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Grupo de economistas portugueses quer levar agências de 'rating' a tribunal

[ACTUALIZADA]


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Esta 2ª feira, um grupo de economistas entregou na Procuradoria-Geral da República um documento em que se pede a abertura de um inquérito contra as agências de 'rating'. A acção, que pode depois vir a seguir para tribunal, visa a Moody's, a Fitch e a Standard & Poor's, que os economistas acusam da prática de «crime de manipulação do mercado».

Entretanto, foi criada uma petição online para que mais pessoas, além dos seus autores, subscrevam  a iniciativa: ASSINA-SE AQUI.

Fica a lista dos signatários (já leva 5 mil!), o endereço da página no Facebook que lhe está associada e o texto "A Relevância das Agências de Rating e o Risco de Abuso de Posição Dominante", para ler na íntegra clicando no link de expansão abaixo.

[TEXTO NA ÍNTEGRA]


Apresentamos o texto da denúncia facultativa contra três agências de rating, entregue na Procuradoria-Geral da República.

Se concorda pode tornar-se signatário a partir deste momento.

DENÚNCIA FACULTATIVA


1. INTRODUÇÃO

A complexidade do sector em que se insere a actividade das Denunciadas, assim como a dimensão das consequências dela emergentes, requerem explicações prévias à exposição dos factos que indiciam comportamentos presumivelmente criminais e que são objecto da presente denúncia.
Estamos hoje confrontados com uma crise económica e financeira global, que afecta com particular incidência alguns países e os seus povos. Designadamente a Grécia, Irlanda, Espanha e Portugal têm sido submetidos a planos de austeridade no contexto da crise financeira e que importam custos sociais da perda ou redução de direitos fundamentais como o do trabalho, da habitação e até de recursos para a própria sobrevivência.
Ora, o desencadear destas crises decorre de uma responsabilidade concreta, imputável a pessoas e instituições determinadas, nomeadamente aquelas que têm contribuído e beneficiado com os excessos do mercado financeiro.
E, se há que admitir que há graus distintos de gravidade na actuação dos prevaricadores, é inaceitável que continue a prolongar-se a impunidade existente até aqui.
Neste momento, as três mais importantes agências de notação financeira, precisamente as aqui denunciadas, noticiam e divulgam, diariamente, classificações de rating que, com manifesto exagero e sem bases rigorosamente objectivas, penalizam os interesses portugueses, originando uma subida constante, dos juros da dívida soberana.
Esta situação já provocou reacções como a do Presidente da República de Portugal que, como foi amplamente noticiado no dia 1 de Abril último, se manifestou publicamente contra a classificação anunciada para Portugal, e declarou que a situação portuguesa não a justificava de maneira nenhuma, considerando-a um “exagero muito grande”.

1.1. A relevância das agências de notação e o perigo de abuso de posição dominante

As agências de notação financeira são entidades que avaliam os riscos financeiros, classificando os instrumentos financeiros de países, empresas ou bancos, atribuindo notações (rating) que indiciam, nomeadamente, o grau de risco de que os classificados não paguem atempadamente as suas dívidas. Para tal, classificam o rating que lhes atribuem, recorrendo ao uso de uma escala formada por letras, números e símbolos matemáticos, recorrendo à identificação de certos factores de risco, com o fim de fazer uma previsão sobre a sua capacidade de pagamento pontual, operando a solicitação de Estados ou empresas por quem são remunerados, devendo, em teoria e por obrigação, operar com inteira independência.
Quanto maior for o risco inerente a uma emissão de dívida, maior será o retorno exigido pelos investidores, ou seja, maiores serão os juros por eles impostos. Compreende-se assim a grande importância que revestem as classificações feitas por estas agências: elas servem de referência aos investidores, emissores e administradores públicos para as suas decisões de investimento e financiamento.
Sendo este o papel que reconhecidamente tem sido atribuído no mercado a estas agências, não pode permitir-se que ajam por forma a alterar o preço dos juros, direccionando o mercado para situações em que elas próprias ou os seus clientes tenham interesse e retirem benefícios.
Para mais, as três agências de notação financeira aqui denunciadas contam com 90% de participação no mercado das classificações creditícias, e o FMI reconhece-as como sendo as que maior influência têm a nível global. Por isso mesmo, o FMI tem alertado, como por exemplo na sua informação de 2010 sobre a “Estabilidade Financeira Mundial”, que “estas agências usam e abusam do poder que têm” e “ necessitam de uma supervisão mais estreita porque as suas actividades têm um impacto significativo nos custos de endividamento dos países, podendo afectar a sua estabilidade financeira”. Concluindo, considera o FMI que as decisões das agências podem alterar a estabilidade financeira dos mercados, alterando os preços do financiamento em termos que suscitam problemas jurídico-penais (em http://www.imf.org/external/pubs/ft/gfsr/2010/02/pdf/chap3.pdf).
A idêntica conclusão chegou a investigação realizada pelo Comittee on Homeland Security and Governmental Affairs do Senado dos Estados Unidos sobre o papel das agências de classificação de crédito centradas nas duas agências aqui denunciadas, Moody’s e Standard & Poor’s. (http://hsgac.senate.gov/public/_files/Finantial_Crisis/042310Exhibits.pdf). Precisamente pelos mesmos motivos, estão agora em curso, nos Estados Unidos da América, diversos processos penais, um no Tribunal Superior da Califórnia contra a MOODY’S e a FITCH, outro no Tribunal Distrital de Ohio contra a STANDARD & POOR’S e no Tribunal Superior de Connecticut contra as referidas três agências de notação financeira.
Em Espanha, o Observatório para o Cumprimento dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais apresentou recentemente uma querela criminal contra as mesmas agências, com o fundamento de terem lesado interesses do Estado Espanhol, por divulgarem classificações financeiras de risco baseadas em critérios errados, carecidos de objectividade e motivados por interesses próprios ou de clientes seus.

1.2. A protecção dos interesses da transparência nos mercados financeiros

A protecção dos interesses de transparência nos mercados financeiros obriga as agências de notação a deveres de informação e de responsabilidade. Ora, a actuação destas agências de notação financeira tem configurado violações ao dever de apresentação objectiva e imparcial de recomendações de investimento a que estão obrigadas.
Por isso mesmo, o Foro de Estabilidade Financeira (FSF), na sua informação publicada em 7 de Abril de 2008, registava as deficiências dos modelos e metodologias de classificação destas agências, a inadequada diligência na verificação da qualidade do conjunto de activos em que assentam os valores sobre que se emitiu uma classificação, a pouca transparência sobre os pressupostos, os critérios e as metodologias utilizadas para classificar, a difusão insuficiente sobre o significado e características do risco das classificações e ainda para a insuficiente atenção para o conflito de interesses subjacente ao processo de classificação.
É do conhecimento público, por exemplo, que uma empresa do Grupo Capital Group, a Capital World Investors, é a maior accionista da Standard & Poor’s, além de ter uma das maiores participações na Moody’s, de 11,02%, detendo agora um investimento significativo em títulos de dívidas soberanas dos quais, pelo menos, 370 milhões de euros em dívida da Irlanda, Portugal, Espanha e Grécia. Ou seja, um dos maiores accionistas de duas das três maiores agências de notação do mundo age e beneficia directamente do mercado cuja evolução é condicionada pelas suas próprias agências de notação, intervindo nomeadamente no mercado português.
Daí que haja um conflito de interesses na actividade destas agências de notação financeira, em particular quando baixam os ratings a estes países, fazendo aumentar os juros das suas dívidas.
Entende-se assim que tenham vindo a aumentar as críticas dirigidas às agências e que se questionem os métodos usados e o seu modelo de funcionamento.
Três exemplos, em casos que despoletaram a actual crise, evidenciam a pouca fiabilidade dos instrumentos usados para aferir das classificações que atribuem. A empresa financeira de Bernard Madoff, que se notabilizou pela dimensão da hecatombe financeira que provocou, tinha até então uma classificação das melhores, em AAA, concedida pela STANDARD & POOR’S. O banco Lehman Brothers obteve a classificação máxima até à sua falência. No caso da Enron, uma das maiores empresas mundiais de energia, as três agências apenas baixaram o respectivo rating quatro dias antes da sua falência.
O colapso dos mercados europeus, de que se ressentiu especialmente o sistema financeiro, foi muito influenciada pelas advertências lançadas pelas agências de rating que argumentaram que havia perigo de os riscos dos bancos gregos contagiarem as entidades financeiras de Portugal, Espanha, Itália, Irlanda e Reino Unido.
Acresce que a vertiginosa e constante subida dos juros, acentuada por este procedimento especulativo e em vantagem própria, tem direccionado o mercado para situações em que elas próprias têm interesse e de que retiram benefícios, como adiante se dirá. Contudo, essas agências têm-se abstido de fazer declarações de interesses que tornem claro e transparente o seu trabalho, como lhes cumpria e a que estavam obrigadas pelos requisitos impostos para a sua inscrição no Security Exchange Comittee (SEC).
Ocultando os interesses dos seus clientes, que as suportam financeiramente, e os seus próprios, estas agências de notação financeira ignoram as recomendações constantes da Directiva nº 2003/125/CE, que lhes são dirigidas para que adoptem políticas e procedimentos internos que revelem adequadamente os interesses e conflitos de interesses importantes relacionados com os instrumentos financeiros ou com os emitentes a que se referem as suas notações de risco.
Determina ainda a mesma Directiva que os Estados-Membros assegurem a existência de uma regulamentação adequada para garantir a divulgação de interesses e de conflitos de interesses.
Embora essas agências não pertençam à Comunidade Europeia, enquanto aqui exercem a sua actividade, não poderão eximir-se às suas regras no que respeita ao seu exercício em território comunitário
Para responder a este risco de manipulação, o Fiscal General do Estado Espanhol, Conde-Pompido, advogou, em Maio do ano passado, que fosse criada uma instituição para fiscalizar e combater a criminalidade económica derivada dos ataques especulativos contra a moeda europeia.
Ora, não existindo essa entidade, cabe aos tribunais nacionais de cada país lesado proceder contra os prevaricadores, tanto as pessoas colectivas como as pessoas concretas que actuam violando regras e normas existentes, à falta de outras mais adequadas à dimensão dos ataques e suas consequências altamente lesivas para os interesses dos países atingidos.
Assim como diversos estados dos EUA e a Espanha intervêm, através dos seus aparelhos judiciários, procurando punir os culpados dos crimes económicos que temos vindo a referir, as autoridades portuguesas também podem e devem recorrer aos meios de que dispõem para agir criminalmente a qualquer violação da lei.
Assim, consideramos que os Tribunais portugueses são competentes, por aplicação do artigo 21º do Código Processo Penal, para julgar este tipo de crimes cometidos simultaneamente em diversos lugares e difundidos ao mesmo tempo, por via de formas de comunicação global. É a estes tribunais que compete defender os interesses portugueses violados e punir os ofensores.

2. RELAÇÃO DOS FACTOS OBJECTO DA PARTICIPAÇÃO

I. MOODY’S. 5 DE MAIO 2010: ANUNCIA ALERTA PARA DESCIDA DO RATING DA DIVIDA

No dia 5 de Maio de 2010, Moody’s Investor Service colocou a divida Portuguesa classificada como Aa2 em review para um futuro corte no rating. Segundo a agência, em caso de corte, este poderia ser de dois níveis, a acontecer num horizonte temporal de três meses.
A Moody’s justifica a decisão com a debilidade das contas públicas portuguesas, que reflecte a incapacidade de sucessivos governos para limitar os défices orçamentais, e com o fraco crescimento da economia que, acrescenta, “está mais relacionado com a baixa produtividade do que com os elevados custos de financiamento per se” (nota de imprensa, Moody’s). Admite, no entanto, o objectivo reiterado pelo Governo de cumprir ou mesmo ultrapassar os critérios do défice constantes no Pacto de Estabilidade e Crescimento, que a divida governamental não é insustentável e que o perfil da divida portuguesa implica riscos modestos de financiamento.
Apesar de o outlook da Agência ser já negativo, o anúncio teve como consequência imediata o aumento dos juros e do risco da dívida soberana para níveis máximos. Os juros que os investidores internacionais passaram a exigir para adquirir obrigações portuguesas a 10 anos alcançou os 6.21%, e o spread face às bunds alemãs (a margem face às obrigações da Alemanha) atingiu os 329.7 pontos, o valor mais elevado desde que Portugal aderiu ao euro.
Também o preço dos Credit Default Swap (CDS), os seguros de cobertura do risco de incumprimento da divida portuguesa, subiram para máximos históricos, atingindo os 360.7 pontos base. Nas bolsas, o alerta da Moody’s contribuiu para o aumento da volatilidade. A Bolsa de Lisboa abriu negativa, mas depois do anúncio das perspectivas de crescimento para a zona euro passou para terreno positivo, tendo voltado a cair com o alerta da Moody’s e encerrou com perdas de 1.52% nesse dia.
A espiral de pânico em relação à divida portuguesa prolongou-se depois durante dias, em larga medida devido ao anuncio da Moody’s relativamente ao rating português e também a declarações semelhantes sobre o risco de contágio aos sistemas financeiros de outros países.
No dia 7 de Maio, dois dias depois do alerta, os juros das Obrigações Portuguesas estavam a negociar acima dos 6%, tendo atingido no dia anterior 6.127%, o máximo histórico desde 1997. O ‘spread’ da divida portuguesa face às obrigações alemãs também atingiu um novo máximo, ao superar a barreira dos 300 pontos base, colocando-se nos 343p.b, e o preço dos CDS subiu para um novo máximo de sempre, 443p.b.
O efeito do aumento dos juros da dívida soberana portuguesa no mercado secundário ainda se fez sentir no dia 12 de Maio, embora com menor intensidade, quando o IGCP colocou no mercado mil milhões de Obrigações do Tesouro a uma taxa média ponderada de 4.52%, a mais elevada de 2010.
O caso acima descrito é representativo das graves consequências de um simples aviso de uma Agência de Notação para as condições de financiamento e estabilidade dos mercados financeiros de uma economia.
É de reforçar o facto de este aviso ter sido justificado com base no enfraquecimento das contas públicas e das condições de crescimento do país. Este argumento torna-se pouco robusto na medida em que a própria agência de rating admite que as debilidades do país ao nível do crescimento não se devem ao estado das contas públicas, mas sim a dificuldades relacionadas com a produtividade. Relembre-se, no entanto, que os problemas estruturais da economia portuguesa, como a incapacidade de manter uma taxa de crescimento razoável ou a fraca competitividade externa, não surgiram em Maio de 2010 e lhe são anteriores e constantes.
O tempo do anúncio da Moody’s é também incompreensível se se tiver em consideração as declarações do Ministro das Finanças, em 30 de Abril de 2010, quando afirmava que “faremos tudo o que for preciso para cumprir os nossos objectivos [para o défice]” e anunciava a aceleração da execução do PEC para garantir o cumprimento das metas do défice. A própria agência admitiu este facto, ao afirmar na sua nota explicativa que considerava a divida portuguesa sustentável e o comprometimento do Governo credível.
O que se verificou, no entanto, foi a degradação das condições de financiamento do país, exclusivamente por via do anúncio e não com base em indicadores económicos relevantes, situação que se repetiu quando, em Julho de 2010, a agência Moody’s concretizou a descida do rating da divida portuguesa.

II. MOODY’S. 15 DE MARÇO 2011. REDUÇÃO DO RATING EM DOIS NÍVEIS, DE A1 PARA A3.

No dia 15 de Março de 2011, a Moody’s Investor Service cortou o rating das obrigações portuguesas de longo prazo de A1 para A3 e atribuiu um Outlook negativo. Os motivos que justificam a decisão da agência prenderam-se, mais uma vez, com as perspectivas de crescimento e fraca produtividade do país, com a potencial dificuldade por parte do governo de cumprir as metas do défice e ainda com as “condições de mercado” que conduziram ao aumento dos custos de financiamento do Estado.
O anúncio da Moody’s surgiu na noite anterior ao regresso de Portugal aos mercados financeiros para emitir mil milhões de euros de Bilhetes do Tesouro com a maturidade de 12 meses. Após o corte, os juros exigidos no mercado secundário pelas obrigações a 5 anos subiram para os 7.762% (face aos 7.731 na sessão anterior) e os juros das obrigações a 10 anos avançaram para os 7.546% (face aos 7.411% anteriores). A cotação dos CDS, os seguros dobre a divida portuguesa, avançou também para os 508 pontos base.
Também o leilão de divida ocorrido no dia 16 foi penalizado pelo anúncio. Apesar de ter colocado os 1000 milhões previstos, os juros sobre as obrigações avançaram para os 4.3% (face aos 4% anteriores), e a procura diminuiu em relação à emissão anterior.
O corte de rating a Portugal foi ainda responsável pela inversão da tendência positiva do câmbio da moeda única europeia, que recuava 0.53% para 1.3924 dólares no dia 16 de Março.
A decisão da Moody’s surge na sequência imediata das declarações do Ministro das Finanças, no dia 12 de Março, em que admitia “reforçar as medidas de contenção da despesa que estão a ser implementadas em 2001, no sentido de nos proporcionar uma margem de segurança adicional” e da garantia do Primeiro-ministro à chanceler Alemã “que os primeiros dados da execução orçamental apontavam para um resultado da consolidação deste ano melhor do que os 4,6% previstos” (Público, 12-03-2011).
Perante a recuperação dos valores do défice face a 2009 e a manutenção, por parte do Governo, das metas do défice, que apontam para 2% em 2013, a justificação apresentada para o corte parece perder alguma razoabilidade.
Relativamente ao primeiro argumento apresentado, que referia o fraco crescimento económico, recorde-se, tal como já acima referido, que as condições estruturais que determinam a produtividade e competitividade da economia portuguesa não sofreram uma alteração substancial entre 13 de Julho de 2010, data do anterior downgrading da Moody’s, e 15 de Março de 2011. Não é possível deixar de referir que a possibilidade de recessão, admitida pelo Governo em Março de 2011 e referida também pela agência, é consequência das medidas de austeridade recomendadas pela própria agência Moody’s e outras nos seus vários comunicados sobre a situação económica do país.
Finalmente, no que diz respeito ao terceiro argumento apresentado para o corte, referente à deterioração das condições de financiamento dos mercados, importa frisar que estas não são independentes das acções das agências de rating, pelo contrário. Tal como já aqui foi provado, recorrendo a factos concretos sobre o preço das obrigações soberanas, a escalada dos custos de financiamento do Estado português deve-se, em larga medida, aos alertas e comunicados das agências, que lançam um sentimento de pânico e desconfiança nos mercados financeiros. A utilização deste mesmo argumento para cortes do rating revela uma clara lógica em espiral, em que menores rating conduzem a juros mais elevados, que por sua vez justificam novos cortes do rating.

III. STANDARD & POOR’S E FITCH. 24 MARÇO 2011. REDUÇÃO DO RATING DE A- PARA BBB, E DE A+ PARA A-.

No dia 24 de Março de 2011, a Standard & Poor’s e a Fitch reduziram o rating da divida soberana portuguesa de A- para BBB e de A+ para A-, respectivamente.
A justificação da decisão tomada prende-se, segundo as próprias agências, com a incerteza política que se verificava no país, na sequência da não aprovação do ultimo pacote de austeridade e resignação do Primeiro-Ministro.
O analista de crédito da Standard & Poor’s Eileen Zhang chegou mesmo a referir, relativamente à possibilidade de novas eleições em Portugal, que esperam “que o governo sucessor não tenha escolha a não ser a de adoptar uma versão destas propostas de reforma [PEC], dado o interesse aparentemente reduzido dos investidores pela divida portuguesa (…)”.
Na sequência do corte, os juros das obrigações a 10 anos atingiram um novo máximo histórico nos 7.858 %, em comparação com a taxa dos títulos de divida alemã para o mesmo prazo de 3.249%.
Os juros exigidos no mercado secundário pelas obrigações soberanas portuguesas de curto prazo superaram aqueles exigidos pelas obrigações de longo prazo, o que reflecte o receio dos mercados de que o país possa entrar em default. Desta forma, o preço das obrigações a 5 anos ultrapassou os 8% no dia 25 de Março, ficando nesse momento o juro das obrigações a 3 anos também acima dos 7%. O risco de crédito das Obrigações do Tesouro a 5 anos, aferido pelos CDS atingiu o custo mais elevado de sempre, nos 460.355 pontos base.
A decisão de cortar o rating da divida portuguesa não esteve desta vez directamente relacionada com a necessidade de consolidação das contas públicas, uma vez que as previsões apresentadas mostram uma clara diminuição dos valores do défice em 2011, mas com a situação politica do país.
Desta forma, o corte anunciado representa não apenas uma sanção pela realização de novas eleições como também um “aviso”, bem expresso pelo analista da S&P acima citado, para que Portugal mantenha as orientações de austeridade até aqui apresentadas.
Facilmente se compreende que tal atitude, com graves consequências ao nível da solvabilidade financeira do país, desrespeita os princípios mais básicos de soberania e democracia. Como é amplamente reconhecido, as agências de rating são empresas privadas, com interesses próprios, que não são sujeitas a qualquer tipo de sufrágio ou controlo, não sendo por isso legítima a imposição de modelos de austeridade ou as pressões para um determinado contexto político.
De referir ainda a incoerência verificada entre a decisão tomada pela Fitch a 24 de Março e o seu anúncio, a 22 de Março em como não iria proceder a uma alteração do rating devido à crise politica em Portugal.

IV. FITCH. 1 DE ABRIL DE 2011. CORTE DO RATING EM 2 NÍVEIS, DE A- PARA BBB-

No dia 1 de Abril de 2011, a Fitch cortou o rating da divida soberana portuguesa em três níveis, de A- para BBB-, e manteve as perspectivas negativas para o rating da dívida, o que significa que admite um novo corte no curto prazo. Esta decisão foi classificada pelo Presidente da República como “um exagero muito grande”.
Segundo a agência Fitch, o corte no rating deve-se, em primeiro lugar, à demora em pedir ajuda externa, agravada pela marcação de eleições antecipadas. Ainda segundo a Fitch, a intervenção externa seria a única forma de enfrentar a escalada insustentável dos juros da divida. Em segundo lugar, o corte deve-se aos novos valores avançados para o défice e divida pública, que antecipam uma derrapagem na consolidação esperada.
Na sequência da decisão da Fitch, agravaram-se as condições de financiamento nos mercados, que já se encontrava numa espiral de pânico causada pelo corte da agência Standard & Poor’s. O juro das obrigações a 5 anos aumentou 6 pontos base para 9,68%, o valor mais elevado desde a entrada de Portugal no euro. Os juros das obrigações do Tesouro a 10 anos avançavam também para os 8.47%, tendo fixado um máximo de sempre nos 8.49%.
Para além de colocar os juros da dívida portuguesa em níveis absolutamente incomportáveis, a queda dos ratings da República dificulta em larga medida o acesso dos bancos privados aos empréstimos do BCE, uma vez que ameaça a utilização dos títulos da dívida nacional como garantia no acesso aos empréstimos do Banco Central Europeu.
Uma vez mais, os argumentos utilizados para as decisões de rating prendem-se com questões de ordem política, já acima comentadas, e também com a dificuldade de acesso ao financiamento e de consolidação das contas públicas.
Recorde-se, uma vez mais, que o aumento dos custos do financiamento do Estado português não é independente das notações de rating, muito pelo contrário. A relação circular criada entre a avaliação por parte das agências de rating e os seus efeitos nos juros exigidos pelo mercado tem sido uma das principais responsáveis pelo aumento dos custos de financiamento, que por sua vez têm um impacto ao nível do aumento da dívida pública. É hoje claro, e foi já admitido por vários responsáveis políticos e analistas, que um dos principais problemas da economia portuguesa no curto e médio prazo, mais que as debilidades estruturais, encontra-se precisamente no serviço futuro de divida pública, muito elevado pela escalada dos juros.
Os casos acima apresentados representam um número seleccionado de exemplos concretos dos impactos das decisões, frequentemente injustificadas, das agências de rating nas condições económicas e financeiras do país.
Os factos permitem comprovar que a evolução destes rating, bem como o seu momento de apresentação, não acompanha de forma alguma a realidade das contas públicas e da economia portuguesa. A título de exemplo refira-se ainda a decisão da Standard & Poor’s de reduzir o rating de Portugal em quatro níveis em apenas vinte dias, sem que isso correspondesse de forma alguma a transformações nas previsões da evolução do défice ou das previsões de crescimento económico.


3. FUNDAMENTOS JURÍDICOS

No sistema penal português, o crime de manipulação do mercado vem previsto e punido no nº 1 do artigo 379º do Decreto-Lei nº 486/99, na versão alterada pela Lei nº 28/ 2009.
Dispõe aquela norma que
“Quem divulgue informações falsas, incompletas, exageradas ou tendenciosas, realize operações de natureza fictícia ou execute outras práticas fraudulentas que sejam idóneas para alterar o regular funcionamentos do mercado de valores mobiliários ou de outros instrumentos financeiros é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa”.
Segundo o nº 2 do mesmo artigo,
“Consideram-se idóneos para alterar artificialmente o regular funcionamento do mercado, nomeadamente, os actos que sejam susceptíveis de modificar as condições de formação dos preços, as condições normais da oferta ou da procura de valores mobiliários ou de outros instrumentos financeiros ou as condições normais de lançamento e de aceitação de uma oferta pública”.

O crime de manipulação do mercado tem como pressupostos a divulgação de informações falsas ou inexactas que conduzam ao engano e tem por objectivo alterar artificialmente o regular financiamento dos mercados. Trata-se de um crime material de resultado, praticado com o fim de obter um benefício ou causa um dano a terceiro.
Na actividade das agências denunciadas encontramos indiciariamente todos estes requisitos.

4. DILIGÊNCIAS COM INTERESSE

Justifica-se, assim, a abertura dum inquérito para descobrir e recolher provas, que, além do mais que doutamente for considerado relevante, se sugerem para apurar:
a) a prática dos actos abusivos que são imputados às Denunciadas;
b) a existência de graves prejuízos produzidos nos interesses do Estado e do povo Português;
c) a identificação dos quadros directivos das ditas agências e os autores dos actos objecto desta denúncia, além das pessoas já indicadas;
d) se os benefícios obtidos pelas agências denunciadas e seus clientes foram de notória importância;
e) quais os contratos celebrados a partir de 1 de Janeiro de 2010 com as entidades participantes no mercado da dívida pública portuguesa;
f) todas as comunicações internas respeitantes às classificações referentes a Portugal, a partir de 1 de Janeiro de 2010.

Lisboa, 7 de Abril de 2011.

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