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III Fórum Amazônia Sustentável em rescaldo: [REDD] redução de emissões por desmamento em destaque no debate

Encontro em Belém do Pará
Centralizando a atenção de ONGs, cientistas e Governo durante trabalhos em pauta

Tratava-se de mais um encontro do Fórum Amazônia Sustentável, que reúne lideranças empresariais e da sociedade civil, sobre um dos temas quentes da mudança climática, a Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (Redd) – em que a conservação florestal trabalha a favor do equilíbrio do clima, e que poderá ser central na construção de uma nova agenda do clima a partir de 2012, o chamado período pós-Kyoto. Em meio às discussões sobre a posição a ser apresentada ao governo federal e à comunidade internacional na Conferência das Partes (COP) sobre Mudança Climática, em dezembro, em Copenhague, a senadora Marina Silva (PT-AC), lá presente, não pôde conter um discurso em tom indignado.
A fala iniciada em voz mansa inflamava- se, assim que a ex-ministra listava um conjunto de fatos que, segundo ela, exemplificam grave retrocesso ambiental na política brasileira – justamente quando o mundo fala na busca de um Green New Deal, capaz de em uma só tacada enfrentar crises ambientais, sociais e econômicas, se calçado em uma mudança profunda na lógica de produção e de consumo.
Mas aqui, nem green nem new deal.  Ao contrário, dá a entender Marina, volta-se para os velhos acordos quando o deputado José Guimarães (PT-CE) gesta no Ministério dos Transportes emenda que exime de licenciamento ambiental a duplicação e o asfaltamento de estradas, de olho na BR-319, que liga Manaus a Porto Velho.  Ou quando as PCHs deixam de ser pequenas e passam a médias centrais hidrelétricas, com potência que pode chegar a 50 MW, e sem necessidade de licenciamento ambiental ou limite para extensão do espelho d’água (mais sobre PCHs na reportagem “Pequenas, porém invocadas).  Ou também quando o estado de Santa Catarina muda a legislação ambiental, atropelando lei federal para facilitar uso e ocupação do solo.
Com isso, Marina contribui para contextualizar a discussão sobre clima e floresta.  Ao longo desta reportagem se verá que muito conhecimento tende a ser gerado sobre esses temas em ONGs, institutos de pesquisa, universidades.  Mas só trará benefícios se bem aplicado, em sintonia com políticas públicas e com o entendimento de que floresta é mais do que carbono.  “Nossa preocupação é que a discussão sobre florestas e clima, centrada no Redd, precisa ser muito mais ampla.  O foco passou a ser as emissões, e não as bases do desflorestamento”, critica Jutta Kill, integrante da ONG europeia Fern.
Ela argumenta que não se vai conseguir diminuir o desmatamento, seja por meio de fundo que receba doações para conservação florestal, seja por meio de negociações de créditos no mercado de carbono, se não houver coerência com a política de desenvolvimento nacional.  “Por exemplo, qual o impacto de grandes projetos de infraestrutura, como a Iirsa?  Não basta ter dinheiro, antes é preciso ter coerência”, diz.
“Vivemos em um país paradoxal”, diz Paulo Moutinho, pesquisador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), uma das primeiras instituições a relacionar florestas e clima, e a formular a proposta do que antes se chamava Redução Compensada de Desmatamento.  “O país foi elogiado em Poznan (Polônia, na COP14) por apresentar metas de redução no desmatamento, mas anuncia um plano decenal de energia que eleva a participação das fontes fósseis na matriz elétrica e aprova um código que desrespeita a lei federal, como em Santa Catarina”, critica Moutinho.

Redd ou “redducionismo”?

Em Estudos Anatômicos, Leonardo da Vinci usou a seguinte metáfora para criticar a sintetização e a especialização do conhecimento que acabam escondendo o todo: “É incorrer no mesmo erro de quem despoja uma árvore de seus galhos repletos de folhas, intercalados por flores e frutos aromáticos, só para demonstrar que ela é boa para se fazer tábuas”.
Mas floresta é gente, fauna, flora, banco genético, local de moradia, fonte de alimento, fibra, papel, energia, madeira, óleos, frutas, remédios, etanol de segunda geração.  É reguladora do clima, produtora de água, protetora de encostas, de morros, de faixas litorâneas.  Tudo inter-relacionado em uma teia viva.
Formar um novo profissional capaz de entender que a floresta tem um lado ético, econômico e biológico é o que almeja Claudio Padua, criador da Escola Superior de Conservação Ambiental e Sustentabilidade, em Nazaré Paulista (SP).  “Queremos formar um não especialista.  E acreditamos que a era do conhecimento no século XXI não vai acontecer se não se investir maciçamente em educação.”
As florestas, pelo componente “carbono”, viraram a menina dos olhos em estudos de ONGs e cientistas (leia quadro “Triângulo amoroso”, ao final desta reportagem), uma vez que são fundamentais para fechar a equação climática, na qual pelo menos 40% das emissões precisam ser reduzidas até 2020 em relação a 1990, para que a concentração de carbono na atmofera limite-se a 450 partes por milhão e se evitem maiores desastres decorrentes do aquecimento global.
“A questão mais importante do clima é floresta.  E, em floresta, a grande questão éo Redd.  É o instrumento mais promissor para salvar a Amazônia”, afirma Virgilio Viana, diretor-geral da Fundação Amazonas Sustentável (FAS).   Mas o receio de que a discussão sobre Redd reduza floresta a um conjunto de moléculas de carbono foi levantada, por exemplo, pelo Greenpeace.  Muito atuante dentro do Forest Stewardship Council (FSC), contribuiu para retardar a entrada do Conselho no debate sobre Redd, conta Roberto Waack, presidente do board mundial do FSC.  Hoje, o FSC oficialmente reconhece a importância do mecanismo, decidiu que vai se envolver nisso e está disposto a aproveitar a atual oportunidade de valorizar a floresta pelo componente “carbono”, para que em seguida se possam incorporar outros elementos como água e biodiversidade nos mecanismos de remuneração.
Até porque muito conhecimento ainda precisa ser gerado nesses outros campos para se compreender o valor das florestas como um todo.  “A aplicação da biodiversidade usa, na prática, cinco exemplos.  Onde está toda a riqueza?  No setor madeireiro, quanto do manejo é realmente sustentável?  O que se sabe sobre uso da madeira tropical?  Sobre ciclos de chuva?  Sobre Ictiofauna?”, questiona Waack.
No tocante à maior floresta tropical do mundo, dados do Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa) indicam que a contribuição da região para o PIB nacional é de 8%, enquanto recebe apenas 2% da verba de pesquisa e desenvolvimento.  João Paulo Capobianco, que foi secretário de Biodiversidade e Florestas na gestão de Marina Silva no MMA, e hoje pesquisa e leciona no Centro de Meio Ambiente, Economia e Sociedade da Universidade Columbia, nos EUA, partilha da opinião de que falta montar uma economia da floresta.  “Não sabemos, por exemplo, o que está acontecendo com a fauna em áreas de manejo. Precisa de pesquisa científica, formação de recursos humanos, infraestrutura.”
Para ele, a Natura, por exemplo, tem investido em produtos da Amazônia, mais porque isso tem a ver com sua filosofia e imagem institucional do que pela atratividade do ambiente de negócios.  Contudo, segundo Capobianco, o desenvolvimento de uma economia sustentável da floresta, com atuação intensa do setor privado, é essencial para o que, em Redd, se chama de permanência.  Ou seja, depois de haver a redução da emissão do carbono, é preciso manter a “não emissão”.  Sem essa economia qualificada, prevalecerá o velho modelo “corte raso-queimada-pasto”, responsável pelas grandes emissões da região.
O florescimento dessa economia, por sua vez, e o próprio sucesso do mecanismo de Redd entre atores privados dependem de um ponto anterior, a regularização fundiária.  “Aqui (no exterior) há um enorme desconhecimento sobre a Amazônia.  Pouco se sabe que cerca de 80% da região é terra pública, e que parte importante disso é ocupada ilegalmente ou está em área de comunidades locais, em uma situação fundiária muito indefinida.  Quando se joga esse contexto no modelito convencional de Redd, descobre-se que há pouquíssimas propriedades em situação regular para assinar um contrato”, diz Capobianco (cf. sobre o nó fundiário: "O Enigma da Terra").

Saber relacionar-se

Mas não basta atrair o setor privado sem saber como lidar com o componente social da equação, como envolver a população local nos projetos florestais e de clima e como empoderá-la nesses processos.  “Comunidades e povos indígenas querem acesso a mercado e reconhecimento pelo valor de terem preservado.  Isso cria oportunidades de estabelecer diálogo entre povos tradicionais e comunidade científica, lembrando que essas populações têm enorme conhecimento sobre microssistemas naturais”, diz o antropólogo Stephan Schwartzman, diretor de políticas de floresta tropical do Environmental Defense Fund.
Para Moutinho, do Ipam, uma boa solução para o tema da repartição dos benefícios é vital para o sucesso do Redd.  Ele chama a atenção para a oposição ao mecanismo por parte de grupos indígenas da África e da Indonésia.  “Eles acreditam que o Redd vai ameaçar os seus já parcos recursos naturais.  Há o temor de que os projetos os expulsem de seus territórios.” Nem é preciso ir longe.  Para João Meirelles Filho, coordenador do Instituto Peabiru, uma grande frente de conhecimento a desbravar no Brasil é como incluir atores que ficam à margem dos investimentos privados na Floresta Amazônica, sejam eles de Redd ou não.  “Como o megacapital que vai investir de R$ 50 bilhões a R$ 70 bilhões nos próximos cinco anos na região pode agregar valor a suas cadeias produtivas, incluindo o componente social?  E como a comunidade pode ingressar no mercado ao mesmo tempo que é respeitada em seu contexto sociocultural?”, questiona.
Meirelles, que trabalha em parceria com a Agropalma, conta que a grande empresa de agribusiness, com 22 comunidades no entorno de sua operação, está diante desse desafio.  Diz que 180 agricultores já estão associados, plantando dendê em área já devastada da Amazônia, com renda dez vezes maior que a de criação de gado.  Mas há de 6 milhões a 7 milhões de pessoas vivendo no meio rural sem ver muitas alternativas afora o boi, que rende menos de R$ 150 por hectare/ano.  “É uma poupança mal administrada, uma estupidez brasileira que resulta da falta de compreensão de seu próprio território.
Seria possível gerar 100 mil empregos só com frutas tropicais plantadas em áreas já desmatadas.  Tem mercado, mas falta pesquisa e prioridade política.” Algumas iniciativas dão um fio de luz.  “Fizemos o primeiro projeto de Redd com abelhas nativas”, conta Meirelles.  Realizado com quilombolas e comunidades rurais, em região entre o Amapá e o Pará, o projeto recebe recursos do Banco Real, da embaixada Holanda e do Royal Tropical Institute, ONG holandesa que reúne cerca de 600 pesquisadores.
A produção de mel é interessante, porque, além de rentável, depende da floresta viva e presta serviços ambientais inestimáveis, como a polinização.  “É a ponta do conhecimento.  Segundo Einstein, sem abelhas, a humanidade acaba em três anos”, diz.  Mas nem tudo são flores no relacionamento com as comunidades.  “Já ouvi do ministro (Luiz Alberto) Figueiredo queo Redd não é conversa para movimento social”, afirma Rubens Gomes, presidente da Rede Grupo de Trabalho Amazônico (GTA).  “O governo juridicamente detém as terras, mas, sem as comunidades como parceiras, como fará para deter o desmatamento?  Terá de colocar um vigia em cada árvore?”, questiona.
Segundo Gomes, a experiência da Reserva de Desenvolvimento Sustentável do Juma – em que famílias cadastradas recebem uma Bolsa Floresta em troca de não desmatarem – é citada como referência em Redd, mas não resultou de construção conjunta com as comunidades locais.  “Foi anunciado: ‘A partir de hoje, sou seu parceiro, quer você queira, quer não’.  Não é assim que se conquista respeito e comprometimento local”, critica.  “É oferecido um cartão que dá direito a uma esmola, mas as questões fundamentais para sustentabilidade da floresta, como saúde e educação, não são discutidas conosco.”
Além disso, ele questiona a efetividade: “Tivemos informação de que por vezes o ribeirinho viaja horas de rabeta (espécie de canoa motorizada) para sacar sua Bolsa Floresta e a de seus companheiros.  Mas, quando chega ao Banco Postal, não há saldo, e o prejuízo da viagem é cotizado”.  “Foi um problema isolado de carregamento dos cartões no mês de fereveiro, e que foi resolvido logo em seguida.  Todos os depósitos são realizados no final de cada mês, antecipando o benefício do mês seguinte”, afirma Luiz Villares, diretor administrativo-financeiro da FAS.
Gomes põe em dúvida inclusive o processo de certificação do Juma – o segundo do mundo validado com padrão máximo pela Climate, Community and Biodiversity na modalidade Redução de Emissão por Desmatamento: “Sem crítica ao estrangeiro, mas, em visita ao local, o certificador falava inglês ou espanhol.  E para começar um diálogo com o ribeirinho, é preciso entender a língua falada.  Não somos contra o Redd, sabemos que há pressa, mas é preciso cautela em como fazer.  E lembrar que as florestas não estão nos palácios e nos gabinetes”, diz.
Segundo Virgilio Viana, da FAS, o Bolsa Floresta é maior programa de Redd do mundo, envolvendo 6 mil famílias em 10 milhões de hectares.  Além de desmate zero, estimula a produção economicamente rentável, que não “gere fumaça” e seja uma atividade legal.  Para receber o benefício, as crianças precisam frequentar a escola e as famílias, participarem de oficinas nas quais aprendem sobre mudanças climáticas, Relatório Stern, IPCC.
Em via de mão dupla, troca-se conhecimento com a população local, conta Viana.  “Eles dizem que o sol está mais quente e o banzeiro – movimentação das águas que vira os barcos –, mais intenso, assim como o destelhamento das casas.  Chamo isso de etnoclimatologia, o saber local aplicado ao clima”.
A certificação da floresta pode ser um caminho para reduzir os conflitos sociais, acredita Waack, do FSC.  Esse é um know-how acumulado durante mais de quinze anos de atuação do conselho, formado por representantes da câmara social, ambiental e econômica, muitas vezes com visões divergentes entre si.  “Não certificamos carbono, e sim a gestão da floresta.  Se ela for bem gerida, reduzem- se em muito os problemas, entendendo que floresta tem que ter vida, não ser ‘congelada’, e a comunidade, estar de acordo com o que é proposto”, diz.


Entender as florestas

Clima exige ciência muito pesada e capacidade de modelagem.  Energia também requer muito conhecimento para aprimorar fontes renováveis e torná-las mais baratas, para alcançar escala.  Já em floresta, um dos grandes desafios, analisa Tasso Azevedo, que hoje assessora o MMA, é entender a complexa interação de um setor que é vilão quando emissor de carbono, vítima quando a temperatura aumenta (uma alta de 3 a 4 graus no globo secaria a floresta pelo impacto no ciclo hidrológico) e herói quando mitiga o aquecimento global e auxilia na adaptação à mudança climática.
Para se ter ideia do impacto do clima nas florestas, ele cita o caso do pine beatle,o besouro que não só está atacando os pinheiros no Canadá, como minando o setor de uma das maiores economias calcadas na floresta.  O besouro se alimentava da seiva das árvores no verão.  Quando vinha o inverno, a baixa temperatura matava a quase totalidade dos insetos, sobrando um ínfimo percentual que no verão seguinte voltava a se reproduzir – uma praga que a própria natureza tratava de controlar.  Só que nos últimos 8 a 10 anos, com menor ocorrência de dias muito frios, os ciclos de reprodução aumentaram de forma exponencial. “De satélite, dá para ver quilômetros de florestas destruídas.  A infestação chegou a 40% delas”, conta Azevedo.  E não se pode usar veneno, para não contaminar a água.  É um caso ainda sem solução.
No Brasil, um dos maiores inimigos é a falta de informação.  O Brasil é um dos dez maiores países florestais que ainda não têm seu inventário florestal nacional (custaria US$ 50 milhões), mas se prepara para fazê-lo.  A ideia, diz Azevedo, é acompanhar a cada cinco anos o que aconteceu com a floresta em vários pontos do país, se cresce, diminui, quanto apresenta de biomassa, quais são os tipos de produtos florestais, a ecologia das espécies, a análise de solo.  Isso dará condições de mapear quanto há de carbono em cada ponto do País, em cima e abaixo do solo, e a partir daí medir a degradação, um dos fatores do Redd.
Não se sabe nem mesmo a quantidade de emissões da Floresta Amazônica.  Conforme Azevedo, há estudos segundo os quais a floresta estaria armazenando uma tonelada de carbono por hectare/ ano.  Nesse caso, as emissões, subtraindo o desmatamento, não seriam tão altas como se pensa.  Mas outra forma de ler é que, ao desmatar, não se perde só o carbono acumulado, mas também o que se deixou de captar.
E, se desmatar para criar gado, aumenta ainda mais a emissão, pois um boi emite de 100 a 150 quilos de metano por ano.  As florestas guardam segredos, por exemplo, sobre as madeiras tropicais.  Como processá-las?  Cada uma exige uma quantidade específica de sílica na serra, a depender da densidade e resistência.  E exige um tempo de secagem próprio, para não rachar.
É o que se estuda em órgãos como Serviço Florestal, Inpa, Senai, Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), Empresa Brasileira de Pesquisa Agrupecuária (Embrapa).  Mais: guardam um enorme potencial energético.  Quando se desenvolver o biocombustível de segunda geração, o principal beneficiário não será a cana-deaçúcar, e sim a floresta, vislumbra Tasso Azevedo.  A cana precisa ser colhida antes de dar flor, senão perde açúcar (energia).  Por isso precisa estar próxima da fábrica.  Não é possível se estocar cana, só álcool e açúcar.  Já a floresta é capaz de “engordar” e manter seu estoque energético em pé, apto a gerar etanol.  Dá para colher o ano inteiro, ou estocar, conforme o preço for mais conveniente ao produtor.
São pontas de um universo a conhecer, bem além do carbono.  Mas o carbono, se bem valorizado, pode abrir as primeiras portas para a conservação como um todo, em um verdadeiro Green Deal.

Triângulo amorosoA produção e a aplicação do conhecimento interliga cada vez mais a sociedade civil, os cientistas e o setor público

Gerar conteúdo, mas sempre buscar a viabilidade política das propostas e se posicionar politicamente.  Assim André Lima, advogado e coordenador-adjunto do Ipam, resume o perfil do instituto.  Por que é importante ter esse posicionamento?  “Porque existe um movimento de apropriação política dos dados científicos.  Eles podem ser usados por qualquer lado, para justificar qualquer interesse”, explica Lima.
Tasso Azevedo, com experiência na sociedade civil (criou a Imaflora) e no governo, afirma que este dá a escala de implementação dos sonhos para qualquer ONG, que tem a vantagem de alimentar o governo com ideias criativas, em uma relação complementar.  Outra interação se dá entre as ONGs e a academia.
Carlos Alberto Scaramuzza, superintendente de conservação do WWF Brasil, vê como sua função fazer a ponte entre a ciência e a linha de frente da conservação.  “Buscamos acelerar o processo de mudança, valendo-se da agilidade, da permeabilidade na sociedade e da legitimidade, associada à nossa fonte de captação”, diz.  E o governo, por sua vez, parece ver a necessidade de envolver a comunidade científica na sociedade.
Ao menos foi o que anunciou o ministro Carlos Minc, ao instituir em 17 de abril o Painel Brasileiro sobre Mudança do Clima (IPCC Brasil).  Nos moldes do painel da ONU, vai reunir 300 cientistas e pesquisadores brasileiros de instituições como Inpe, Embrapa, Coppe, centros universitários, entre outras, para atualizar dados referentes a mudanças climáticas no País.  “Isso precisa ser discutido pelo povo e é nosso dever trazer esse tema para nossa realidade”, afirmou o ministro.  O setor privado brasileiro, talvez por não participar do sistema cap-and-trade (em que indústrias e governos têm metas a cumprir e podem negociar em forma de crédito o que exceder as metas), tenderia a ser menos ativo na produção e uso do conhecimento sobre clima.  No País, o relatório Caminhos para uma Economia de Baixa Emissão de Carbono no Brasil, realizado pela McKinsey, tem repercutido mais em outras esferas da sociedade do que nas empresas.  Segundo Marcus Frank, diretor do departamento de mudanças climáticas da consultoria, Tasso Azevedo está usando fortemente os dados dentro do governo federal.  Os estudos da McKinsey nessa área hoje envolvem centenas de pessoas.

Conhecer o que se tem e o que se perdeBrasil integrará esforço mundial para classificar espécies

Via satélite facilmente se detecta quanta floresta é perdida.  Bem mais difícil saber é o que se está perdendo, informação essencial para definir qualquer estratégia para proteção da biodiversidade.  Até o ano que vem, o Brasil deverá integrar uma lista taxonômica global, com a descrição, características e local de ocorrência das espécies da fauna, flora e microbiota, em plataforma na internet com alimentação on-line por especialistas.  Trata-se de um esforço mundial coordenado pelo Kew Garden, da Inglaterra.  No Brasil, o mandato para organizar a lista nacional é do Jardim Botânico do Rio de Janeiro.
As informações são de Dora Ann Lange Canhos, diretora do Centro de Referência em Informação Ambiental (Cria), que atua na organização e gestão de coleções como o SpeciesLink e Flora Brasiliensis. Identificar com precisão as espécies e o seu local de ocorrência é uma informação importante, por exemplo, para se remanejar a fauna retirada na construção de uma hidrelétrica.  “Qualquer ‘mato’ serve para reabrigá-los?  Onde há condições semelhantes de habitat?”, questiona Dora.  A iniciativa é mais que bem-vinda.  Para se ter ideia da falta e inconsistência de informações, entre 55% a 85% dos nomes científicos da Lista Vermelha de Plantas Ameaçadas da International Union for Conservation of Nature (IUCN) estão errados.

Desenvolvimento dá em árvore? - Visto como base para um novo paradigma, o Redd pode sair mais caro do que se imagina

As florestas são apenas um ponto em uma negociação de proporções gigantes que, espera-se, se desenrole até dezembro, quando as partes da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (UNFCCC) reúnem-se em Copenhague.  Ponto, entretanto, que pode provar-se chave para que o mundo chegue a um acordo não apenas sobre a redução das emissões de gases de efeito estufa, mas sobre as bases de um novo paradigma de desenvolvimento.
O Redd, mecanismo para recompensar os países detentores de floresta que evitem o desmatamento e a degradação, vem sendo negociado há anos, mas ganha importância nas últimas rodadas.  Que papel devem as florestas desempenhar em um acordo global?  São apenas uma forma barata de ajudar as nações industrializadas a atingir metas de redução de emissões?  Ou elemento crucial para que o mundo tenha metas mais ambiciosas?  “Não estou certo de que os créditos gerados pelo Redd serão baratos”, diz Manuel Estrada, consultor e ex-integrante da delegação mexicana nas negociações.  “É preciso levar em conta não só o preço do crédito no mercado, mas o custo de oportunidade.”
Uma vez que o objetivo é não desmatar, as árvores precisam estar no mesmo lugar daqui a, digamos, 100 anos, o que restringe as alternativas de uso do solo.  O preço para que uma comunidade abra mão, por exemplo, de converter a floresta em área agrícola com renda anual, portanto, pode “não ser tão barato”.  Charlotte Streck, sócia da consultoria Climate Focus, concorda.  “Do ponto de vista da McKinsey, pode até custar apenas US$ 3 para um agricultor pobre na Tanzânia ou em Gana não cortar a floresta”, diz.  “Mas para realmente evitar o desmatamento temos que criar uma fonte diferente de renda para este agricultor, criar desenvolvimento.” Embora isso possa não ser tão caro em termos absolutos, é uma tarefa complicada.  “E não sabemos como fazer, se não estaríamos fazendo há 50 anos.” [1]

Pequeno Glossário do Redd
Adiciona lidade : redução nas emissões de
gases de efeito estufa que não ocorreria
na ausência de um projeto, uma política
ou uma atividade.
Degrada ção: modificação na floresta não é
corte raso, mas que afeta negativamente
sua estrutura e funcionamento. No Redd,
refere-se especificamente à diminuição
na densidade de carbono da mata.
Fungi bilidade : possibilidade de usar
créditos do Redd no lugar de outros
créditos de carbono para cumprir as metas
de redução nas emissões de carbono.
Lin ha de base : representa o cenário de
referência (business as usual), ou seja,
o que aconteceria no futuro com o nível
de emissões sem a intervenção de um
projeto ou política. Serve, portanto, como
um referencial para medir o impacto das
ações do Redd.
Permanência : A longevidade e a
estabilidade dos estoques de carbono
de uma dada região. Nas florestas,
incêndios, queimadas e desmatamento
comprometem a permanência dos
estoques do gás.
Plano de Ação de Ba li: estabeleceu
um processo de negociações de dois
anos, culminando no eventual acordo
de Copenhague, em dezembro de
2009. Inclui a negociação de incentivos
relacionados ao Redd.
Sumido uros de car bono : processos
que removem gases de efeito estufa
da atmosfera, como as florestas e os
oceanos.
Vazamento : desvio de emissões de gases
de efeito estufa que ocorre quando
projetos para reduzir as emissões
em uma área geográfica provocam o
deslocamento de atividades econômicas
para outra região ou país onde o controle
sobre as emissões é mais frouxo.

Adicionalidade: redução nas emissões de gases de efeito estufa que não ocorreria na ausência de um projeto, uma política ou uma atividade.
Degradação: modificação na floresta não é corte raso, mas que afeta negativamente sua estrutura e funcionamento.  No Redd, refere-se especificamente à diminuição na densidade de carbono da mata.
Fungibilidade: possibilidade de usar créditos do Redd no lugar de outros créditos de carbono para cumprir as metas de redução nas emissões de carbono.
Linha de base: representa o cenário de referência (business as usual), ou seja, o que aconteceria no futuro com o nível de emissões sem a intervenção de um projeto ou política.  Serve, portanto, como um referencial para medir o impacto das ações do Redd.
Permanência: a longevidade e a estabilidade dos estoques de carbono de uma dada região.  Nas florestas, incêndios, queimadas e desmatamento comprometem a permanência dos estoques do gás.
Plano de Ação de Bali: estabeleceu um processo de negociações de dois anos, culminando no eventual acordo de Copenhague, em dezembro de 2009. Inclui a negociação de incentivos relacionados ao Redd.
Sumidouros de carbono: processos que removem gases de efeito estufa da atmosfera, como as florestas e os oceanos.
Vazamento: desvio de emissões de gases de efeito estufa que ocorre quando projetos para reduzir as emissões em uma área geográfica provocam o deslocamento de atividades econômicas para outra região ou país onde o controle sobre as emissões é mais frouxo.
O que está em jogo nas negociações de Redd
Linha de base — O cenário de referência sob o prisma histórico é o mais adequado para calcular as emissões de países com elevadas taxas de desmatamento, como Brasil e Indonésia.  O mais complicado é elaborar cenários baseados em projeções, mais apropriados para regiões com bom histórico recente de conservação, como Costa Rica e Amazonas.
Mecanismo financeiro — Grosso modo, há três posições em discussão.  Praticamente isolado, o governo brasileiro rejeita o uso do mercado no Redd e defende a criação de um fundo global nos moldes do Fundo Amazônia para receber doações.  O Greenpeace propõe solução híbrida: o fundo global e um mecanismo de mercado que seja adicional às metas do segundo período de compromissos de Kyoto.  Já a terceira posição, defendida pelo Ipam e um grupo numeroso de ONGs e países, concorda com o fundo global, mas também quer a geração de créditos florestais para ajudar nações ricas a cumprir suas obrigações de redução nas emissões de carbono.
Povos tradicionais – O Redd é duramente criticado por grupos indígenas da África e da Ásia, que veem no mecanismo mais um instrumento para expulsá-los de seus territórios.  Somente uma boa solução para o difícil tema da repartição dos benefícios do Redd poderá angariar um apoio mais amplo das populações tradicionais ao novo mecanismo.
Monitoramento — Há um desequilíbrio nos sistemas de monitoramento das florestas tropicais.  O Brasil tem o sistema mais avançado, enquanto países africanos e asiáticos engatinham nesse assunto.  Para resolver o problema, desenvolvidos e emergentes terão de transferir dinheiro e tecnologia a nações ricas em florestas, mas com acompanhamento precário do desmatamento.
Redd+ — A mais recente novidade das negociações em torno do Redd foi a inclusão da conservação nas discussões, o que criou a expressão Redd+ (Redd plus, em inglês).  Entre os defensores dessa inserção está a Índia, que vem conservando bem sua mata após um histórico de devastação.  Aos africanos, interessa a inclusão da degradação, que os atinge particularmente, embora ela não seja de fácil medição.
Escala da implementação — A defesa da implementação do Redd por projeto perdeu força por causa do temor em relação ao vazamento das emissões.  A tendência esboçada nas negociações é de que o Redd seja implementado em âmbito nacional, ainda que projetos pilotos possam ocorrer em escala subnacional.  Não se sabe, ainda, como prevenir o vazamento entre países.

Sem cortes nos esforços
A quantidade necessária de recursos para reduzir as emissões do carbono florestal é tão alta que se buscam formatos híbridos de captação 

Ao calcular a necessidade de recursos para reduzir as emissões de carbono florestal, um ponto ao menos se clarifica entre os especialistas em Redd.  Não há espaço para dicotomias como “doações de recursos governamentais versus mecanismos de mercado”.  A quantidade de recursos é tamanha que a solução deve passar por esquemas híbridos.
Relatórios dos estudiosos Nicholas Stern e John Eliasch estimaram a necessidade de investir de US$ 17 bilhões a US$ 33 bilhões para reduzir à metade as emissões por desmatamento até 2030. Segundo Virgilio Viana, do Fundo Amazonas Sustentável (FAS), um dos cenários sugere que os mercados globais de carbono poderiam fornecer cerca de US$ 7 bilhões por ano para reduzir o desmate até 2020.  Com isso, faltariam US$ 11 bilhões a US$ 19 bilhões por ano.
Do outro lado, diz Stephan Schwartzman, do Environmental Defense Fund, é difícil que governos consigam dar conta de todo o investimento para atingir as metas de redução, ainda mais porque países pobres e em situação vulnerável, como Bangladesh, tendem a reivindicar quantias crescentes para formar fundos para adaptação à mudança climática. Paulo Moutinho, do Ipam, acrescenta que as doações devem diminuir também por conta da crise financeira mundial.
“Alguns ambientalistas e governos ainda têm restrições a mecanismos de mercado, o que é um erro fatal”, diz Schwartzman. O argumento de Jutta Kill, da ONG Fern, é que o mercado de carbono florestal não vai funcionar, porque dará direito a países industrializados de continuar emitindo carbono de origem fóssil, sem que as emissões sejam reduzidas. Já Philip Fearnside, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), contra-argumenta que, se não houvesse o mercado de crédito, seria ainda pior, pois os dois tipos de emissões aconteceriam, tanto do desmatamento quanto das indústrias que usam energia fóssil.
Thelma Krug, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), integrante do IPCC e membro da delegação brasileira que participa das negociações do tratado climático, afirma que o Redd não pode ser usado para compensar as emissões dos países desenvolvidos.  “Ele é importante para alcançarmos reduções adicionais às metas obrigatórias dos países do Anexo 1 (desenvolvidos), por isso é discutido no âmbito da Convenção Quadro sobre Mudança Climática”.  As reduções compensatórias são negociadas no Protocolo de Kyoto.
Para Tasso Azevedo, jamais o Brasil será proponente de offset (compensação) florestal.  “A qualquer observador, o Brasil apareceria como o grande beneficiário (por ser o maior detentor de florestas) e seria mal interpretado, ao mostrar que estaria agindo em causa própria”, explica.
O Greenpeace calculou na ponta do lápis o prejuízo de incluir créditos florestais no regime de metas de cortes nas emissões do países desenvolvidos: reduziria em 75% o preço do carbono, desestimulando investimentos em tecnologias limpas. “Os créditos florestais baratos desviarão recursos de ações de combate às mudanças climáticas, como investimentos em energias renováveis e eficiência energética e outras ações domésticas de mitigação nos países desenvolvidos”, diz Guarany Osório, coordenador da campanha de Mudanças Climáticas do Greenpeace.
Como alterativa, a ONG propõe o Mecanismo de Redução de Emissões por Desmatamento das Florestas Tropicais (Tderm, na sigla em inglês).  Em linhas gerais, prevê um fundo global que receberia recursos voluntários e obrigatórios dos países do Anexo 1 para aplicação em projetos de conservação, redução no desmatamento E repartição de benefícios com comunidades tradicionais.  Em troca, os países do Anexo 1 ganhariam uma nova moeda, as unidades florestais, equivalentes à quantidade de emissões reduzidas nos países em desenvolvimento que contassem com sistemas de monitoramento de suas florestas.  Cada tonelada de carbono equivaleria a uma unidade florestal.  Mas essas unidades não seriam “fungíveis” com os créditos do comércio de emissões de Kyoto.  E os países do Anexo 1 somente poderiam acessar o Tderm após cumprirem metas do segundo período de compromissos.
Outra questão a ser desenvolvida em Redd é a da governança. Como o mercado pode arbitrar se determinado crédito é bom, ou seja, se garante os prazos de redução de emissões, lidam corretamente com as questões de vazamento e permanência, entre outras?  Um dos riscos de deixar o mercado se autorregular é bem conhecido: a especulação, diz Roberto Waack, do FSC.  “A empresa compra um crédito fajuto, superavaliado e lança em seus balanços, especula com brokers que já existem neste mercado e pronto, uma nova bolha está formada.”
A alternativa que ele aponta é criar um sistema de acreditação, para certificar e auditar continuamente as certificadoras.  “O ponto central é como ter um sistema, ou vários, com uma regulação que aufira bom conteúdo técnico-científico ao crédito, e que seja crível e legítimo, contemplando o amplo espectro de interesses.”
Mariano Cenamo, secretário-executivo e coordenador do programa de mudança climática do Idesam, aponta também para o problema da governança – corrupção, falta de instituições preparadas – na maioria dos países florestais, entre os quais Indonésia e os da África e Ásia.  Uma saída seria desenvolver o Redd em escala de projetos, preparando o ambiente nos países até que se possa chegar às escalas subnacional e nacional.

Pedro-que-amava-Rosa-que-amava…A Europa vê nas florestas a garantia de participação dos americanos, que enxergam no REDD offsets para seu futuro mercado de carbono

Para que as florestas atinjam seu potencial no acordo a ser arquitetado em Copenhague, é essencial que sejam discutidas em conjunto com as metas de redução de emissões para o próximo período de compromisso.  Caso contrário, diz Manuel Estrada, corre-se o risco de repetir o “erro de procedimento” das negociações do Protocolo de Kyoto, quando se definiram primeiro as metas e, depois, as formas de alcançá-las.
“Desta vez não precisa ser assim, há espaço para reduções na indústria e para o Redd.” É o que parecem acreditar os americanos, que ficaram de fora de Kyoto – em parte por se opor à exclusão das florestas do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) –, mas agora estão de volta às negociações com claro interesse pelo Redd.
Internamente, o Congresso americano aprecia o projeto dos deputados Henry Waxman e Ed Markey, que introduz um sistema de cap-and-trade com metas crescentes de redução – de 3% em 2012 a 83% em 2050 em relação aos níveis de 2005 – e permite o uso de offsets (compensações) – de 15% da meta em 2012 a 33% em 2050 –, categoria que inclui os créditos de Redd.
Ao contrário dos EUA – e da Austrália, cujo sistema de cap-and-trade previsto para entrar em vigor em 2010 com permissão para que 100% da meta seja cumprida com a compra de offsets internacionalmente –, a União Europeia resiste a abrir seu mercado para o Redd e mantém a preferência pelo MDL.  “A Comissão vê o setor florestal como uma distração em relação ao que realmente importa: reduzir as emissões da indústria e do setor de energia”, afirma Charlotte Streck, acrescentando que muitos países europeus divergem da Comissão.  Apesar da resistência, a Europa tem interesse nas florestas como forma de envolver os países em desenvolvimento e, assim, garantir que os EUA farão parte de um acordo global.

Bye, bye Kyoto?

A cerca de 200 dias da reunião de Copenhague, sobram incertezas, até mesmo sobre em que fórum se dará um acordo global – ou pelo menos seu esboço – para mitigação e adaptação às mudanças do clima.
No momento, há dois grupos de trabalho em operação, um sobre os próximos compromissos mandatórios dos países desenvolvidos sob o Protocolo de Kyoto – que não conta com a participação americana –, e outro sobre a cooperação de longo prazo no âmbito Convenção, que foi ratificada pelos EUA, mas não estabelece metas obrigatórias.
É neste último fórum que se tentam envolver os países em desenvolvimento – inclusive com incentivos ao desmatamento evitado – e onde os americanos podem entrar, uma vez que por ora dificilmente ratificarão Kyoto. Mas o MDL, por exemplo, permanece na esfera de Kyoto. “Como vai se fazer para juntar tudo isso?”, questiona Charlotte Streck, lembrando que, do ponto de vista político, é preciso que exista apenas um acordo. “Não sabemos ainda”. [2]
EUA: nova lei considera dióxido de carbono nocivo à saúde
Conforme era esperado, a Agência de Proteção Ambiental americana (EPA, na sigla em inglês) declarou o dióxido de carbono e outros cinco gases de efeito estufa (GEE) como poluentes que colocam em risco a saúde e o bem-estar públicos.
Esses gases passarão a integrar a leiconhecida como Clean Air Act, após 60 dias de consulta pública. A medida era o último retoque regulatório que faltava para que os EUA possam formular e aplicar uma legislação para reduzir as emissões de GEE. Provavelmente, um conjunto de cotas setoriais será atrelado a um sistema capand- trade, que viabilizará o comércio de créditos, ou permits, entre aqueles que estiverem acima ou abaixo dos limites aprovados por lei.
Teoricamente, a simples admissão dos gases de efeito estufa na Clean Air Act conferiria à EPA o poder de impor limites de emissões.  Mas, segundo anúncio publicado no site da agência, tanto o presidente Obama quanto a administradora da EPA, Lisa P. Jackson, consideram que o melhor é deixar essa missão para o Congresso.  Seria uma forma de garantir ampla participação e evitar contestações judiciais.
Conforme noticiou o jornal The New York Times, o anúncio posicionou, de um lado, ambientalistas e democratas, que apostam em benefícios sociais e econômicos de longo prazo, e, de outro, republicanos e industriais, que consideram a medida um risco para a geração de empregos e para a contenção dos custos de energia.
As medidas do governo americano vêm em boa hora, já que, mesmo com a crise econômica mundial, as emissões de gases de efeito estufa no mundo não param de crescer.  Em 2008, a concentração na atmosfera de dióxido de carbono e metano, os dois principais gases de efeito estufa, subiu 2,2 ppm (partes por milhão) e 4,4 ppb (partes por bilhão), respectivamente.
Quem informa é a Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (Noaa, na sigla em inglês) do Departamento de Comércio americano. O órgão acompanha o comportamento de gases de efeito estufa há décadas e mantém 60 pontos de monitoramento em todo o mundo.
Segundo a Noaa, o aumento de carbono na atmosfera segue um ritmo de mais de 2% ao ano desde o nascimento da era industrial, mas períodos relativamente longos de crise econômica podem causar desaceleração.  Foi o que ocorreu entre 1930 e 1936, durante a Grande Depressão, e no final dos anos 40, possivelmente graças à Segunda Guerra Mundial.
Por enquanto, a crise atual ainda não apresentou o mesmo quadro, com 16,2 bilhões de toneladas de CO2 emitidas em 2008. A concentração total agora bate 386 ppm, enquanto muitos cientistas acreditam que o nível máximo para evitar um desastre global seria 450 ppm.
É o segundo ano consecutivo em que se constata aumento da concentração de metano, depois de dez anos de estagnação. Esse aumento foi causado pelos adicionais 12,2 milhões de toneladas do gás emitidos no ano passado. Embora o metano permaneça apenas alguns anos na atmosfera, sua capacidade de reter energia térmica é 25 vezes superior à do carbono. [3]

Redução de dúvidas
Hoje não se discute mais “se” e, sim, “como” se dará o mecanismo para remunerar as emissões evitadas de desmatamento

Entre 1º e 4 de abril, cerca de 1.400 pessoas se reuniram em Cuiabá, no XIV Encontro do Grupo Katoomba, para discutir propostas e experiências de redução de desmatamento por meio de mecanismos de pagamentos por serviços ambientais.
A notícia, porém, foi outra: pela primeira vez, esse conjunto de atores de interesses diversos – incluindo cinco governadores de Estados da Amazônia, o governador regional de Loreto, no Peru, o governador do Departamento de Santa Cruz, na Bolívia, representantes do governo brasileiro, de movimentos sociais e de organizações não governamentais, deputados estaduais, empresários, produtores rurais, povos indígenas, comunidades locais, populações tradicionais, agricultores familiares, acadêmicos, prefeitos e representantes de municípios da Amazônia, entre outros- dirigiram ao presidente da República e ao governo federal uma série de recomendações que surgiram por consenso durante o encontro.
Esse foi o capítulo mais recente – não o último – de uma agenda de inclusão do tema florestas, em especial Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (Redd), no âmbito da Convenção do Clima.  A novidade, portanto, é que hoje não se discute mais “se” isso vai acontecer, mas “como” isso se dará.
A discussão no Brasil sobre florestas e clima não vem de hoje. Há mais de uma década, organizações da sociedade civil alertam para o fato de que instrumentos de comando e controle, isoladamente, não vão dar conta da implementação efetiva das políticas ambientais no País. Neste momento, a agenda de conservação dessas instituições é enriquecida pelo debate sobre o aquecimento global e o papel das florestas nas mudanças climáticas, tanto como sumidouros de carbono como pelas emissões causadas por desmatamento.
Embora caminhasse timidamente ao longo da década de 90, foi em 2000 que essa discussão ganhou corpo.  Nesse ano, organizações não governamentais brasileiras, reunidas no Pará, assinaram o Manifesto de Belém, documento com posicionamentos sobre a inclusão de florestas no âmbito do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL).
Ainda restrito às ONGs e movimentos sociais, o debate estava longe de gerar consenso.  As grandes ONGs internacionais – leia-se Greenpeace, WWF e a Rede Amigos da Terra – nem sequer admitiam a conversa, e suas filiais brasileiras reproduziam essa visão, com exceção da Amigos da Terra – Amazônia Brasileira.
Algumas organizações internas alinhavam-se às posições de ONGs internacionais, gerando caloroso debate- para não dizer confronto – de ideias.  O governo federal, na época, alinhava-se com os posicionamentos dessas ONGs internacionais- entre as quais algumas se tornaram depois defensoras de carteirinha da temática de Redd na Convenção.
O manifesto apontava para dois fatos inequívocos.  Que há uma íntima relação – na qual as florestas tropicais são protagonistas – entre biosfera e atmosfera e, portanto, nenhum regime de clima poderia dispensar o tema de florestas no âmbito de sua regulamentação. E que é fundamental a introdução de instrumentos econômicos no rol das políticas públicas de enfrentamento do desmatamento tropical.
Internacionalmente, essa discussão iria ao encontro da fundação do Grupo Katoomba, pela ONG Forest Trends, que defendia colegiar um grupo de cabeças pensantes capaz de promover o debate sobre a criação de mercados para pagamentos por serviços ambientais como instrumentos adicionais às políticas públicas de conservação de florestas no mundo inteiro. A COP 6, realizada em Haia, na Holanda, em 2000, foi a mais marcante.  Em primeiro lugar, porque não acabou: foi preciso realizar a COP 6,5, em Bonn, na Alemanha, no ano seguinte.
Em segundo, porque marcou a retirada dos EUA do Protocolo de Kyoto, engatilhada pela eleição de George Bush.  Por último, pelo grande debate sobre regulamentação do MDL, em especial sobre a inclusão ou não de florestas no mecanismo. Ao participar dessa COP, representando a Amigos da Terra – Amazônia, pude testemunhar a voracidade com que as organizações internacionais citadas tratavam a presença de posições diferentes das suas.
Uma delas chegou a sumir com o material impresso de uma ONG brasileira, disponível para o público, em evento paralelo que discutia florestas e MDL.  Se entre as ONGs esse tema era repelido belicamente, o assunto nem fazia parte da agenda do setor privado – que só começou a se interessar por clima após a ratificação do Protocolo de Kyoto, em 2004, quando o risco regulatório foi reduzido drasticamente – e de governos -, com exceção de Costa Rica e Bolívia, entre outros.
Na regulamentação do MDL, as emissões evitadas de desmatamento ficaram de fora. Um dos principais argumentos contra a inclusão era o de que, devido ao fato de o MDL ser um mecanismo baseado em projetos, aumentaria o risco de vazamento ou leakage (emissões evitadas em um determinado lugar acabam ocorrendo em outro).
Outro argumento é que poderia haver superoferta de créditos, o que jogaria o preço do crédito de carbono para baixo; além do receio da delegação brasileira de que isso arriscaria a soberania nacional sobre a Amazônia.  De fato, naquela época, não havia nenhuma proposta para desmatamento evitado que atendesse essas questões técnicas.
Mas o mundo roda e a fila anda.  No Brasil, crescia o interesse pelo uso de instrumentos econômicos para a conservação e uso sustentável de recursos naturais, em especial dentro do Ministério do Meio Ambiente, que começava a marcar, no governo, contraponto às posições brasileiras nas COPs do Clima, construídas tradicionalmente pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) e defendidas pelos oficiais do Itamaraty.
Seminário promovido pelo Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PPG-7) e a Secretaria de Coordenação da Amazônia, do MMA, em 2002, concluía: “Em grande medida, tal interesse se deve à constatação de que a utilização dos instrumentos de ‘comando e controle’, de forma isolada, tem se revelado insuficiente para assegurar os resultados esperados das políticas ambientais, particularmente no que diz respeito ao uso dos recursos florestais”.
Em 2003, na COP 9, de Milão, o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia e o Instituto Socioambiental apresentaram proposta que abriria a “possibilidade da venda de certificados de carbono por países em desenvolvimento com florestas tropicais que conseguissem reduzir, em determinado período, as taxas de desmatamento em relação aos níveis apresentados na década de 90″ – a redução compensada.  Segundo os autores, “esses certificados de carbono seriam atrativos aos investidores devido às vantagens comparativas do ponto de vista ambiental, pois, além da redução do desmatamento, protegeriam a biodiversidade e os recursos hídricos e, em muitos casos, melhorariam a qualidade de vida dos habitantes da floresta”.
Pela primeira vez, no âmbito da Convenção, foi apresentado um modelo para tratar a questão do desmatamento e que dialogava com os princípios de linha de base (referência a partir da qual se calcula a redução de emissão), adicionalidade (redução de emissões em relação à linha de base) e vazamento.  Esse projeto já previa um mecanismo baseado no nível nacional – ou subnacional -, e não mais em projetos, e foi detonador de toda a discussão sobre Redd na Convenção.
O material de divulgação desse evento não foi roubado.  A partir da COP 10, em 2004, começou-se a discutir o segundo período de comprometimento – pós-Kyoto -, e abriu-se mais uma janela para a questão do desmatamento. O ano de 2004 terminou com grande surpresa: o Congresso russo ratificou o Protocolo de Kyoto, que entrou em vigor em fevereiro de 2005, removendo a principal barreira que impedia o crescimento dos mercados: o risco regulatório.
Depois disso, observamos em escala exponencial a participação do setor privado nas discussões sobre clima e, em especial, do agronegócio brasileiro nas questões sobre desmatamento evitado e pagamento por serviços ambientais.
Sem demora, começamos a assistir ao engajamento dos estados amazônicos nesse debate, os quais vislumbravam a possibilidade real de um mecanismo de financiamento permanente para programas de redução de desmatamento, o que inclui fiscalização e implementação da legislação ambiental, apoio às alternativas econômicas sustentáveis etc. Agora, a discussão passa a ser “como fazer”, e não mais “se” vai haver um mecanismo.
Nunca antes houve organizações não governamentais, setor privado e governos de estado dispostos a contribuir por uma posição brasileira orgânica, construída de baixo para cima. Nunca antes alinharam-se forças do setor rural produtivo, dos movimentos sociais, das ONGs, da academia e dos governos estaduais para uma posição genuinamente brasileira.
Uma posição, conforme explícito na Carta de Cuiabá, que seja fruto de um processo ágil, aberto, participativo e transparente de diálogo com os atores sociais interessados; que tenha metas de redução do desmatamento compartilhadas entre o governo federal e cada estado brasileiro; cujos instrumentos legais e financeiros estabelecidos para a implementação das metas reconheçam e garantam os direitos e recompensem de forma justa e equitativa os esforços dos que prestam serviços ambientais à sociedade nacional e global; que reconheça iniciativas inovadoras de projetos locais e subnacionais que contribuem para o cumprimento das metas estaduais e nacionais; que admita outros mecanismos de captação advinda de instrumentos de mercados (voluntários ou compulsórios); cujos recursos sejam adicionais aos orçamentos públicos ordinários.
Trata-se de uma mensagem em alto e bom som de todos os setores da sociedade civil, que espera ser ouvida pelos negociadores do MCT e do Itamaraty, âmbito no qual são tradicionalmente decididas as questões de clima pelo País. [4]


[1] com Flavia Pardini e colaboração de José Roberto Gonçalvez
[2] com Amália Safatle
[3] com Carolina Derivi
[4] por Mario Monzoni é Coordenador do Centro de Estudos em Sustentabilidade da FGV-Eaesp 
publicado no Página 22 (edição nº30 - Abril 2009)

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