A propósito do horror das naturezas primárias ao estado-natureza

Este sábado, em conferência de imprensa, o vereador socialista da câmara da Póvoa de Varzim, Renato Matos, insurgiu-se contra a prática de alegados "actos sexuais" na praia da Estela, frequentada há vários anos por naturistas. Segundo o Correio da Manhã:

Renato Matos avançou que nada tem contra a prática do naturismo, mas 'aqui há um conjunto de pessoas que, e ao abrigo desta capa [nudismo], utilizam este espaço público, não classificado, para práticas sexuais'. O socialista avançou que vai levar este caso à Câmara Municipal, liderada na sua maioria pelo PSD, 'que terá que se pronunciar sobre este assunto'.

Além da propensão para avanços, ficamos a saber que o problema de Renato Matos não é o naturismo, mas a prática sexual. Isto, claro, para além da revelação surpreendente de que afinal os nudistas se abrigam sob uma capa. Na praia de Estela, e a fazer fé no testemunho do vereador, pelo menos.A indignação do vereador Renato e a pompa e circunstância que decidiu convocar para a manifestar até poderiam fazer rir, não fosse o facto da notícia prosseguir e uns parágrafos abaixo se ler o seguinte:

Presentes na conferência estavam elementos da assembleia de freguesia da Estela que se manifestaram, não só contra as práticas sexuais e exibicionistas frequentes na praia, mas também contra o naturismo.
“A praia não tem condições para o naturismo e, caso eles continuem aqui, a população pode optar pela violência', frisou José Costa.

Apetece frisar igualmente ao senhor José Costa, que tão orgulhoso surge do alto da sua ufana tirada, que nada do que diz o engrandece, antes é expressão de lamentável mediocridade e de um Portugal primário que não devia orgulhar ninguém. Desconheço que peso tem este Zé na Costa, que é como quem diz na praia de Estela e na comunidade local. Não sei sequer se ocupa alguma cadeira ou pelourinho ilustre na freguesia. A ser o caso, com este grunhido de intolerância e ameaça velada acaba de provar que a desmerece em absoluto. Quem ignora o princípio cívico básico de que a violência jamais é uma opção que está sobre a mesa quando se vive em sociedade, não só não pode ser voz de uma comunidade, como nem sequer se lhe devem dar ouvidos.

Ao que parece, «em épocas balneares anteriores, grupos de populares, armados com paus, já se insurgiram contra a prática do naturismo naquela zona».
O caso volta agora a exaltar os ânimos, apesar de nenhum dos presentes na conferência ter dito que assistiu a práticas sexuais no areal.
'Ouvimos dizer que há e não podemos permitir essas situações', reforçou Miguel Fernandes, um dos habitantes da freguesia da Estela.

Sabendo disto, por mais ridícula e caricata, a intervenção do vereador Renato passa a dar mais para chorar do que para rir. Surgir em conferência de imprensa, rodeado de elementos da freguesia com tal historial de reacção ao que os desagrada é, no mínimo, insensato e irresponsável. É ser solidário e cúmplice com qualquer acto de violência por que os Zés da costa de Estela venham a optar para revestirem e darem 'capa' aos seus afrontados pudores. Mas como o próprio vereador Renato 'avança', o seu problema são mesmo e só os 'actos sexuais'.  Quem dera os actos de violência o indignassem, pelo menos, numa medida igual.