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'Expresso Inquéritos': Sócrates sai a ganhar com a ajuda externa


Leio em O Expresso:
No dia em que o programa de ajuda financeira foi oficialmente apresentado pelo ministro das finanças e pela troika, os resultados do "Expresso Inquérito" (o recente app do jornal, disponível em iPhone, iPad e iPod Touch) revelam que os leitores consideram que José Sócrates é o candidato eleitoral mais beneficiado com o acordo. Quando questionados sobre "quem pode sair beneficiado eleitoralmente" com o acordo estabelecido com a troika, mais de metade dos votos (52%) recaíram sobre José Sócrates.
Quanto aos benefícios do pacote de ajuda externa, a luta é renhida: 51% dos leitores concordam com o primeiro-ministro e consideram que "é bom para Portugal", enquanto que 49% acha que será negativo.
Sobre as medidas já apresentadas, numa escala de 1 a 5 - que representam de "muito suaves" a "muito duras" - a maioria dos leitores votou na opção  3.
Quanto ao inquérito permanente da aplicação "Expresso Inquérito" - cuja pergunta é "Qual dos partidos está a fazer melhor campanha eleitoral?" - o CDS mantém-se na frente com 47% dos votos, seguido do PS com 34% e PSD com 20%.

Alguns sublinhados que os dados sugerem. O primeiro vai para a confirmação da mesma e invariável perplexidade: como é que o maior partido da oposição corre o risco de perder uma eleição que, tendo em conta o cenário de crise sem precedentes e o histórico de seis anos de desgaste e descrédito do partido no Governo, estaria ganha à partida em qualquer lugar do mundo? É um feito verdadeiramente extraordinário. Tenho escrito e insistido neste ponto e não vou alongar-me sobre o tema: Passos Coelho merece, de facto, tornar-se case study para quem gosta de reflectir séria e profundamente sobre estas coisas da política.

O segundo sublinhado: ontem, o Primeiro-ministro apresentou-se em comunicação oficial ao país para anunciar alguma coisa (o teor do acordo com a Troika, já sabemos, mais as medidas de austeridade a que em troca nos vão obrigar). Anuncia tudo menos alguma coisa do que havia para anunciar. À esquerda e à direita, no Parlamento e nas ruas, a conclusão é unânime: ficámos todos na mesma. Resultado? Ainda que na absoluta ignorância do que ficou por anunciar, mais de metade dos portugueses inquiridos considera que o acordo abona em favor de Sócrates. Os restantes consideram que não e dividem-se quanto à atribuição das vantagens. Mais: ela por ela, uns concordam com os termos do acordo, outros discordam.
Tendo em conta os factos, aquilo que este inquérito atesta e que me parece extraordinário, não é tanto o ratio na distribuição de opiniões: é o facto de qualquer dos inquiridos ter sido capaz de sequer produzir opinião quando perguntado. Se todos concordamos que depois de Sócrates falar e não dizer nada sobre o teor do acordo ficámos no mesmo grau de ignorância em que estávamos antes de ter começado a falar, como é que há quem consiga concordar ou discordar de um acordo que continua a desconhecer? E, se o desconhece, como é que há quem considere estar em condições para avaliar quem mais beneficia com ele? Sob este ponto de vista, mais do que estranhar os "sim" ou os "não", perturbam-me - e muito (tanto!) - ambos.

O terceiro sublinhado vai para outra evidência: os púdicos queixumes e as virginais indignações contra as bem montadas estratégias das agências de comunicação e gabinetes de assessoria de imagem ao serviço do Governo são uma verdadeira perda de tempo para a democracia. O exercício da retórica sempre foi instrumento basilar do discurso político. Górgias foi exemplo mais que perfeito e basta olhar a Àgora grega para compreender que esteve longe de ser caso único. Fazer dela uso arguto permite superar o adversário na argumentação e derrotá-lo através da palavra. Que quem melhor esgrima vence, é todavia outra questão, menos líquida e ainda menos insofismável, como muito bem Sócrates - não este, mas o outro - tratou de demonstrar. Como? Muito simplesmente opondo às habilidades floreadas do discurso o correcto reposicionamento da questão e orientando a mestria do raciocínio para o esgravatar da verdade. Olhando o seu exemplo com subterrânea atenção conclui-se que, longe de renegar as artes da retórica, antes optou por chamá-la a si, prescrutar-lhe as fragilidades e, ao invés, achar de fazer dela melhor uso: mais exímio, mais inteligente e, por conseguinte, mais eficaz. Resultado? Apresentar-se à consideração diante do intelecto alheio somando à afirmação pela 'forma' a mais valia do 'conteúdo'.

Fariam, pois, bem melhor os políticos portugueses se se deitassem a aprender convenientemente a destreza dessa arte, tal como Sócrates (o outro!) a demonstrou, do que e prosseguirem teimando nos lamentos pela esperteza saloia que este Sócrates mais uma vez mostrou, ao usar o intervalo do Barcelona x Real Madrid para, à boleia das grandes audiências televisivas que sintonizavam o jogo, vir comunicar ao país o teor do acordo com a Troika, enunciando precisamente tudo o que não estava contido no plano de austeridade que aí vem, deixando-nos todos na mesma e angariando ainda assim 50% de concordância no meio de toda essa absoluta ignorância.
A chave, não apenas para a campanha eleitoral em curso, mas para a acção política em Portugal, está menos (muito menos!) em regatear à máquina do Governo os instrumentos retóricos de que faz uso e mais (incomparavelmente mais!) em provar capacidade para fazer correcto e melhor - o mesmo é dizer, 'verdadeiro' - uso deles. Fosse assim e seria a coisa mais fácil do mundo ver o discurso político de Sócrates (este, claro está, o que temos) desmoronar-se sozinho e por si só. Como Sócrates (o outro, bem entendido) fez a Górgias. Em plena Ágora: diante dos que avaliam, consideram e depois votam e elegem.

Posted by por AMC on 21:23. Filed under , , , , . You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Feel free to leave a response

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