável e impossível pôr esses poetas eruditos numa música tão reles.

E foi também o caso de Vinicius de Moraes, que, aos olhos de muitos, se apequenou porque foi para a música popular.
Exato. Quando ele começou, era considerado um poeta erudito de grande potencial, e depois não. A história do Vinicius está no documentário. Ele recebe influência erudita do pai e popular da mãe. Então, ele sempre andou ali meio no limbo. Optou pelo que gostaria de fazer. Aqui em Portugal é assim também. E é cíclico. Sempre que alguém tenta mexer em alguma coisa que está bem aceita, há sempre reação.



Do seu primeiro disco para o último, seu modo de cantar muda bastante.
Completamente. O primeiro disco ("O mesmo fado"), salvo algumas exceções, é aquela vontade de fazer o primeiro disco, não interessa o que vai cantar. Quero ter um registro. Tem medo de morrer e não ficar nada registrado! Então, tem que fazer um disco. Foi mais ou menos assim que aconteceu. Eu estava junto de alguns poetas populares, que escreveram poemas, os músicos com quem tocava foram para o estúdio. Ou seja, foi um disco pouco criterioso. Um disco não é nada mais que isso. É um registro do momento. Aquilo era o meu momento. Em 2004 já era um momento completamente diferente. E agora o último disco, que vai sair em abril. É o registro deste momento. Daqui a um ano ou dois, quando fizer o próximo disco, se calhar já será diferente. Nunca se sabe.

Sai um disco seu agora em abril?
Sim.

Você pode adiantar o repertório?
Os autores, eu normalmente gosto de ter alguma estabilidade no processo criativo. Desde o "Outro sentido", quando comecei a ter uma ligação maior com o Brasil e outros países lusófonos, comecei a conhecer pessoas que me interessavam. No caso do Brasil, o Pedro Luís, o Rodrigo Maranhão, o Marcelo Camelo, o Zé Renato, o Ivan Lins, o Moreno Veloso, a Roberta Sá, a Vanessa da Matta...

Marcelo Camelo outro dia disse que tinha vontade de morar aqui em Lisboa.
(ri) Nesta casa, quem morou antes de eu vir para cá foi o irmão dele, o Thiago (Camelo). Recebeu uma bolsa para escrever um romance em Lisboa. Morou aqui durante quatro ou cinco meses.

Qual foi seu percurso? Você saiu com quantos anos de sua cidade?
Eu saí muito tarde. Morei no Alentejo, em Beja concretamente, desde que nasci até o ano 2000. Vim para Lisboa com 25 anos. Beja tem conservatório, fiz o conservatório lá, fiz os estudos lá e quando vim para Lisboa já estava preparado para entrar no mercado. Vim para Lisboa porque recebi um convite para participar do elenco de uma peça de teatro, que foi preparada sobre a vida de Amália Rodrigues. Convidaram para uma audição. Eu vim, cantei, depois me convidaram para ficar. Tive que permanecer definitivamente em Lisboa. Fui para o teatro, fui conhecendo a realidade dessas casas de fado, as pessoas do meio fadista, essas coisas assim. Fui me dando conhecer, porque ninguém tinha ouvido falar de mim. Pouco tempo depois surgiu o convite para preparar o tal primeiro disco, que foi gravado durante 2001 e foi lançado em 2002. Foi assim. A peça durou até 2004.

Quantos anos em cartaz?
Quatro anos.

E você, permanentemente nela?
Eu não estive durante... Eles fizeram uma pequena digressão pelo centro da Europa, França, Bélgica, Luxemburgo, Suíça, para apresentar à comunidade portuguesa desses países. Nessa altura eu não fui porque coincidiu com o lançamento do meu disco cá. Foi uma peça de teatro que bateu todos os recordes, com o maior número de apresentações, mais de mil apresentações...

Com que frequência?
De terça a domingo, num teatro com 700 lugares. O Teatro Politeama.

No Brasil se fala muito de um reflorescimento do fado, de um momento bom, que rejuvenesceu e tem novos artistas como você. Quando você começou, como andava o fado? Vivia um momento bom?
Estava a começar esse movimento. Já existiam alguns indícios de que alguma coisa iria acontecer. Lisboa foi a capital europeia da cultura em 1994. E já foi dada uma grande relevância ao fado, já com novos intérpretes. Foi quando apareceu Mísia, Camené, Mafalda Arnaulth... Foram os primeiros que começaram a surgir dessa geração. Camené é um pouco mais velho, mas em 1994 começou também a aparecer com mais destaque. Em 2000, aparece a Marisa. Aí muda tudo. Eu acho que ela não gravou em 2000, mas começou a aparecer em 2000 e as pessoas começaram a perceber que era uma coisa diferente, que seria uma coisa com muito peso na história do fado. A Marisa começou a aparecer a conta-gotas. E começaram a aparecer pessoas interessantes. A Ana Moura, uma cantora que eu gosto muito, a Cristina Branco também... Eu, apesar de ter um primeiro disco, a essa altura, não considero que tenha alguma relevância. As coisas começam a ter importância a partir do momento que começam a ser conquistado dos tais puristas e ortodoxos. Só aí que o resto do público começa a querer prestar atenção à música que nós fazíamos. Para além desses todos, começa a aparecer uma série de gente, uns a agradar os tais ortodoxos, outros a agradar aos vanguardistas.

"Seu momento" acontece a partir de "Outro sentido"?
Acho que a afirmação é sim. Apesar de o anterior, "Por meu cante", já começava a ter algumas coisas interessantes. "Outro sentido" foi o que definiu mais, foi o que marcou mais o meu momento de fazer concertos em teatros grandes, de fazer turnês internacionais, essas coisas todas.

E sua presença se aprofunda aí?
Nessa altura. Por uma série de fatores que ajudaram bastante. Por exemplo, eu estava a tocar numa casa de fados, Sr. Vinho, onde começavam a surgir algumas pessoas que vinham do Brasil passar férias em Portugal e que no Brasil já tinham ouvido falar no Zambujo, queriam conhecer. Entre muitas dessas pessoas, apareceu a jornalista Marília Gabriela, que estava cá a apresentar uma peça de teatro e me ouviu lá no Sr. Vinho. Resolveu comprar alguns dos meus discos na Fnac e ofereceu a Caetano Veloso. E o Caetano Veloso escreveu uma crônica, num blog (Obra em Progresso), que foi vista logo por muita gente. O produtor que nos representa lá no Brasil, João Mario Linhares, veio cá com Roberta Sá apresentar o disco dela. Foram lá ao Sr. Vinho, ouviram meu disco também. Ele quis logo editar esse disco no Brasil, quis que eu fosse apresentar o disco. Nosso primeiro concerto foi no espaço Tom Jobim, no Jardim Botânico. Em 2008. A essa altura, já tinha saído isso do Caetano, depois chegamos ao Brasil e fomos convidados a participar do programa do Jô. Depois, a seguir, fui dar um beijo na boca da Hebe Camargo... (risos)

Um selinho...
Depois eu fui a Marília Gabriela, onde fizemos uma coisa muito interessante, onde eu conheci a Vanessa da Matta, que estava a participar desse programa. Tudo aconteceu nessa altura. Quando eu chego ao Rio de Janeiro, apesar de nunca ter tocado lá, percebi que já havia muita gente que me conhecia. No meu concerto no Rio de Janeiro, estavam assistindo João Bosco, Milton Nascimento, Ney Matogrosso, Roberta Sá participou, tocou Yamandu Costa conosco, o Trio Madeira Brasil... Ou seja, foi uma coisa assim que nem nós esperávamos que pudesse acontecer. A partir daí as coisas começaram a surgir. Depois tocamos em São Paulo, no Bourbon Street, um espaço de jazz. Sempre duas vezes por ano tiramos uma temporada para ir ao Brasil.

Nesse disco que você lançará em abril, qual vai ser a linha? Você vai se aprofundar no que já vem fazendo?
Um pouco. Vão participar todos os autores que gravamos no "Guia", mas não vamos gravar Vinicius desta vez. O objetivo foi fazer mais temas originais. Então, dos brasileiros, tem uma do Rodrigo Maranhão, tem uma do Marcio Faraco, um compositor brasileiro que está morando na França...

Marcelo Camelo?
Não. Trocamos algumas músicas, mas isso ficou para outro projeto que nós temos.

Você pode falar mais um pouco sobre esse projeto ou é embrionário?
Isso foi mais ou menos falado. A ideia era criar a base de um projeto com três vozes e três violões. Seria eu, Marcelo e um músico português que também participa deste disco, é autor, Miguel Araújo Jorge. A ideia era fazer um projeto com temas originais nossos para apresentar num formato diferente daquele que eu tenho, que o Miguel tem... Miguel está numa fase de transição, tem uma banda de pop/rock. Seria um concerto acústico com os três. Isso é interessante. Em função de nossas disponibilidades, nós vamos preparando com calma. Já temos o suficiente para gravar um disco, é só arranjar um tempinho para entrar no estúdio.

Essas trocas aconteceram como? Pela internet? Como você conheceu o Camelo?
Eu já era fã dele. O disco dele "Sou" foi muito importante na altura que nós gravamos o "Outro sentido", o "Guia". O "Sou" era um disco que eu tinha muito na cabeça, que eu adorava. E adoro. Depois, quando eu estava no Brasil, soube que o Marcelo Camelo me conhecia, já tinha ouvido minha música. E ele foi ouvir o primeiro concerto em São Paulo, no Bourbon. Conversamos, trocamos ideias. Nos encontramos no Rio de Janeiro e agora aqui em Lisboa. A ideia é aprofundar essa relação, já que existe uma admiração mútua. É colocá-la em concerto e ao vivo.

Como você pesquisa a música brasileira? Quais são os caminhos?
Olha, eu compro muito disco e, cada vez que vou ao Brasil... Vocês tem uma coisa que é muito interessante. Quando eu termino um concerto no Rio de Janeiro ou em São Paulo, mais no Rio, quando eu vou voltar para o hotel já não tenho espaço para guardar tanto disco! Porque os músicos que vão ao concerto me oferecem os discos! (risos) Aí eu conheci coisas muito interessantes. Por exemplo, agora eu participei do disco de um músico brasileiro, André Mehmari. Foi assim que nos conhecemos. Ele foi a um concerto meu, deu-me um disco dele com Hamilton de Holanda. Depois ele disse que gostaria que eu cantasse no disco dele, é uma música também que eu toco com Hamilton de Holanda. Wagner Tiso, eu também conheci no final de um show. Jaques Morelenbaum, José Miguel Wisnik... E sempre acontece isso: "Aqui o meu disco...". E tem pessoas amigas, o Moreno, o Marcelo, uma série de músicos que vez em quando me mandam um link: "Você vai gostar disso".

 
O fadista António Zambujo acredita que o conceito de "álbum" não vai acabar: "Gosto de imaginar um disco como um todo. Não gosto de imaginar faixa a faixa. Uma disco é um conjunto de músicas. Faz sentido naquela ordem, existe uma razão para isso".

Você falou de seus álbuns, dos conceitos dos seus álbuns, mas no Brasil existe uma discussão sobre a desconstrução desssa ideia, com a possibilidade de você baixar as músicas pela internet. Isso lhe afeta?
Eu, ultimamente, é só o que faço. Eu baixo, comprando, como é óbvio, principalmente no iTunes. Comecei a comprar. Já é difícil comprar aqui em Portugal. As lojas já não se oferecem como uma alternativa, porque se tu quiseres um disco de uma coisa diferente é difícil de comprar. Só existe a Fnac, é verdade. É a única loja com relevância. Mas, se você vai à Fnac e voltar seis meses depois, a seção de discos é cada vez mais pequena, mais pequena.

E acabou aquela tradição de o vendedor conhecer o produto, indicar...
Estás a falar daquela lojinha de bairro, pequena e tal? Não há mesmo. Na Fnac eles sabem do que nós falamos. Se você for à Fnac falar de uma cantora que você pensa que eles nunca ouviram falar, uma cantora que cantou num festival de World Music na Suécia... É impossível encontrar. A única hipótese é o iTunes. É o que tenho feito.

Mas essa situação afeta o modo de você conceber seu trabalho?
Não.

Você continua acreditando no formato do álbum?
Mesmo no iTunes o disco está lá todo pra vender. Normalmente é raro você comprar uma música individual. O disco tem um conceito estético. É claro que destaca-se uma música ou outra, mas o disco destaca-se pelo seu todo. É como você comprar um quadro e só comprar um canto do quadro. Ou como se você comprasse um filme e só tivesse um extra. Um disco são as músicas todas. Pelo menos eu acho. As pessoas de quem eu gosto e compro os discos, os discos contam uma história, faz sentido a faixa 3 estar no número 3, porque vem depois da 2, antes da 4. Faz sentido ali. Existe uma sequência lógica. Se comprares a música individual, a música pode ser muito boa, mas não terá tanto força...

Ela sai de um conceito?
Eu acho que sim.

Gilberto Gil tem uma posição bem diferente dessa sua e de outros músicos. Ele acha que os garotos, na hora da audição, não estão mais ligados na ordem do disco ou no conceito do álbum, eles vão ouvindo numa sequência que não é mais a do autor. Esse modelo de álbum...
Ah, eu acho que nunca vai acabar. Nesse aspecto, é como eu te digo: como ouvinte, gosto de ouvir o disco, não gosto de uma música como nas tais coletâneas. E, como músico, gosto de imaginar um disco como um todo. Não gosto de imaginar faixa a faixa. Uma disco é um conjunto de músicas. Faz sentido naquela ordem, existe uma razão para isso. Não sei. Também pode ser por uma ignorância minha. Não estou muito a par do que as outras pessoas fazem, por que elas fazem... Temos ali uma ouvinte de música e podemos perguntar: Raquel, você compra um disco e ouves o disco todo, ou não te importa ouvir faixa a faixa? ("No iTunes?", pergunta Raquel). Sim. ("Posso comprar só aquelas que gosto", responde). (risos) Sou eu que estou errado! (risos) Eu gosto assim, não gosto de imaginar faixa a faixa.

Para o criador, é muito difícil aceitar que a concepção da obra, enfeixada num disco, não é mais vista como tal?
Quer dizer, nós temos que nos adaptar. Se as exigências do mercado forem essas, tem que existir um período de adaptação e, nessa altura, tem que se pensar de outra forma. Não sei. Não me imagino a fazer isso. Sinceramente. Mas, eventualmente, num futuro próximo, as coisas mudam muito. Como a música. A minha música há dez anos atrás era completamente diferente da que faço hoje. Não faço idéia.

António, aquela música "Em quatro Luas" é uma composição sua...
É.

No novo disco, vai ter composição sua?
Umas três inéditas. Poemas do João Monge, Maria do Rosário Pedreira...

E letras, você nunca fez?
Nunca fiz. Talvez por ter parceiros tão bons, nunca senti necessidade de me esforçar para tentar fazer o que quer que seja. O que fazem pra mim é sempre muito bom. É difícil eu fazer melhor que eles.

É uma tradição do fado? De que os poetas e os grandes intérpretes não são a mesma pessoa?
Em algumas canções, tem sim. Mas, em regra geral, quem canta não escreve. E vice-versa. Eu gosto de fazer música.

Como você vê a evolução das relações culturais entre Brasil e Portugal? A impressão que a gente tem, no Brasil, é que o jornalismo e as pessoas de uma maneira geral não acompanham a cultura portuguesa com muita frequência.
É natural, eu acho natural.

Por quê?
Vocês tem tanta coisa pra se preocupar lá! (risos) Tem tanta música, tem tantos músicos... O Brasil tem tudo, a maior parte da música de lá é de boa qualidade. E é natural que o mercado esteja mais virado pra dentro e seja difícil conseguir entrar lá.

Mas não é estranho que a língua portuguesa não integre tanto o mundo lusófono?
Eu estranho um pouco...

Talvez não seja o seu caso, ultimamente.
Sim, no meu caso tem existido uma aproximação e é cada vez maior. Em 2012 temos o ano de Portugal no Brasil. Já estão preparados eventos, as coisas ainda estão muito vagas, não sei o que vai acontecer, mas sei que vai acontecer qualquer coisa já. O que tem que se fazer para que isso resulte em aproximação pela língua e pela cultura é nos tocarmos lá e os de lá tocarem cá.

Mas, da parte de Portugal, há mais interesse pelo Brasil.
(Sinaliza, indicando que não é bem assim).

Mais ou menos?
Mais ou menos. Quem é que vem a Portugal e enche salas? À exceção daquela horrível, aquela música "assim você me pega"...

"Ai se eu te pego!".
Vai fazer concerto aqui, está em primeiro lugar nas vendas. É uma loucura! Porque Cristiano Ronaldo dançou aí num jogo de futebol... Mas, tirando essas exceções, em Portugal, seguro de casa cheia é Chico Buarque, Caetano Veloso, Milton Nascimento e Gilberto Gil.

E Maria Bethânia.
Bethânia também. Gal (Costa), Simone... Mas são os consagrados. Por exemplo, o Marcelo Camelo, que é um músico incrível, sei que muita gente adora, tocou aqui em Lisboa para uma sala de 200 pessoas. Ou seja, ainda são nichos no mercado. São coisas muito pequenas. É um número de público muito reduzido que vai aos concertos. Tirando os consagrados... É incomparavelmente mais caro do que lá (no Brasil).

E é uma aproximação mais da cultura de massa, das telenovelas?
É muito isso, as músicas que passam na novela, alguns artistas que atingem uma notoriedade por algum motivo. Por exemplo, a Maria Gadú fez esse disco com Caetano e já vai fazer show em algumas salas com dimensão. Ela vendeu bastante cá. Vanessa da Matta tem bastante público em Portugal desde aquele dueto com Ben Harper...

Chato aquilo, né? (risos)
São pequenas exceções. No geral, se você vai fazer o circuito no Bairro Alto, em algumas salas, tem músicos brasileiros a tocar. Certeza absoluta.

Mesmo o fado, em suas diferentes ramificações, tem diferentes tipos de público. O fado tradicional tem penetração entre o público jovem?
Agora já vai tendo, sabe? Imagina, no caso da Marisa, da Cristina Branco... O disco de Marisa de maior sucesso aqui em Portugal é o disco que ela fez com Jaques Morelenbaum, o "Transparente", que é um disco incrível. Nessa altura ela fez um concerto cá. Um grande concerto. Um concerto de fado para 40 mil pessoas, junto à Torre de Belém, nos jardins dali. Eu acho que a partir dali... Apesar de não ser tradicional, as pessoas ouvem e dizem: "Isso é interessante, como será o tradicional?". E sentem vontade de ouvir. Camené é um fadista tradicional, tem um imenso público, já enche o Coliseu. Carminho é uma fadista tradicional e já enche o Coliseu. Ela tem um timbre assim rouco...

Ela canta com muita paixão, né?
O Ricardo Ribeiro, já ouviste? Fisicamente, e com a voz, é muito parecido com... Como se chama aquele cantor brasileiro? Enorme...

Tim Maia?
Tim Maia! (risos) Tem um vozeirão incrível.


E as cantoras de fado? Quais as que você ouve e que estão próximas de seu trabalho?
Próximas não estão, mas eu gosto muito dos projetos da Cristina Branco, da Ana Moura, da Carminho e, depois, gosto muito do Camané e do Ricardo Ribeiro. São os cinco que eu gosto mais de ouvir. E que eu acho que têm os projetos mais interessantes.

Numa tasca em Alfama, tinha a Carminho e outras cantoras de fado, super-desimpedidas, cantando ali... É "Fado da Bela", uma casa de dois anos. Uma coisa improvisada. Carminho parecia como qualquer outra cantora que estava ali. Não tem uma rigidez. Ainda há muita liberdade desse universo do fado, não?
Começou a ser criado esse universo paralelo das casas, alternativo, para escutar fado. Porque antigamente tudo era resumido às casas de fado. E, hoje em dia, as casas de fado não têm qualidade artística. Como posso explicar isso, de maneira que os puristas do fado não... (risos) Quem canta nas casas de fado são fadistas já velhos, que veem aquilo como um trabalho - e uma arte não pode nunca ser pensada como um trabalho, aí começa errado - e depois as casas de fado querem manter...

Um folclore?
Um folclore, que é de uma decadência horrível. Mas querem manter um glamour que existia nos anos sessenta. Esse glamour, hoje, parece decadente. Já não faz sentido você ficar num restaurante fino a ouvir fados com um empregado de gravata. É tudo muito caro. Tu pagas muito caro. Se queres ir a uma casa de fado, aqui no Bairro Alto, regra geral, pois há sempre exceções à regra... Se eu sair de minha casa agora para ir a uma casa de fado, não saio de lá satisfeito. Ouves má música, músicos maus e com pouca vontade de tocar. Ouves fadistas maus e com pouca vontade de cantar. Tens um mau serviço de restaurante. E, no final, paga cento e tais euros por cada refeição. Ou seja, é tudo muito caro e o serviço não é bom. Há exceções! Há casas de fado muito boas, com bom elenco que se renova. Por exemplo, o Clube do Fado, em Alfama, uma casa em que pagas caro, mas que tem qualidade. "Sr. Vinho" também... Agora já não tem mais tanta qualidade, porque não estou lá a cantar! (risos) São casas que fazem questão de ter uma certa qualidade artística e também como restaurante, com uma boa cozinha.

Essa geração que renovou o fado nasceu desse outro movimento, de fado vadio?
Na verdade, quando eu vim para Lisboa, o sítio que eu ia mais vezes era uma casa desse gênero: o Bacalhau de Molho. Era assim. Os fadistas mais novos, da minha idade, que já cantavam em casas de fado tradicionais, quando terminavam de cantar nessas casas tradicionais, iam lá e lá então eles se divertiam, bebiam, conversavam... Aprendia-se muito da história dos fados tradicionais. Foi nesse ambiente que comecei a tocar no violão os fados, porque via como é que eles tocavam. E havia disponibilidade deles para ensinar.

Você vê isso como uma geração? É algo fechado? Você se integra a uma geração?
Eu acho que é um trabalho individual que, no fim, todos sairão a ganhar com isso. Mas não existe, acho eu, um trabalho de equipe, pensado...

Um movimento?
Não existe um movimento, uma Tropicália. Não existe nada disso. O que existe, sim, é uma série de pessoas que, com muita qualidade musical, cada um vai criando o seu público... Se calhar, quando o público ouve a mim, vai se interessar por Camené, Ricardo Ribeiro, Ana Moura, Carminho... E vice-versa. Os públicos vão se cruzando. É claro que há coisas pontuais que vão surgindo. Nas festas de Lisboa, vou cantar com Ana Moura ou com Carminho, vamos fazer concertos juntos e com Milton Nascimento, no final de junho. As festas de Lisboa são no mês de junho. Vamos fazer o concerto do encerramento.

Tem a ver com o São João, como no Brasil?
Em Lisboa é Santo Antonio. O dia de Santo Antônio é 13 de junho. São Pedro é 27. Mas tem, tem a ver com os santos de Portugal... Vai ter muitas festividade, concertos no Castelo São Jorge, shows no Museu do Fado, arraiais para as pessoas dançarem em vários sitios, principalmente nos bairros típicos.

A Amália, durante muito tempo, ajudou a afirmar o fado mundialmente. Mas, durante décadas, ela não projetou uma sombra sobre os novos fadistas?
Confesso que não sei. Mas a ideia que eu tenho, coincidência ou não, a Amália funcionava um pouco como eucalipto. Ela estava lá enquanto tudo à volta secava. Acho que não é propositado. Acho que isso, de fato, aconteceu, mas só aconteceu porque Amália tinha uma dimensão fora do comum. Nem sei se existe alguma coisa que se possa comparar no mundo. Porque ela tinha uma qualidade artística. Ela cantava e escrevia os poemas, fazias músicas, fazia tudo. Não fazia tudo em todos os discos. Mais pro fim da vida, até fez um disco só com os poemas dela.

Ela era aberta aos outros fadistas? Fazia saraus...
Era mais com poetas. Há um disco gravado dela com Vinicius. Com David Mourão-Ferreira, Ary dos Santos... Tenho esse disco aí.

Vinicius gravou nele o "Poema dos olhos da amada", que você regravou.
Nesse disco ele gravou uma música feita para Amália, "Saudades do Brasil em Portugal".

Linda música. Vinicius diz numa das gravações que o português precisava tirar a gravata...
Eu adoro isso! Eu adoro ele dizer isso! Ele disse em 1969. Nós estamos em 2012 e, não digo todos, mas 70% dos portugueses ainda estão com a gravata apertada! (risos)

Em Portugal, só se fala em crise econômica. Nas TVs, nas ruas, nos jornais... Você acompanha essas questões políticas?
Claro que, como cidadão, me interesso. O que sei é através dos jornais e do que vejo na televisão, nas notícias. O que está a acontecer, hoje em dia, é claro que a culpa é de quem gere. Mas, neste momento, não há nada a fazer, não adianta culpar quem lá está, porque as medidas são inevitáveis. Portugal tem aquela coisa: desde o 25 de abril, apesar de existirem outros partidos, parece que o poder é bola de ping-pong: quatro anos no PSD, quatro anos no PS, quatro anos no PSD... É assim o tempo todo. Eu acho que as coisas precisam ter tempo para amadurecer. O que esse governo está a fazer, qualquer governo que lá estivesse, fosse o PS, a esquerda, a extrema esquerda, a extrema direita, teria que tomar essas medidas. São erros do passado. Erros graves.
Foi um deslumbramento grande quando Portugal entrou para a União Europeia e começou a receber aqueles subsídios todos. Achavam que recebiam esses subsídios e não precisavam trabalhar para produzir. Mas o dinheiro acaba. É o que está a acontecer agora. Há o endividamento das famílias, há uma série de fatores. Estava aqui a ver a greve dos transportes públicos... Não é esta a solução. Em vez de as pessoas estarem sempre a responsabilizar o poder, nós é que temos que assumir nossa responsabilidade individual. Os fadistas trabalham individualmente, mas, no fim, acaba sendo igual para todos, porque todos tentam durar em termos de qualidade. Isso faz com que o público se interesse mais. Cada um tem que assumir a sua responsabilidade e tentar produzir um pouco mais, tentar fazer um pouco mais, tentar fazer com que o País enriqueça. É esta a solução.

Literariamente, do que você se nutre para seu trabalho? Lê poesia, romance?
Eu leio muita coisa. Sei lá. O último livro que eu li foi o "Milagrário Pessoal", de José Eduardo Agualusa. Leio muita coisa, não tenho assim autores de eleição. Gosto muito de ler poesia, não só poetas de língua portuguesa, mas também Pablo Neruda, coisas assim.

Você chegou primeiro ao Vinicius da poesia ou da música?
Logo na altura em que conheci o Vinicius, alguém me ofereceu, ou eu comprei, já não lembro, um livro de crônicas dele, "Para viver um grande amor". Esse foi o primeiro contato mais intenso com Vinicius. A música, eu já conhecia. Já conhecia o João Gilberto, o "Chega de Saudade", aquelas coisas todas. Como escritor, foi esse livro. Depois, o Chico Buarque, gostei muito de "Budapeste". Enfim, literatura é o que vai surgindo, vou lendo. Em Portugal, há uma voga de autores novos: Pedro Paixão, que eu gosto imenso, Gonçalo M. Tavares, valter hugo mãe, Pedro Mexia, Maria do Rosário Pedreira, que escreve também poemas para eu cantar, o Agualusa, o Mia Couto... É um pouco por aí.

Para finalizar, uma informação a mais: qual o nome do disco novo?
Quinto.

Por causa do Quinto Império?
Não, não! (risos) É "Quinto" só. Por uma série de coisas. Tocamos em quinteto, é o meu quinto disco e... Como eu sou António, não sei como funciona lá, mas na escola nós todos temos uma numeração. Eu, por ser Antonio, estava sempre ali no número cinco (risos). Quintilhas é uma forma poética que não é usual, mas, por coincidência, a maior parte dos poetas me mandaram quintilhas. Foi assim pensado e decidiu-se ficar como "Quinto". Também por uma falta de paciência para imaginar nomes para o disco!

O resultado ficou bacana?
Sim, acho que está muito interessante. É um disco com muitos temas originais.

Os fadistas novos estão com essa preocupação de lançar novos compositores?
Sim. Agora sim. De algum tempo pra cá não tanto. Mas, nos últimos três anos, tem acontecido isso. Inclusive os autores têm se aproximado dos fadistas para fazer. O José Luis Peixoto, o valter hugo mãe, o Pedro Paixão... Sei lá, tanta gente. Existe esse interesse em colaborar com a música. O Agualusa escreveu para o meu disco, o "Guia", e escreveu para este. Há uma série de escritores com essa vontade.

* com Claudio Leal e Rodrigo Sombra, em Lisboa
publicado no Terra Magazine (1ª parte e 2ª parte) em 01.03.2012

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