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Vai encerrar a Livraria Portugal, há 70 anos a vender livros no Chiado

A Livraria Portugal, a funcionar há 70 anos na Rua do Carmo, no Chiado, vai encerrar devido à quebra nas vendas, revelou um dos sócios à agência Lusa.
A histórica livraria, que faria 71 anos em maio próximo, chegou a ter 50 funcionários, restando hoje cerca de uma dezena, indicou um dos sócios, António Machado.
A livraria é propriedade da Dias & Andrade Lda, empresa que deverá ceder o espaço a outro negócio dentro de dois meses.
O responsável, que trabalha na Livraria Portugal há quatro décadas, explicou que a situação começou a tornar-se "insustentável com as grandes alterações no mercado livreiro, a quebra das vendas e a insuficiência de meios para pagar as despesas".
"Os livros vendem-se hoje em todo o lado: nas grandes superfícies, na internet, nos correios, a preços e com condições que não podemos acompanhar", referiu.
Dado o agravamento da situação económica, e sobretudo após os maus resultados nas vendas durante o período do Natal, os sócios decidiram há poucos dias, em assembleia-geral, ceder o espaço a outra empresa, na sequência de uma proposta.
"Já passámos por muitas crises ao longo destes anos, mas agora é impossível continuar", lamentou António Machado sobre a livraria generalista, que vende desde romances, livros técnicos a dicionários.
Com dois pisos de exposição no centro histórico de Lisboa, a livraria foi frequentada ao longo de 70 anos por escritores portugueses de renome como Fernando Namora, Aquilino Ribeiro, Jaime Cortesão, entre outros.
"O que me dói mais é que contactámos livreiros para tentar deixar este espaço a quem continue no mesmo negócio, mas nenhum se mostrou interessado", lastimou.
António Machado indicou ainda que o espaço deverá encerrar definitivamente dentro de dois meses e os funcionários serão indemnizados, mas a empresa não irá ser dissolvida, mantendo em sua posse o nome registado de Livraria Portugal.

publicado no Jornal i
[ACTUALIZADA]

Foi fundada há 70 anos por três sócios e era das poucas livrarias com um boletim literário mensal que corria mundo, com as novidades todas no mundo dos livros. No último dia do mês vai fechar as portas para sempre.

Assim como os acidentes nas estradas provocam a curiosidade mórbida de quem passa, também o fim de um negócio de muitos anos atrai gente. Não por curiosidade mórbida mas por solidariedade e indignação pela injustiça da crise.
Na livraria Portugal, no Chiado, em Lisboa, os clientes entram e saem à procura de títulos difíceis de encontrar nas livrarias modernas, escravas da sociedade de consumo rápido que não permite armazenar livros com mais de três anos. Velhos, militares, estudantes, clientes habituais para dois dedos de conversa.
Joaquim Carneiro, livreiro, desabafa a brincar: “Se soubesse que ia ser assim, tinhamos anunciado o fecho mais cedo”, referindo-se ao facto de na última semana ter tido mais receitas do que no mês anterior inteiro.
No dia 29 às 19h00 a Portugal fecha as portas de vez. A partir de dia 6 entra em liquidação total. Fundada há 70 anos por três sócios, Pedro Andrade, Raul Dias e Henrique Pinto, estava, desde os anos 70, já entregue a dez outros sócios, os empregados mais antigos da livraria e chefes de sector.
“A decisão de fechar não foi repentina. Já tinhamos problemas há vários anos, com poucas vendas e pouco público. Os sócios ainda tentaram o meio livreiro, aqueles que poderiam ter interesse nesta casa, mas ninguém quis”, conta Joaquim, que trabalha na Portugal há 48 anos. “Vim menino e moço, passei aqui a adolescência, a juventude. Nunca tive outra vida senão esta”, confessa.
Aos 63 anos espera-o a reforma e as recordações de tantos anos no meio dos livros.
No piso de cima, Maria Germana Ribeiro, de 62 anos, limpa o pó aos livros que irão ser devolvidos às editoras, antes da liquidação total. De bata vestida e pano do pó em riste vai encaixotando títulos, uma tarefa ingrata para quem ali trabalha há 35 anos: “Estamos tristes. Foi uma vida de convívio com colegas, patrões, clientes. Era uma camaradagem muito grande. No outro dia entrou aqui um doutor que disse que quando isto fechasse ia pôr a rua de luto durante um ano. Achei-lhe graça”, diz.
A rua não ficará de luto, mas perderá um centro de cultura: “Era uma fonte de referência e a baixa vai ficar mais pobre. Este era um centro de encontros, onde vinha gente da nossa cultura”, diz Joaquim Carneiro.
A livraria Portugal é generalista e o que a distingue das outras é o facto de não se livrar das edições antigas no que toca à literatura portuguesa só porque sairam novas com capas mais bonitas ou porque o autor já partiu para outra. Isso e o boletim bibliográfico que até aos anos 70 era um luxo de poucas livrarias: “O nosso boletim corria mundo. Tinhamos 11 faculdades americanas que através do boletim ficavam a saber o que saía cá. E nós escolhíamos as novidades mensais para lhes enviar, segundo parâmetros estabelecidos por eles. Davam-nos essa liberdade.”
Causas da Crise à parte a verdade é que é cada vez mais difícil para as pequenas livrarias competirem com as grandes superfícies e empresas. “Agora vendem-se livros a um euro. Alguma coisa está mal. Há muitas edições, edita-se de mais para o consumo que temos. E vendem-se livros em todo o lado, até nos Correios, nas bombas de gasolina...”, diz Joaquim Carneiro evitando usar a expressão “concorrência desleal”.
“Investimos bastante neste Natal e não vendemos. As pessoas procuram os centros comerciais”, continua Joaquim.
Os últimos anos têm sido possíveis graças “aos clientes amigos que continuam a procurar-nos.”

tira teimas
Ao sairmos da livraria Portugal, depois de feitas as despedidas, decidimos ir à Fnac à procura de alguns livros que Joaquim Carneiro destacou. Mãos nos bolsos, escada rolante abaixo e os olhos postos nos cartazes das campanhas de troca que tanta polémica levantaram na internet. Perguntamos a uma das funcionárias o que era feito do célebre “Troque os Maias pela Meyer” e ela indica-nos “deve estar ali no balão”. Não estava. Sobrou apenas “Troque Horas por Milénio”, numa referência à obra de Michael Cunningham e Stieg Larsson. Mas não foi por isso que ali fomos. E antes de nos sentirmos influenciados pelo conforto da loja, superior ao da livraria Portugal, há que admiti-lo, e de nos deixarmos perder entre tantas capas novas e coloridas, pedimos os livros. A lista está na coluna aí ao lado.
Título a título, editora a editora, nenhum foi encontrado. “Antecedentes Criminais”, de Amadeu Baptista? “O Prisioneiro da Torre Velha” de Fernando Campos? “Aparição” de Virgílio Ferreira em capa dura de 1980? “Eu e os Outros” de António Mendes Moreira? A funcionária limitava-se a abanar a cabeça, já aflita, com tanta resposta negativa, repetindo um “com esse nome não me aparece aqui nada”. Mas isso já nós sabíamos.

publicado no  Jornal i 

Nunca vi Natália Correia ao vivo, mas tenho dela uma imagem muito nítida, de cigarro na ponta de uma enorme boquilha, cabelo armado e os gestos fulgurantes a pontuarem uma fala segura e sonora. Encostada ao balcão da Livraria Portugal, Natália Correia perorava sobre a poesia portuguesa, enquanto os clientes da casa, muitos deles escritores, ouviam e rebatiam, ou fingiam não ouvir. É uma memória muito definida, tão definida que não é minha, apesar de integrar sem risco de falsidade maior do que tantas outras o meu acervo pessoal de memórias. É uma memória da minha mãe, que eu ouvi tantas vezes e que imaginei com tanta dedicação que passou a ser minha. E era uma memória da minha avó, caixa na Livraria Portugal durante muitos anos. Na verdade, a Livraria Portugal, onde só entrei mais tarde, quando comecei a vir para Lisboa sozinha (é uma espécie de ritual de passagem suburbano, vir a Lisboa de modo independente), forneceu-me muitas memórias como esta, episódios a que não assisti mas que se colaram ao meu imaginário sem nenhuma diferença relativamente àquilo que se consideram memórias realmente experimentadas: Vergílio Ferreira escolhendo livros na estante, David Mourão-Ferreira parando para respirar, entre livros, o sossego que não lhe dariam as suas muitas pretendentes, os recados que se deixavam, a minha tia trabalhando durante um tempo no andar de cima, aquele que tem as janelas para a rua, os livros que pediam à minha avó para esconder debaixo do balcão, não fosse a PIDE aparecer para os apreender, e que mais tarde eram passados a outra pessoa, a minha mãe, miúda, a espreitar as novidades, abrindo os livros com todo o cuidado e lendo de uma ponta à outra os volumes que não podia comprar, as discussões que por vezes estalavam entre gente das letras, umas vezes motivadas por barricadas estético-literárias, outras por histórias de cama mal contadas. Quando eu comecei a ir à Livraria Portugal já nada disto era assim, claro. A minha avó estava reformada, a minha tia trabalhava noutro sítio e a minha mãe já podia comprar alguns livros; Natália Correia aparecia na televisão, num programa chamado Mátria, David Mourão-Ferreira aparecia com o seu cachimbo na mercearia de uma aldeia onde eu também crescia, e a PIDE, felizmente, já tinha acabado há muito, entre tanques cobertos de gente e cravos que também hão-de ter passado pela Rua do Carmo. Agora, setenta anos depois de abrir as portas, a Livraria Portugal vai ter de fechá-las. A notícia vem em vários jornais, nomeadamente no i, onde António Machado, funcionário da livraria há 40 anos, explica que a situação é “insustentável com as grandes alterações no mercado livreiro, a quebra das vendas e a insuficiência de meios para pagar as despesas”. E diz mais: “Os livros vendem-se hoje em todo o lado: nas grandes superfícies, na internet, nos correios, a preços e com condições que não podemos acompanhar“. Suponho que isto seja o progresso, o mundo a funcionar, o inevitável e blá, blá, blá. Pela minha parte, estou muito triste.

por Sara Figueiredo Costa

É mais uma livraria que fecha portas. Uma livraria histórica, onde em tempos pré-FNAC perambulei entre estantes ajoujadas e a banca das novidades (nem sempre muito recentes). Uma livraria antiga, com cheiro a pó dos livros e uma certa desarrumação que era uma forma de charme, como se o leitor tivesse de ser seduzido pela dificuldade em encontrar a obra pretendida. Sem grande surpresa, um dos sócios explica que a situação «insustentável» se deve às «grandes alterações no mercado livreiro», à «quebra das vendas» e à «insuficiência de meios para pagar as despesas». Enfim, uma receita para o desastre.
Pior ainda: tendo em conta o rumo que as coisas levam, temo bem que outras livrarias históricas venham a conhecer muito em breve a mesma sorte.

por José Mário Silva

Posted by por AMC on 18:09. Filed under , , , . You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Feel free to leave a response

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